Capachonaro, Donald e o cabo da retaliação

Era uma vez, nos trópicos da servidão voluntária, um filho do ex-messias do X, o jovem Capachonarinho. Acreditava um cabo e um soldado — mas, veja bem, “sem desmerecer o cabo e o soldado” — serem suficientes para dissolver o Supremo Tribunal Federal. Não precisaria nem gastar gasolina com jipe verde-oliva: bastaria uma boa live.
Anos depois, ele evoluiu. Deixou de ser apenas mais um conspirador e organizador de acampamentos pedintes de golpe a quartel, mas se tornou agora um diplomata entreguista.
Voou até a corte do Imperador Donald, o sol em torno do qual orbitam os satélites da extrema direita mundial. Lá, entre uma selfie com boné MAGA e a fritura de um hambúrguer na chapa com carne brasileira, Capachonarinho solicitou um presente imperial: tarifa de 50% sobre as exportações brasileiras.
Sim, contra o próprio país. Um gesto de patriotismo reverso, onde a soberania é um bug a ser corrigida com sanções contra a conspiração do Sul Global para adotar uma moeda não norte-americana para o comércio externo entre os BRICS e aliados.
O Imperador, sem nada para fazer depois de estar envolto em glórias doentias e guerras auto infligidas — contra o Irã, contra Gaza, contra o conhecimento — prontamente atendeu. Em carta oficial escrita em CAPS LOCK, citou três nobres razões para a tarifa:
- A injusta perseguição ao seu “aliado e mártir” Capachonaro, punido apenas por tentar destruir as bases da República dos Estados Unidos do Brasil com um plano de teor golpista, intitulado com o singelo nome de Punhal Verde-e-Amarelo.
- A “censura” do STF a plataformas digitais norte-americanas, afinal, elas só faziam seu papel de sempre: propagar ódio, vender armas e distribuir cloroquina.
- Uma suposta “relação comercial injusta”, mesmo com um superávit acumulado de US$ 410 bilhões para os EUA. Mas no reino mágico do Imperador Donald, quando o Império lucra, ainda assim é porque foi “roubado”. Afinal, O Aprendiz sempre se inspirou na paranoia do advogado da Máfia: um estado mental caracterizado pela desconfiança e suspeita excessivas em relação aos outros. Acredita estar sempre sendo perseguido, enganado ou prejudicado por outras pessoas ou países, mesmo sem evidências ou algum fundamento.
Mas eis que o roteiro tragicômico tomou um rumo inesperado.
A bancada do agronegócio — até então devota fervorosa de Capachonaro, defensora do gado, do herbicida glifosato e das glebas amazônicas incendiadas — acordou com um baita susto: a tarifa imperial afetaria diretamente eles! Sim, logo eles, os intocáveis do Congresso, os campeões da produção com isenção.
Descobriram, com a sutileza de um coice de burro, os EUA serem os maiores compradores de suco de laranja e de café brasileiros, o segundo maior de carne bovina, além de ser um cliente relevante de açúcar.
A conta chegou. Mas não no balanço de pagamentos — chegou direto no cofre dos barões agroexportadores. A retaliação contra o Brasil era, na prática, uma retaliação contra eles.
O BRICS, aquele clube malvisto pelos discípulos do Consenso de Washington, ousou cogitar uma moeda alternativa ao dólar. Resultado? Tarifa. Retaliação. Sofrimento do gado.
Mais irônico ainda acontecerá quando os próprios consumidores americanos, privados do café gourmet vinda de São Paulo, da picanha cortada em Goiás e do suquinho de laranja de Araraquara, começarem a chiar. O republicanismo do meio-oeste verá os preços subirem nas gôndolas e, em fúria, punirá os candidatos republicanos nas eleições legislativas do próximo ano.
O Império terá sua revanche democrática: o Imperador Donald, uma vez todo-poderoso, passará a governar como um “Pato Donald manco”, grasnando ordens. Elas não serão cumpridas e serão em vão suas ameaças a juízes, imprensa, professores, estudantes estrangeiros e imigrantes latinos, árabes e asiáticos.
Enquanto isso, no Brasil, a base ruralista correrá ao colo do Centrão em busca de proteção, renegando o filho ingrato de Capachonaro como se jamais tivessem rezado juntos na cartilha do Império do Norte. Os cães ladravam e a boiada antes passava, agora empaca.
Moral da fábula: quem planta subserviência, colhe tarifaço.
E no fim, nem o cabo, nem o soldado. O que derrubou tudo foi a tarifa sobre o café com açúcar e o suco de laranja com picanha.

Fernando Nogueira da Costa é professor titular do Instituto de Economia da UNICAMP. Obras (Quase) Completas em livros digitais para download gratuito em http://fernandonogueiracosta.wordpress.com/). E-mail: [email protected].
