As ameaças de um ano soturno

O ano começou sombrio, cinza, com a posse de Donald Trump e todas as ameaças que ele carrega consigo, alimentadas pelo espírito negativista de um fanfarrão narcisista e perigoso. Ao mesmo tempo, um relatório do Fórum Econômico Mundial avisaque as mudanças climáticas, além dos aspectos negativos para a vida no planeta, são o segundo maior risco global para 2025. Em primeiro lugar encontra-se a escalada dos conflitos armados entre Estados.
Trump acaba de romper com os Acordos de Paris sobre o clima num momento em que o aquecimento global, impulsionado pela emissão de gases de efeito estufa, já ultrapassou limites seguros e é o principal fator para o aumento de fenômenos extremos como secas, inundações e ondas de calor. Em 2024, a temperatura média global superou o aumento de 1,5°C em relação aos níveis pré-industriais, um marco crítico estabelecido pelo Acordo de Paris. São eventos que ameaçam diretamente a vida humana e os ecossistemas, além de agravar problemas como a fome e as doenças.
As diretrizes do governo Trump nos Estados Unidos podem ter um grande e negativo impacto na crise climática global. A retirada dos Acordos de Paris enfraquece os esforços globais de combate às alterações climáticas, já que os EUA são o segundo maior emissor de gases de efeito estufa do mundo. O primeiro é a China.No entanto, quando se considera as emissões per capita, os Estados Unidos se destacam. A taxa de emissões por habitante dos EUA é o dobro da chinesa e oito vezes maior que a da Índia.
O fracking
A política de “Independência Energética” de Trump inclui a expansão da produção de combustíveis fósseis, apoio ao fracking e exploração de petróleo em áreas sensíveis para o meio ambiente. O fracking, também conhecido como fraturamento hidráulico, é uma técnica não convencional de extração de gás natural e petróleo de rochas sedimentares profundas. As medidas anunciadas pelo governo Trump podemlevar a um aumento ainda não calculado nas emissões de CO2 dos EUA até 2030.
O fracking libera substâncias tóxicas no ar, como benzeno, etilbenzeno e tolueno. A exposição a esses químicos está associada a problemas de saúde graves, incluindo defeitos congênitos, doenças neurológicas e câncer. Os fluidos usados no fracking, contendo produtos químicos tóxicos, podem contaminar fontes de água subterrânea e aquíferos. O processo gera grandes volumes de água residual contaminada com metais pesados, radioisótopos e alta salinidade. Cada poço de fracking utiliza entre 8 e 30 milhões de litros de água e podem causar escassez hídrica em regiões já afetadas. Há sempre risco de vazamentos durante o transporte e armazenamento dos fluidos contaminados, que podem infiltrar-se no solo e contaminar fontes de água. Esses impactos representam sérias ameaças à saúde pública e aomeio ambiente nas áreas onde o fracking é praticado.
Poluição e metano
Trump planeja revogar regulamentações ambientais para favorecer a indústria de combustíveis fósseis o que inclui a suspensão de normas sobre emissões de metano e o enfraquecimento dos padrões de eficiência energética para veículos, ou seja, continuar indefinidamente com a poluição provocada pelos automóveis nas grandes cidades. E não só nas grandes cidades.
O metano desloca o oxigênio e pode causar dificuldade respiratória, falta de ar, tosse, respiração ofegante, dores de cabeça, tontura, confusão mental, desorientação, perda de memória, euforia temporária, aumento da frequência cardíaca, alterações na pressão arterial, náuseas, vômitos, fraqueza e fadiga, visão turva, irritação de olhos, nariz e garganta, perda de consciência, convulsões, coma e, por fim, morte por asfixia.
Atualmente, os EUA são um dos maiores contribuintes para o financiamento global do combate às mudanças climáticas. Com a sua política, Trump vai interromper esse financiamento, afetando iniciativas internacionais como o Fundo Amazônia. Vai aumentar a produção de petróleo e gás, usando o slogan “perfure, baby, perfure” (drill, baby, drill). E planeja facilitar a aprovação de projetos de oleodutos e usinas, e abrir áreas no Alasca para extração de petróleo e gás. Comprometeu-se a cancelar políticas como o Green New Deale a obrigatoriedade na fabricação de carros elétricos.Pretende também interromper a construção de parques de energia eólica no mar. Tudo isso vai resultar em atraso na agenda climática global e colocar em risco os esforços para combater a emergência climática num momento crucial para o planeta.
A extinção acelerada de espécies que ocorrepor causa da destruição de habitats naturais, desmatamento e exploração excessiva dos recursos naturais desestabiliza os ecossistemas. Cinquenta e quatro por cento das espécies terrestres e marinhas estão hoje ameaçadas.
As guerras
Ao lado da crise ambiental, a humanidade vive os impactos dos conflitos armados devastadores e abrangentes, afetando milhões de pessoas em todo o mundo. Milhões de pessoas são obrigadas a abandonar suas casas e comunidades e transformam-se em deslocados internos ou refugiados. No Sudão, mais de seis milhões de pessoas foram deslocadas desde abril de 2023 enquanto os conflitos destroem campos de cultivo, infraestruturas e cadeias de abastecimento, levando à fome grandes populações. No Iêmen em guerra civil, 81% da população necessita de ajuda humanitária para sobreviver. Nesses e em outros conflitos atuais as populações civis são alvo de violência, incluindo homicídios, torturas, desaparecimentos forçados e violência sexual.O acesso a serviços essenciais como saúde, educação e água potável é praticamente inexistente.
Mulheres e crianças, os grupos mais vulneráveis,são 80% de todos os refugiados e deslocados em países onde os conflitos armados levam ao colapso econômico, exacerbam a pobreza e limitam ainda mais o acesso a serviços básicos. Com a contínua exposição à violência e à insegurança, as pessoas sofrem graves traumas emocionais e as consequências para a saúde mental. São impactos humanitários agravados pela dificuldade de acesso das organizações de ajuda às áreas de conflito.
*Imagem em destaque: Donald Trump e Elon Musk durante a cerimônia de posse de Trump como presidente dos EUA (EPA)

Poeta, articulista, jornalista e publicitário. Traballhou no Diário de Minas como repórter, na Última Hora como chefe de reportagem e no Correio de Minas como Chefe de Redação antes de se transferir para a publicidade, área em que se dedicou ao planejamento e criação de campanhas publicitárias. Colaborou com artigos em Carta Maior e atualmente em Fórum 21. Mora hoje no Porto, Portugal.
É autor de Poente (Editora Glaciar, Lisboa, 2022), Dezessete Poemas Noturnos (Alhambra, 1992), O Último Número (Alhambra, 1986), O Itinerário dos Emigrantes (Massao Ohno, 1980), A Região dos Mitos (Folhetim, 1975), A Legião dos Suicidas (Artenova, 1972), Processo Penal (Artenova, 1969) e Texto e a Palha (Edições MP, 1965).