MAGA-nomics: Protecionismo como tragédia ou farsa

Donald Trump — agora mais imperador-de-si-mesmo em lugar daquele ex-presidente em campanha para reeleição — encarna em sua caricatura mais grotesca a velha fórmula do “capitalismo do cercadinho”. Com o slogan reciclado de Make America Great Again, o magnata do MAGA acredita ter o poder de realizar o impossível: inverter o fluxo histórico da globalização neoliberal, puxando o fio do tempo como quem rebobina uma fita VHS.
Seu receituário de magnata bilionário, com ego de poderoso chefão ou maioral, é uma mistura de tarifas alfandegárias com tempero ultranacionalista, slogans de soberania econômica (pouco se lixando para as soberanias nacionais de países latino-americanos) e uma dose de paranoia geopolítica. O resultado é um protecionismo à outrance, sob o rótulo de “guerra comercial contra a China”, semelhante às superadas políticas de substituição de importações latino-americanas — aquelas mesmas demonizadas pelos EUA, nos anos 1960, quando temiam o Brasil traçar uma rota autônoma de desenvolvimento fora de suas asas.
A ironia histórica é monumental: o Napoleão de Hospício da Casa Branca quer aplicar nos EUA aquilo reprimido a ferro e fogo na periferia pela própria doutrina norte-americana de “livre-mercado”. Ontem, o imperialismo sufocava experiências nacional-desenvolvimentistas; hoje, tenta imitá-las, embaladas em bandeiras estreladas e israelense dos entreguistas tupiniquins.
Mas há um detalhe incômodo capaz de transformar o delírio em farsa: o mundo de 2025 não é o de 1964. A interdependência global já não permite autarquia sem alto custo.
A hegemonia do dólar, ainda firme, é contestada por múltiplos polos na China, nos demais membros do BRICS, via moedas digitais. O próprio capital norte-americano depende de cadeias globais montadas inclusive por ele mesmo.
Ao propor tarifas como solução mágica, Trump reedita um filme no qual os EUA sempre são protagonistas — mas esquece o roteiro ter mudou e o público já não é cativo. Se antes Washington ditava ordens ao “quintal” latino-americano, hoje encontra resistência organizada: o Brasil e outros países do Sul Global já aprenderam o preço da submissão.
O “MAGA-nomics” é, assim, menos um programa de governo e mais um ato de nostalgia imperial travestido de estratégia econômica. É como se o velho tio bilionário senil quisesse brincar de Getúlio, Juscelino, e Geisel ao mesmo tempo, sem compreender não haver mais Plano de Metas ou II PND capaz de resistir à era da financeirização global e da multipolaridade.
O risco, no entanto, não é apenas a anedota. O protecionismo trumpista serve de chamariz para nova intervenção sobre soberanias nacionais periféricas — em especial a brasileira, cuja elite neoliberal por meio de governadores de direita se apressa em ajoelhar no altar do mercado americano. O projeto “América Grande de Novo” inclui, como rodapé, a nota: “E a América Latina pequena como sempre”.
Cabe, então, perguntar: queremos assistir passivamente ao delírio de um Napoleão tardio como sonho de rebobinar a História? Ou ousamos, desta vez, não repetir a farsa?
Vocês leram o Manifesto Napoleônico do MAGA?!
Compartilho abaixo a tradução livre do francês donaldiano, feita a partir dos delírios de gabinete em Mar-a-Lago.
Cidadãos,
Ergam-se para ouvir o novo Imperador da Flórida, herdeiro legítimo de Napoleão — não aquele de Austerlitz, mas o da Ilha de Elba, com bronzeado de bronzeador artificial. O MAGA não é apenas um slogan; é uma epopeia destinada a reverter o tempo histórico, abolir a gravidade econômica e restaurar a glória perdida de quando hambúrguer era barato e as TVs eram fabricadas em Detroit.
Qual é o desejo dos globalistas? Os EUA continuarem a viver de importações baratas, financiadas pelo suor superexplorado dos trabalhadores estrangeiros e pelos dólares reciclados em Treasuries nas reservas cambiais do planeta.
Mas o Imperador Napoledonald já enxergou o erro: por qual razão aceitar este arranjo quando ele pode reinventar a autossuficiência protecionista, travestida de tarifa patriótica, como a mais nova moda imperial?
“Tarifas não são impostos”, proclama Sua Excelência, “são presentes divinos da História para restaurar o prestígio da Pátria”. Assim, cada contêiner taxado é como fosse uma vitória em Waterloo, embora todos saibamos como terminou aquela batalha…
E, se o povo americano tiver de pagar mais caro por iPhones, carne ou café, deve se orgulhar de seu sacrifício! É uma inflação patriótica, capaz de purificar a alma da nação e prometer autarquia de fast-food.
Comentário crítico:
Eis a contradição napoleônica: se a máquina fiscal depende do mundo comprando títulos da dívida dos EUA, quem bancará as aventuras do Pentágono quando Pequim, em vez de financiar porta-aviões, usar seus dólares para financiar um corredor ferroviário no Quênia ou no Brasil do Atlântico ao Pacífico? Será a tarifa sobre o tênis importado suficiente para substituir os Treasuries sustentáculos do império?
Evidentemente não. A matemática resiste ao delírio. A cada tarifa arrecadada, perde-se dez vezes em custo social, em recessão induzida, em inflação de supermercado. Mas o Imperador insiste: “Não é recessão, é uma dieta forçada de grandeza!”.
O mais trágico deste “Manifesto Napoleônico” é não ameaçar apenas a lógica do comércio global, mas também a soberania de países periféricos como o Brasil. Ao proclamar sua autossuficiência, os EUA planejam reescrever as regras do jogo, impondo sanções, tarifas extraterritoriais e chantagens cambiais, sempre em nome da “liberdade” de Washington – e de seus cúmplices vendilhões da pátria.
A História, porém, não se deixa manipular tão facilmente. Ao tentar desglobalizar pela força bruta, Donald-Napoleão pode estar apenas acelerando o processo de decadência imperial. Pois, enquanto ele ergue tarifas como muralhas, o Sul Global avança: China, Índia, BRICS e aliados multiplicam alternativas financeiras, comerciais e tecnológicas.
E quando o último Treasury não for mais comprado, o que restará ao Império? A lembrança de seus hambúrgueres baratos, a nostalgia de suas guerras custeadas pelo resto do mundo e a glória fugaz de um sol ao se por sobre Mar-a-Lago.
Eis, pois, o Manifesto: o delírio de reverter a seta do tempo com tarifas, como se o imperialismo fosse uma dieta Atkins – um plano alimentar com foco na restrição de carboidratos e consumo moderado de proteínas e gorduras, visando a perda de peso – aplicada ao comércio mundial.
Gritam os traidores e vendilhões da pátria junto com a quinta-coluna: — Viva a Grandeza de O Aprendiz! Viva o MAGA! Viva o Napoleão de Hospício!
Imagem Reprodução

Fernando Nogueira da Costa é professor titular do Instituto de Economia da UNICAMP. Obras (Quase) Completas em livros digitais para download gratuito em http://fernandonogueiracosta.wordpress.com/). E-mail: [email protected].
