Desigualdade e ascensão do populismo de direita

Desigualdade e ascensão do populismo de direita

Embora a desigualdade global tenha caído, porque a desigualdade entre os países diminuiu bastante, a desigualdade dentro dos países aumentou, na grande maioria dos casos. Reverteu o declínio ocorrido de 1914 até 1980, antes da Era Neoliberal

No livro lançado em 2020, The Great Demographic Revival, Charles Goodhart e Manoj Pradhan tecem explicações sobre a desigualdade, economicismo capaz de justificar a ascensão do populismo da extrema-direita em diversos países. Vou resumir suas ideias.

O advento da China no comércio mundial e seu subsequente crescimento extraordinário foram as características marcantes das últimas três décadas. Isso aliou um país muito povoado, onde a força de trabalho era pobre, mas razoavelmente bem-educada e organizada de forma totalitária, com as economias avançadas ocidentais detentoras de muito maior tecnologia, riqueza e capital.

O resultado da “fusão de interesses” chamada “Chimérica” foi muito bem-sucedido para os chineses e os capitalistas norte-americanos. Os Estados Unidos exportaram know-how, gestão e capital, para a China, e ela exportou mercadorias baratas para o mundo.

A desigualdade global começou a cair, a partir de 2000 em diante, enquanto a taxa de crescimento da renda nacional e dos salários reais em grande parte da Ásia, liderado pela China, superou em muito a do Ocidente. Nos dois séculos anteriores (XIX e XX), a desigualdade global tinha aumentado, não só porque a desigualdade de renda aumentava dentro dos países, mas porque crescia entre os países.

A combinação da globalização com o efeito China e mais as tendências altamente favoráveis da demografia levaram a um aumento sem precedentes na oferta efetiva de mão de obra, indo além do dobro no período dos últimos 30 anos. Prosperaram os países com a capacidade de fornecer essa oferta de trabalho expandida em conjunto com supervisão gerencial, habilidades e equipamentos relevantes.

Entre “os perdedores” se destacaram as classes médias baixas das economias avançadas ocidentais. Elas sofreram não só por conta da concorrência globalizada pela produção mais barata na China, mas também por causa da evolução tecnológica poupadora de mão-de-obra.

Um “cinturão de ferrugem” de decadência se formou em economias avançadas, em torno de cidades, tipos de trabalho e categorias de trabalhadores. Até os anos 1970, uma região dos Estados Unidos abrangente dos estados do nordeste, dos Grandes Lagos e do meio-oeste era conhecida como “cinturão da manufatura”. Os operários industriais desocupados de lá migraram seus votos para o populismo de direita: votaram pela primeira vez em um candidato não democrata, Donald Trump, eleito em 2016.

Até mesmo na Europa antes predominantemente socialdemocrata, o descontentamento tomou a forma de um apoio crescente a líderes populistas de direita, em vez de socialistas de esquerda. Justificou-se pelas distintas atitudes dos líderes de esquerda – em contraste com seus eleitores tradicionais – em relação aos imigrantes. Foram rejeitados por serem crentes idealistas na “fraternidade humanitária”.

O partido de origem trabalhista, em cada país, recebe o apoio de imigrantes, pois tende a ser solidário e crítico em relação ao controle de imigração. Em oposição, o típico “trabalhador de macacão azul” vê os imigrantes como concorrentes e responsáveis por conter os aumentos salariais e trazer mudanças culturais e sociais indesejáveis.

De maneira oportunista, políticos de direita enfatizam os valores patrióticos nacionais (Make America Great Again; Take Back Control; Deus [evangélico], Pátria [armada] e Família [proprietária]) e se opõem à migração e aos novos costumes. Infelizmente, essas posições atingem famílias conservadoras, pouco instruídas e sofrendo descenso social.

Embora a desigualdade global tenha caído, porque a desigualdade entre os países diminuiu bastante, a desigualdade dentro dos países aumentou, na grande maioria dos casos. Reverteu o declínio ocorrido de 1914 até 1980, antes da Era Neoliberal.

As rendas líquidas após impostos e as transferências para os decis mais pobres da população na maioria dos países foram protegidas, em grande parte por medidas políticas, como benefícios sociais, leis de salário-mínimo, assistência médica etc. As políticas fiscais e sociais redistributivas ajudaram a reduzir, mas não a compensar totalmente o aumento da desigualdade de renda em todo o país.

Estima-se cerca de ¾ da redistribuição fiscal terem sido alcançados do lado das transferências, enquanto a tributação progressiva contribuiu com o quarto restante.

Há duas razões principais para a elevação da desigualdade. A primeira é a tendência de crescimento do retorno de capital (inflação de ativos) ter sido muito mais forte se comparado ao aumento dos salários reais nesse mesmo período de três décadas. A segunda principal razão é o retorno do capital humano, em função do nível de escolaridade, ter aumentado juntamente com o retorno do capital fixo e financeiro.

Em contraste, o retorno de força muscular ou de tarefas repetitivas mais simples estagnou. Desse modo, os mais pobres foram protegidos por política social ativa, enquanto o retorno do capital humano e financeiro aumentou em relação ao retorno obtidos pelos trabalhadores não qualificados ou semiqualificados da classe média baixa, inclusive com maior dificuldade de arranjar emprego formal de rendimentos aceitáveis.

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Há, pelo menos, quatro explicações para essas tendências de agravamento da desigualdade dentro do país. Para adeptos do Thomas Piketty, as primeiras seriam as tendências inelutáveis, exceto no período 1914-1979, quando a desigualdade declinou na maioria dos países.

Eles veem isso principalmente como o resultado de uma série de fatores contingentes: duas Guerras Mundiais, a Grande Depressão, a inflação do pós-guerra, o socialismo, os controles de preços ou aluguéis. Contrapuseram temporariamente à condição natural de crescente desigualdade no capitalismo de livre-mercado.

Segundo esse fundamentalismo pessimista, “o forte sempre intimidará o fraco”, se não for contido por um dos quatro cavaleiros do Apocalipse: peste, guerra, fome e rebelião. Para Piketty, o retorno do capital (r) em juros compostos e/ou ações cotadas em bolsa de valores, normalmente, excede a taxa de crescimento (g) do restante da economia.

Outra explicação para o agravamento da desigualdade é as mudanças tecnológicas terem reduzido bastante a demanda por algumas categorias de trabalhadores (semiqualificados), substituídas por robôs ou automação. Por exemplo, GPS acabou com taxistas conhecedores da cidade e trocou-os por motoristas de Uber guiados por ele.

Os trabalhadores na “economia não qualificada” têm menor poder de barganha relativo e são menos sindicalizados em comparação àqueles substituídos. Como a política econômica não incentivou a demanda agregada de modo a alcançar o pleno emprego, o principal efeito na desigualdade se deu em serviços de baixa produtividade.

O terceiro fator explicativo da maior desigualdade é a concentração e o poder de monopólio nas grandes marcas multinacionais, destacadamente nas big techs (FAANG: Facebook, Apple, Amazon, Netflix e Google), e brasileiras (exportadoras e bancos). Tal concentração provoca um monopsônio no mercado de trabalho associado a cada qual.

Quanto mais poderoso for o empregador em relação aos empregados, a dinâmica do mercado de trabalho impede todos conseguirem os melhores empregos. Para estimar o impacto geral sobre a participação desses trabalhadores na renda é necessário considerar também suas participações nos lucros e resultados (PLR) e seus bônus anuais.

Finalmente, Goodhart e Pradhan abordam os efeitos econômicos da globalização e das mudanças demográficas sobre a desigualdade social. O aumento sem precedentes na disponibilidade de mão de obra para os empregadores, tanto em cada país, parcialmente atendida por imigrantes, quanto por terceirização no exterior, enfraqueceu muito o poder de barganha relativo do trabalho e de seus sindicatos.

Se a principal causa da fraqueza no crescimento salarial e/ou participação do trabalho na renda nacional é a globalização/demografia, como pensam Goodhart e Pradhan, então, ela mudará nas próximas décadas com a Grande Reversão Demográfica. O declínio constante nas taxas de natalidade e a extensão da expectativa de vida, embora com morbidade e demência, aumentarão o poder de barganha dos trabalhadores.

Se é principalmente uma questão tecnológica, então a desigualdade poderá continuar, quando a inteligência artificial entrar em ação. Se a concentração e o monopólio na indústria privada vai crescer ou diminuir, no futuro, será em grande parte uma questão da política pública adotada.

Os trabalhadores altamente qualificados e bem-educados prosperaram muito nas últimas três décadas, ao lado da classe capitalista, ao contrário das classes médias baixas. Os ressentidos viram seus chefes receberem pagamentos multimilionários. Por exemplo, as dez empresas com maior valor de mercado na B3 brasileira pagaram, em média, R$ 23,9 milhões a seus presidentes em 2021, incluindo remuneração fixa e variável. No caso da Petrobras, este montante foi de pouco mais de R$ 3 milhões naquele ano. Seu presidente recebe R$ 165 mil mais bônus e a diretoria um patamar pouco abaixo, mas muito acima do recebido nas demais empresas estatais. Só.

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