O mundo que perdeu a delicadeza

O mundo que perdeu a delicadeza

A autoproclamada maior democracia do mundo tem um campo de concentração para imigrantes num centro de torturas em Guantánamo. Os conflitos violentos espalham-se pelos continentes. A desumanidade avança e existem 140 milhões de refugiados em busca de asilo, apátridas e expulsos pela força. A extrema direita política avança em quase todos os países com a sua violência triunfante.

O mundo perdeu a delicadeza e tornou-se mais sombrio e perigoso. Foi num momento assim que Stefan Zweig, um intelectual europeu amadurecido nos valores do Século 19, asilado em Petrópolis, desesperado e descrente, convidou a mulher e ambos se suicidaram. O nazismo alemão avançava em quase todos os países com a sua violência triunfante.

Os conflitos

Em 2025, os conflitos armados e as tensões geopolíticas continuam a ser uma realidade na vastidão do mundo. São provocados por disputas ideológicas, territoriais, diferenças étnicas e religiosas, controle de recursos naturais e rivalidades geopolíticas.

No Oriente Médio, o conflito entre Israel e Gaza resultou numa catástrofe humanitária e mais de 45 mil mortes são contabilizadas na Faixa de Gaza, onde o presidente estadunidense pretende erguer um resort de lazer para milionários. A Síria enfrenta uma nova fase de instabilidade depois da queda de Bashar al-Assad em 2024, com tensões crescentes entre diferentes facções. Um estopim aceso como foi o Iraque depois da invasão estadunidense. Como foi a Líbia depois da invasão da OTAN em 2011.

Na Ásia, as tensões geopolíticas persistem, principalmente devido à disputa pela primazia regional entre China e Estados Unidos. Os pontos de discórdia incluem o Mar da China Meridional, Taiwan e a Península da Coreia.

A guerra na Ucrânia, com mais de 700 mil mortos até agora, iniciada com a invasão russa em 2022, permanece como uma fonte de instabilidade na Europa. O conflito ameaça expandir-se para um confronto mais amplo, com implicações para a segurança de todo o continente.

A África enfrenta conflitos em várias das suas regiões, muitos dos quais com raízes em legados coloniais e lutas por liberdade e democracia.

As causas

Para 2025, o Fórum Econômico Mundial identificou os conflitos armados como o principal risco para o mundo, com destaque para a crescente fragmentação global. Diferenças étnicas e religiosas, controle de recursos naturais, rivalidades geopolíticas, legados coloniais, movimentos separatistas, além do terrorismo e do extremismo político são as causas principais.

Muitos conflitos surgem de reivindicações territoriais entre países ou grupos étnicos, como é o caso na disputa entre Índia e Paquistão pela região da Caxemira.

A tensão entre grupos étnicos ou religiosos diferentes leva a violentos confrontos, como entre sunitas e xiitas em vários países do Oriente Médio. Os movimentos separatistas, como o dos bascos na Espanha e França ou dos curdos no Oriente Médio, são fontes permanentes de conflitos em várias regiões. A disputa por recursos como petróleo, água e minerais é uma constante causa de confronto violento entre nações ou grupos no interior dos países.

Governos instáveis e ditaduras enfrentam conflitos internos, como é o caso de várias nações africanas, onde as guerras civis quase sempre têm raízes nas divisões artificiais criadas durante a ocupação colonial pelos países europeus.

Ações terroristas como o ataque de 11 de setembro de 2001 nos Estados Unidos são fonte de conflitos globais. A tensão entre grandes potências, como Estados Unidos, China e Rússia, alimenta conflitos regionais e provoca novas zonas de crise.

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Os efeitos das alterações climáticas começam a ser considerados como um fator a intensificar os conflitos. E há a disputa pelo controle de recursos naturais. São contradições que se sobrepõem e interagem, criando situações que preparam o terreno para novos conflitos.

A tomada de Damasco pelos grupos sírios de oposição em dezembro de 2024 tem implicações profundas e de longo alcance para a Síria e toda a região. A queda de Bashar al-Assad, que estava no poder há 24 anos, marca o fim de uma era na política síria. O belo país sírio entra em um período com disputas de poder entre as facções que se uniram para derrubar Assad. O grupo Hayat Tahrir al-Sham (HTS), uma organização tida na região como terrorista, lidera as forças que tomaram Damasco.

A queda de Assad altera o equilíbrio de poder no Oriente Médio e enfraquece a Rússia, Irã e o Hezbollah. Os rebeldes prometem uma “Síria livre e independente para todos os sírios de todas as seitas”, mas poucos acreditam nessa promessa.

A África

O continente africano sofre com diversos e violentos conflitos que causam instabilidade e crises humanitárias.

A República Democrática do Congo (RDC) enfrenta uma escalada de violência. O grupo M23 tomou o controle de Goma, uma das maiores cidades do país, e o conflito já causou centenas de mortes, milhares de feridos e deslocamentos em massa. O Sudão sofre com uma guerra civil desde abril de 2023 entre as Forças Armadas Sudanesas (FAS) e as chamadas Forças de Apoio Rápido (FAR). Mali, Chade, Burkina Faso e Guiné sofreram golpes de Estado.

Separatismo

Os movimentos separatistas buscam independência e autonomia. Na Catalunha, o movimento separatista catalão persiste em sua busca pela independência da Espanha. São questões culturais, linguísticas e econômicas mal resolvidas. Embora tenha perdido força nos últimos anos, ainda mobiliza dezenas de milhares de pessoas em manifestações anuais.

Na Escócia, o movimento pela independência continua ativo, especialmente após o Brexit, que renovou o interesse pela separação do Reino Unido. E ainda na Espanha o nacionalismo basco persiste, embora com uma militância menos violenta comparado ao passado. A ilha de Córsega mantém um movimento que busca maior autonomia ou independência da França.

E assim se apresenta o estilhaçado mundo do nosso tempo, no qual avançam crenças religiosas de teor medieval, ideologias confusas e lutas de poder violentas, cegas e impiedosas.

*Imagem em destaque: Justin Norman/Flickr

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