Defesa de Direitos Trabalhistas na Era Digital

Defesa de Direitos Trabalhistas na Era Digital

Embora a automação e a digitalização tenham alterado a natureza do trabalho, o sistema capitalista continua a depender de grandes massas de trabalhadores, tanto nos setores tradicionais quanto nos digitais.A gigeconomy (economia de “bicos”) não eliminou o trabalho, mas o reconfigurou em formas mais precarizadas. Trabalhadores de plataformas (como Uber, iFood ou Rappi)constituem o novo proletariado, sem direitos trabalhistas e com insegurança econômica.

A tecnologia aumentou a fragmentação do trabalho e criououtras formas de exploração. Muitas atividades essenciais, como entrega de bens, codificação de algoritmos e moderação de conteúdo, são realizadas por trabalhadores em condições informais ou terceirizados.Em vez de abolir o proletariado, o trabalho digital reforçou desigualdades, descentralizou o emprego e aprofundou a dependência de mão de obra global barata.

A automação tem, de fato, eliminado postos de trabalho em setores como a indústria, mas não extinguiu a necessidade de trabalhadores em outras áreas, como serviços, tecnologia da informação e logística.A “revolução robótica”levou à reestruturação setorial e gerou ocupaçõescomexigências de habilidades específicas, mas sem substituir completamente o papel humano na economia.

Os trabalhadores digitais e invisibilizados desempenham um papel crucial na infraestrutura das grandes empresas de tecnologia. Inclui desde desenvolvedores de software até trabalhadores de moderação de dados, inclusive em países do Sul Global.Trabalhadores contratados para treinar inteligência artificial costumam ser mal remunerados e submetidos a condições extenuantes, mesmo sendo fundamentais para a tecnologia. Trata-se da emergência de um proletariado digital.

Tecnologias como big data, inteligência artificial e vigilância digital intensificaram o controle sobre os trabalhadores, tanto na produção quanto nos serviços. Esse controle aumenta a produtividade e reduz custos, mas aprofunda a alienação do trabalhador.No comércio eletrônico e na logística, algoritmos monitoram e avaliam constantemente os trabalhadores.

As transformações digitais não aboliram a luta de classes, mas a adaptaram. A concentração nas“7 Magníficas”, grupo de sete empresas de tecnologia dominantes do mercado de ações dos Estados Unidos, formado por: Alphabet (dona do Google), Amazon, Apple, Meta Platforms, Microsoft, Nvidia e Tesla, exacerbou desigualdades econômicas e consolidou novas formas de dominação.Ao mesmo tempo, a criação de valor no capitalismo informacional continua a depender de trabalho humano, emboraincorporado em sistemas tecnológicos.

As consequências dessa transfiguração, não extinção da classe trabalhadora,incluem a intensificação da precarização e desigualdade social;  a redefinição de classes sociais, com o surgimento de novos proletariados (digitais, informais, globais); problemas para a organização sindical e a resistência dos trabalhadores no século XXI.

As transformações nos processos de trabalho na Era Digital, caracterizadas pela precarização, ausência de direitos trabalhistas e novas formas de exploração, têm gerado problemas trabalhistas tanto para os movimentos sociais quanto para as políticas públicas. No entanto, algumas iniciativas e estratégias têm surgido para enfrentar essas mudanças.

Governosde origem trabalhista, em diferentes países, têm implementado ou discutido políticas para proteger os trabalhadores em plataformas digitais e setores precarizados.Algumas legislações têm buscado reclassificar trabalhadores de plataformas (como motoristas e entregadores) como possuidores de vínculo empregatício em vez de autônomos.

Na Espanha, a Lei Rider, em 2021,passou a reconhecer entregadores de aplicativos como empregados com direito a benefícios trabalhistas. Na Califórnia-EUA, lei AB5 tentou reclassificar motoristas da Uber e Lyft como empregados, mas enfrentou resistência e foi parcialmente revertida. As empresas reagem ao transferir custos para os trabalhadores ou buscam brechas legais para evitar regulamentações.

Alguns governos democratas têm ampliado a cobertura de seguridade social, saúde e aposentadoria para trabalhadores autônomos e informais. No Brasil, a inclusão de trabalhadores de aplicativos no MEI (Microempreendedor Individual) facilita a contribuição previdenciária, mas ainda trata esses trabalhadores como autônomos.

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Há um debate político-legislativo sobre taxar empresas de tecnologia para financiar redes de proteção social. A União Europeia estuda formas de tributar as gigantes digitais (big techs) para custear políticas de bem-estar.

Algumas políticas tentam limitar o uso abusivo de algoritmos para monitorar ou punir trabalhadores. A União Europeia propôs uma regulação de inteligência artificial para garantir maior transparência no uso de algoritmos em processos de trabalho, ou seja, aregulação do uso de algoritmos e vigilância.

Os movimentos sociais e sindicatos necessitam se reinventar para enfrentar os problemas do trabalho digital e da precarização. Essa resistência e organização busca a sindicalização de trabalhadores de plataformas. Organizações estão surgindo para sindicalizar entregadores, motoristas e outros trabalhadores de plataformas.

No Reino Unido, o sindicato IWGB organizou greves de motoristas da Uber e entregadores da Deliveroo. No Brasil, o movimento “Breque dos Apps” mobilizou entregadores por melhores condições de trabalho.

Esses movimentos sociais têm se articulado internacionalmente para aumentar a pressão sobre grandes empresas de tecnologia. Greves coordenadas de trabalhadores da Amazon ocorreram simultaneamente em vários países.

Alternativas ao modelo tradicional de plataformas digitais têm surgido, com cooperativas de modo a garantir maior autonomia e redistribuição dos lucros.  Na França, a cooperativa CoopCycle oferece uma alternativa ao modelo de entrega convencional. Na Argentina, experimentos com cooperativas digitais têm buscado maior justiça no trabalho online.

Surgem novos métodos de organização. Movimentos utilizam redes sociais, aplicativos e plataformas digitais para mobilizar trabalhadores dispersos geograficamente. Por exemplo, houve campanhas de boicote e hashtags como #PayUp nos EUA e #EntregadoresAntifascistas no Brasil.

Apesar dos avanços, as respostas políticas e sociais enfrentam várias dificuldades, como a fragmentação da força de trabalho. Trabalhadores de plataformas estão geograficamente dispersos e competindo entre si, o que dificulta a solidariedade.

As grandes empresas de tecnologia, como Uber, Amazon e Google, têm enorme influência política e capacidade de contestar regulações em tribunais ou lobby governamental. Como falta consenso regulatório global, políticas nacionais isoladas têm eficácia limitada, porque as plataformas operam internacionalmente.

Há baixa adesão sindical. Muitos trabalhadores precarizados hesitam em participar de sindicatos por medo de represálias ou falta de cultura sindical.

Uma Renda Básica Universal ofereceria segurança econômica diante da precarização e automação. Porém, o financiamento dessa política exigiriadifíceis reformas tributárias.

Alguns movimentos defendem maior controle público ou cooperativo sobre plataformas digitais para garantir seus lucros e poder serem redistribuídos.Políticas públicas podem focar em preparar trabalhadores para as novas demandas do mercado digital e promoverem requalificação e inclusão digital.

A criação de marcos regulatórios globais limitaria a exploração de trabalhadores digitais e responsabilizaria as empresas transnacionais. Para tanto, é necessária a cooperação internacional.

Embora existam avanços importantes, o enfrentamento da precarização do trabalho digital ainda está em construção. Movimentos sociais e políticas públicas precisam combinar esforços locais e globais para enfrentar os problemas impostos pelo capitalismo digital e garantir dignidade e direitos aos trabalhadores do século XXI. Necessitam aprofundar alguma dessas iniciativas e discutir mais sobre propostas alternativas.

Vale frisar: o trabalho digital e a automação reconfiguraram as relações de produção, mas o capitalismo ainda depende da exploração do trabalho humano.

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