O fantasma da guerra lança a sua sombra

O fantasma da guerra lança a sua sombra

Por Celso Japiassu

As ameaças de Trump ao Irã, que incluem o assassínio do seu líder supremo, dando continuidade ao ataque de Israel; a continuação do genocídio em Gaza; os diversos conflitos regionais e a possibilidade de intervenção da Rússia e da China, tudo conduz ao temor de uma guerra generalizada. Primeiro no Oriente Médio, que já começou, depois sua expansão em direção à Europa e às mais diversas regiões do mundo. Nenhum país estaria a salvo da guerra e seus efeitos.

O fantasma de uma nova grande guerra lança a sua sombra. As gerações mais velhas trazem à memória a tragédia das duas guerras mundiais que por duas vezes destruíram o território da Europa e abalaram sua civilização. As autoridades dos diversos países têm emitido alertas sobre a necessidade de se prepararem para um conflito que a cada dia torna-se mais possível. Países como a Espanha e a Alemanha acusam um aumento na procura de bunkers de abrigo pela população. Os países nórdicos estão fornecendo instruções sobre como agir em caso de ataques.

Quatro países publicaram cartilhas de orientação para a população em situações de crise, incluindo cenários de ataques cibernéticos e conflitos armados. A Suécia distribuiu o panfleto “Se houver crise ou guerra” para 5,2 milhões de lares, com instruções sobre como agir em caso de guerra, desastres naturais ou ciberataques; a Finlândia publicou online novas orientações sobre “preparação para incidentes e crises”, incluindo informações sobre autodefesa em situações de conflito armado; a Noruega distribuiu mais de 2 milhões de cópias de um guia de preparação, orientando a população sobre como lidar com períodos sem eletricidade e o que fazer em caso de acidentes nucleares; a Dinamarca enviou orientações digitais para todos os adultos, detalhando como armazenar suprimentos básicos para emergências de curto prazo.

Na Alemanha, as autoridades estão elaborando um levantamento de bunkers que podem servir de abrigo de emergência para civis. O Ministério do Interior anunciou um aplicativo com uma lista de estações subterrâneas de metrô e trens, estacionamentos e prédios públicos e privados que podem servir como abrigos. O governo também começou a incentivar a população a criar abrigos na própria casa, adaptando porões e garagens.

O presidente do Serviço Federal de Informações da Alemanha alertou que a Rússia pode ter condições de atacar a Europa até o final desta década e Vladimir Putin fez declarações sugerindo a possibilidade de usar armas avançadas contra alvos na Ucrânia. Especialistas militares consideram o cenário de um ataque russo “verosímil e provável”, embora não garantido.

A OTAN intensificou apelos para que empresas europeias ajustem suas produções de modo a reduzir a dependência de países como Rússia e China.

Motivos

A tensão que hoje cresce na Europa, que se vê no limiar de uma guerra generalizada, tem uma das suas origens na reação da Rússia à expansão da OTAN até suas fronteiras. A possível adesão da Ucrânia à aliança liderada pelos EUA foi o motivo da invasão, segundo as autoridades russas. Além disso, a Rússia tenta restabelecer sua antiga zona de influência. Entre outros fatores, o conflito tem ainda a crise que escalou desde 2014, com a anexação da Crimeia pela Rússia e a ação de grupos separatistas em Donbass. Há temor de que a Rússia, num próximo passo, possa expandir suas ações para outros países vizinhos, especialmente os Estados Bálticos.

Vladimir Putin assinou um decreto em novembro de 2024 que altera a doutrina nuclear russa, flexibilizando as condições para o uso de armas nucleares ao mesmo tempo em que fez ameaças diretas contra países que fornecem armas de longo alcance à Ucrânia. A nova doutrina permite o uso de armas nucleares em resposta a ataques convencionais apoiados por potências nucleares, mesmo que não envolvam diretamente armas nucleares. Esta mudança é vista como uma resposta direta ao crescente apoio ocidental à Ucrânia, especialmente após a decisão dos EUA de permitir o uso de mísseis de longo alcance pelas forças ucranianas.

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O porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, afirmou que a Rússia ainda considera o uso de armas nucleares como uma “medida extrema”, mas a atualização da doutrina era necessária para refletir a situação política atual.

Comentaristas independentes consideram que uma corrida armamentista nuclear entre Rússia e Estados Unidos teria consequências potencialmente catastróficas para a segurança global e a estabilidade internacional. A volta de Donald Trump à presidência dos EUA traz à Europa preocupações quanto ao enfraquecimento da OTAN pois os EUA podem reduzir seu compromisso com a defesa do continente.

A tensão no Oriente Médio, com Israel em seu protagonismo belicista, é outro dos fatores preocupantes que podem levar ao desastre.

Crise

Uma nova corrida armamentista acarretaria custos muito grandes e desviaria recursos de áreas como saúde, educação e desenvolvimento econômico e o aumento das tensões internacionais afeta negativamente o comércio global e a cooperação entre nações.

A escalada de tensões entre potências nucleares leva a uma nova guerra fria e impede a cooperação internacional. Países não diretamente envolvidos seriam forçados a tomar partido, polarizando ainda mais o cenário internacional. O primeiro-ministro polonês, Donald Tusk, disse que “a ameaça é séria e se trata de um conflito global. Todos nós sabemos, sentimos que o desconhecido está se aproximando. Nenhum de nós sabe o fim deste conflito, mas sabemos que ele está assumindo dimensões muito dramáticas no momento”, afirmou.

A OTAN mantém um arsenal de armas nucleares táticas “estacionadas” em 6 países europeus, prontas para serem ativadas em caso de conflito. Há pouco realizou exercícios de dissuasão nuclear denominados “Steadfast Noon” e conduziu na Polônia seu maior exercício militar desde a Guerra Fria, envolvendo 21.000 militares, para demonstrar preparação diante de qualquer tipo de ataque.  O exercício envolveu um total de 13 países aliados, com a participação de mais de 60 aeronaves e 2.000 militares de 8 bases aéreas diferentes.

O exercício incluiu caças F-35A, primeiro avião de 5ª geração com capacidade nuclear, bombardeiros, aviões de reabastecimento e aeronaves de reconhecimento e guerra eletrônica.

A OTAN convocou empresas na Europa a se prepararem para um cenário de guerra e a ajustarem suas linhas de produção e distribuição. “Se pudermos garantir que todos os serviços e bens cruciais possam ser entregues, não importa o que aconteça, isso será uma parte fundamental da nossa dissuasão”, disse o líder do comitê militar da Otan, o almirante holandês Rob Bauer, segundo a agência Reuters. Em linguagem militar ou diplomática, essas palavras significam guerra.

Na imagem, protesto em Los Angeles em 21 de junho contra intervenção dos EUA no conflito Irã x Israel. Horas depois, EUA lançaram ataque / Reprodução

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