Estado nacionalista versus Estado social

Por Fernando Nogueira da Costa
Estão em disputa, na geoeconomia global, um modelo de Estado nacionalista e um modelo de Estado social. O primeiro é xenófobo e nativista, apoiado pelo populismo da extrema-direita, em defesa do fechamento das fronteiras nacionais para imigrantes e importações mais competitivas diante os produtos nacionais. O segundo adota uma economia aberta à globalização e aproveita-se de suas vantagens comparativas em exportações e nas dimensões do seu mercado interno.
A atual disputa, inclusive geopolítica, reflete essas duas visões concorrentes sobre o papel do Estado e da economia na Era da Globalização.
O Modelo Nacionalista e Populista de Direita caracteriza-se pelo protecionismo econômico a favor de seus produtores e pela restrição migratória, sob o argumento de proteção da soberania nacional e da identidade cultural. Rejeita o globalismo e defende um Estado forte e intervencionista, mas voltado para o favorecimento de indústrias e serviços tecnológicos nacionais dos bilionários financiadores da campanha eleitoral de seu candidato.
Tem como base a ideia de importações e imigrantes ameaçarem empregos e a cultura nacional, levando à adoção de barreiras tarifárias, subsídios e políticas anti-imigração. É impulsionado por movimentos populistas de extrema-direita, porque usam o discurso ultranacionalista de a cultura globalista levar à exploração da nação em benefício de interesses estrangeiros.
Exemplos recentes mais notáveis são os de Donald Trump (“America First” ou Make America Great Again – Torne a América Grande Novamente –, abreviado como MAGA), Brexit no Reino Unido, políticas protecionistas na Índia sob Modi, ultranacionalismo econômico na Hungria e Polônia.
Giorgia Meloni, primeira mulher premiê da história do país, fundou o partido Irmãos da Itália (Fratelli d’Italia ou FdI, na sigla em italiano) em 2012. A legenda tem suas raízes políticas no Movimento Social Italiano (MSI), ressurgido das cinzas do fascismo implantado pelo ditador Benito Mussolini. O neofascismo foi eleito.
A política da direita radical faz declarações apontadas como racistas e homofóbicas. Ela recuperou um dos lemas de Mussolini, tal como o submisso ex-presidente daqui: “Deus, Pátria e Família”. Engana trouxas…
Alice Weidel, líder da Alternativa para a Alemanha (AfD), ultranacionalista e anti-imigrante, mora na Suíça e é casada com uma mulher nascida no Sri Lanka. Foi apoiada por Elon Musk do governo Trump e bilionário manipulador de opiniões via X.
A esquerda democrática contrapõe o Modelo Socialdemocrata – e globalista – ao neofascismo. Defende um Estado social com tributação progressiva para financiamento das políticas públicas de proteção social, mas inserido na economia global, utilizando-a para expandir mercados e impulsionar a inovação tecnológica ser adaptada ao país emergente e/ou em desenvolvimento.
Apoia o comércio internacional, baseado em vantagens comparativas, e promove exportações e investimentos estrangeiros, sem recorrer ao isolacionismo econômico. O Brasil, por exemplo, seguindo as pegadas dos outros grandes países emergentes do BRIC, em especial, da China, valoriza a integração regional e cooperação multilateral. Diante as barreiras tarifárias e alfandegárias norte-americanas, tudo indica a decadência do Império Americano levará o país ao estreitamento de colaboração econômica com a nova potência mundial: a China.
De fato, a globalização, em um sistema capitalista, não coíbe por si só as desigualdades sociais. Então, o governo social-desenvolvimentista tem de corrigi-las com políticas sociais e redistributivas de renda.
Não supera a pobreza relativa, mas sim a pobreza absoluta – e a atitude mais adequada é abrir-se para os fluxos comerciais, financeiros e tecnológicos em vez de barrar o fluxo de bens, serviços e pessoas como o ultranacionalismo de direita propõe. Bons exemplos seriam o modelo socialdemocrata escandinavo e a abordagem de globalização progressista no Canadá e na Coreia do Sul.
O modelo protecionista-nacionalista, por meio da reindustrialização forçada e da proteção de setores estratégicos, talvez cresça no curto prazo, mas tenderá a criar ineficiências como inflação pelo encarecimento das importações e isolamento tecnológico no longo prazo. Em contraponto, o modelo globalista-socialdemocrata aposta na competitividade e inovação, mas, nos países ricos de capitalismo maduro, enfrenta tensões sociais internas, se não adota mecanismos para proteger os trabalhadores afetados pela concorrência internacional.
Aqui, o nativismo “não cola”, então, a extrema-direita submissa aos gurus internacionais defende a “liberdade de expressão” para atacar as instituições democráticas! Comprovadamente, não aceitou a derrota eleitoral, tramou um novo golpe ditatorial-militar, inclusive com planos de assassinatos dos vencedores da eleição e do juiz defensor da lei, e incentivou os vergonhosos “quebra-quebra” no dia da diplomação (11/12/22) do Lula e, no 8 de janeiro, na Praça dos Três Poderes!
A disputa entre esses modelos, portanto, se reflete na ascensão de novas potências econômicas (China, Índia, Brasil) e no realinhamento geopolítico, como na tensão entre EUA e China, no enfraquecimento das instituições multilaterais e na crise da globalização liberalizada. Paradoxalmente, o Império Americano, nos anos 80’s e 90’s, exigiu a abertura externa dos subdesenvolvidos. Já a nova divisão internacional do trabalho – a América consome e o resto do mundo a financia com as aplicações das reservas cambiais em Treasuries (títulos de dívida pública do Tesouro americano) – gerou um insuperável déficit no balanço de transações correntes dos Estados Unidos.
Diante esse binarismo antagônico, é equivocado dizer a tendência global ser “uma mistura desses dois modelos, variando conforme o contexto político e econômico de cada país”: o neofascismo e a socialdemocracia não combinam. A competição entre essas ideologias define alianças, políticas comerciais, cadeias produtivas e fluxos de capitais, tornando a geoeconomia um campo de disputa no século XXI.
Não há uma síntese possível entre essas duas visões, a democracia necessita superar o neofascismo. Em longo prazo, uma educação massiva de qualidade, com a qual a maioria popular obterá informações históricas sobre os danos à humanidade provocados pelos fascistas nacionalistas, será a solução definitiva. Mas, antes disso, não se deve permitir os ignorantes abusarem da liberdade democrática para atacar a própria democracia em redes de ódio!
Uma Frente Ampla Antifascista na mídia seria o ideal para contrapor os argumentos da aliança entre neofascistas e neoliberais no Brasil. Deveria falsear o discurso destes contra “a política desenvolvimentista irresponsável do lulopetismo”. Assistimos estarrecidos como houve a propagação da fake News da “tributação do Pix” sem contraponto de imediato por uma mídia progressista.
Desde a pandemia, em 2020, os preços dos alimentos acumulam alta de pouco mais de 55% diante o avanço da inflação somada no mesmo período, de 33%, segundo o IBGE. Quanto menor a renda familiar, mais ela concentra a despesa com alimentos e a família sente mais a inflação de alimentação superior à inflação média, porque a cesta de consumo das mais pobres é muito pequena.
Em 2024, houve vários fenômenos climáticos: El Niño com chuva forte no Sul e La Niña com seca em algumas regiões do país provocando quebras de safra. Os efeitos climáticos e do câmbio, puxado pela especulação, potencializaram a alta dos alimentos pela “inflação importada”, inclusive pelo encarecimento de commodities exportadas pelo país como carnes bovinas e de aves.
Apesar de ser um erro técnico responder as quebras de safras sazonais com a alta da taxa de juro recessiva mais permanente, os economistas lobistas com tribuna exclusiva, no jornalismo econômico brasileiro, acusam o aquecimento do mercado de trabalho de ser a maior causa inflacionária. Seria devido ao aumento da demanda agregada, provocado por gastos públicos sociais, o não atingimento da meta de inflação irrealista de 3% anual.
O forte lobby midiático contra o Estado social e a tributação progressiva, inclusive com o fim da isenção tributária de dividendos, corresponde ao “pacto de elites” vigente desde a implantação do tripé macroeconômico, em 1999, com uma taxa de juro real disparatada para se contrapor à especulação cambial. Soma-se à eterna pressão para obter um superávit primário, impossível de cobrir os encargos financeiros da dívida pública brasileira e eliminar o déficit nominal. Mas essa taxa de juro propicia maior enriquecimento de todos os investidores em juros compostos, no mercado financeiro, inclusive muitos clientes de menor renda…

Fernando Nogueira da Costa é professor titular do Instituto de Economia da UNICAMP. Obras (Quase) Completas em livros digitais para download gratuito em http://fernandonogueiracosta.wordpress.com/). E-mail: [email protected].