O transporte urbano em crise aflige as cidades do Brasil

O transporte urbano em crise aflige as cidades do Brasil

Os transportes públicos do Rio de Janeiro, incluindo os que operam entre a capital e as cidades vizinhas, perderam mais de 40% dos seus passageiros nos últimos 10 anos, segundo dados do governo.

POR MARIO OSAVA

RIO DE JANEIRO – A brasileira Josefa Gomes acorda às 5h da manhã, prepara-se e caminha cerca de 15 minutos para apanhar o ônibus que demora quase três horas para chegar ao trabalho. No regresso, demora pelo menos mais meia hora, porque as estradas estão mais congestionadas.

Ela é uma das milhões de vítimas da crise do transporte urbano no Brasil, mais explosiva nas regiões metropolitanas e nos últimos 12 anos. O Rio de Janeiro, com 6,2 milhões de habitantes e outros 6,7 milhões nos 20 municípios vizinhos, é um exemplo disso.

Gomes lamenta ter-se mudado de uma favela (bairro superlotado) perto do centro do Rio de Janeiro para a cidade de São Gonçalo, a cerca de 30 quilômetros de distância. Assim fez para fugir da umidade que agravava a bronquite alérgica do seu filho de quatro anos e para viver em uma casa espaçosa, com quintal e vegetação.

“Quando me mudei, em 2004, os transportes eram melhores, havia mais ônibus e menos congestionamento”, disse à IPS a empregada doméstica, que trabalha três dias por semana em duas casas no centro do Rio de Janeiro.

Suas viagens costumam se estender por uma ou duas horas a mais quando há acidentes ou obras na ponte de 13 quilômetros que cruza a baía que separa as duas cidades, ou nas avenidas que fazem parte de seu trajeto.

“A perda de passageiros gera uma situação financeira precária, impossibilita os investimentos, a frota não é renovada, a qualidade do serviço deteriora-se e isso afasta os passageiros num círculo vicioso”: Eunice Horacio.

A deterioração sofrida nos seus deslocamentos reflete-se nas estatísticas. Os transportes públicos do Rio de Janeiro, incluindo os que operam entre a capital e as cidades vizinhas, perderam mais de 40% dos seus passageiros nos últimos 10 anos, segundo dados do governo.

“Em 2015, tínhamos 1.098 milhões de passageiros, em 2024 apenas 672 milhões”, disse Paulo Valente, diretor de comunicação do Sindicato das Empresas de Ônibus do Rio de Janeiro (Rio Ómnibus).

Protesto em 2020 em São Paulo contra o aumento das tarifas dos ônibus urbanos. Este tipo de manifestações tornou-se frequente desde 2013, quando violentas ações de massas começaram em São Paulo e se espalharam por todo o Brasil. Desde então, as autoridades temem aumentar as tarifas dos transportes urbanos. Imagem: Fotos Públicas.

Deterioração gradual

A crise começou mais cedo. Em 2013, protestos massivos e violentos, iniciados em São Paulo devido ao aumento das tarifas de ônibus, abalaram o país. Mas numa cidade turística como o Rio de Janeiro, a euforia da Copa do Mundo de 2014 e dos Jogos Olímpicos de 2016 atenuou os efeitos iniciais.

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É por isso que Valente aponta 2016 como o início da quebra, desencadeada pela recessão econômica nacional que reduziu o produto interno bruto em 3,5% em 2015 e 3,3% em 2016, pela proliferação de aplicações de mobilidade como a Uber e os micro-ônibus ilegais, bem como pelas compras e serviços online.

A pandemia de Covid-19, que começou em março de 2020, foi quase um golpe de misericórdia, fechando as pessoas em casa, espalhando o trabalho virtual e acentuando o uso dos meios digitais para tudo, em detrimento das viagens pessoais.

Os novos hábitos impediram o regresso dos passageiros, a economia em 2022 voltou aos níveis de 2019, mas não os transportes públicos, que perderam cerca de 25 por cento dos seus utilizadores pré-pandemia, contou Valente à IPS.

O ano de 2020 foi dramático, muitas empresas fecharam, sobretudo as intermunicipais, cujo funcionamento foi proibido durante a pandemia, tornando a viabilidade econômica da atividade incerta e criando uma necessidade absoluta de mudança.

Um ônibus incendiado no Rio de Janeiro. A queima dessas unidades de transporte público é comum em protestos populares por reivindicações diversas ou pelo crime organizado como forma de conter ou distrair a polícia. Imagem: Tomaz Silva/ Agência Brasil.

Modelo de remuneração condenado

O principal motivo é que as empresas são remuneradas pelas tarifas cobradas dos passageiros.

“A perda de passageiros gera uma situação financeira precária, inviabiliza investimentos, a frota não é renovada, a qualidade do serviço se deteriora e isso afasta os passageiros num círculo vicioso”, definiu Eunice Horácio, gerente de mobilidade urbana da Federação das Empresas de Mobilidade do Estado do Rio de Janeiro (Semove).

O subsídio se tornou necessário para que as empresas melhorassem os seus serviços, a única forma de atrair usuários, e não fizessem o que cada vez mais empresas estão fazendo, que é eliminar as rotas menos rentáveis, em detrimento da população, disse à IPS.


FOTO DE CAPA: Os motoristas de ônibus estacionam e paralisam o seu serviço no terminal de São Paulo, durante uma mobilização por melhores condições de trabalho na megalópole do sul do Brasil. Imagem: Paulo Pinto / Fotos Públicas.

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