Populismo Democrático contra Populismo Autoritário

Thomás Zicman de Barros e Miguel Lago lançaram o oportuno livro “Do que falamos quando falamos de populismo” (São Paulo: Companhia das Letras; 2022), para esclarecimento dos eleitores, à véspera de uma decisão crucial: não reeleger o atual governo para evitar anunciados retrocessos autoritários na Constituição de 1988.


(Foto: Twitter de Thomás Zicman)

Thomás Zicman de Barros e Miguel Lago lançaram o oportuno livro “Do que falamos quando falamos de populismo” (São Paulo: Companhia das Letras; 2022), para esclarecimento dos eleitores, à véspera de uma decisão crucial: não reeleger o atual governo para evitar anunciados retrocessos autoritários na Constituição de 1988. Analisam o perverso efeito nem-nem da hipótese da Terceira Via frente à polarização política: “nem Bolsonaro, nem Lula – e livre do populismo.”


Essa ideia, rejeitada pela maioria do eleitorado, iguala por baixo ambos os candidatos como fossem extremistas, um de esquerda, outro de direita. Basta analisar os fatos históricos – e não a pregação diária de mentiras em templos, redes de ódio e contrapropaganda do miliciano – para ficar evidente isso ser um grande erro político. Infelizmente, foi propagado por muito tempo pela mídia “em cima do muro” como fosse uma aritmética política simplória: frente a dois polos é melhor a média intermediária


Aproveitou-se disso a mídia desesperada em busca de audiência no nicho de mercado à direita: a “evangélica” (sic) Record, a demagoga SBT, a reacionária Jovem Klan etc. O bombardeio contínuo de deformações de opinião satisfaz os emergentes em busca de auto validação de seu individualismo neoliberal, tipo “eu me basto sem o Estado”.


Essa contra elite é formada, em geral, por sonegadores como donos de megastores, redes de restaurantes e academias de ginástica, quando não fazendeiros (e não empreendedores do agribusiness) ou donos dos templos em defesa da isenção fiscal para a exploração dos dízimos pagos por crentes. Isto sem falar na rede militar-miliciana.


Muitos músculos, poucos cérebros… A postura “me engana que eu gosto” não é apreciada pela elite socioeconômica culta brasileira: pode-se ser rico sem ser burro! Aqueles cafonas e grosseiros fazem-na passar vergonha com a imagem externa do país!


O reducionismo mental dos defensores sem votos da chamada Terceira Via engana os eleitores ao condenar ambos os candidatos do segundo turno como fossem os dois representantes de um único populismo. Como mostram Zicman de Barros e Lago, seguindo a linha analítica aberta inicialmente pelo argentino Ernesto Laclau, considerado o autor clássico do populismo, a acusação de “populista” passou a ser um recurso retórico ofensivo para rebaixar os adversários.


Para Laclau, o populismo não é nem positivo, nem negativo. Ele é, acima de tudo, uma lógica política para articulação de diversas demandas insatisfeitas na sociedade.


Nesse sentido, o populismo se distingue da lógica institucional na qual as demandas presentes na sociedade não se articulam. Ao contrário, são apenas administrativamente endereçadas, uma a uma, não se transformando em ações coletivas, isto é, política.


O discurso antipopulista afirma: “tudo de ruim é populismo”.  Este aparece como sinônimo de demagogia, manipulação, cinismo, irracionalidade, autoritarismo, radicalismo, extremismo, personalismo, negacionismo científico, pós-verdade, conspiracionismo, irresponsabilidade fiscal, estatismo, clientelismo, corrupção, grosseria, agressividade, intolerância, selvageria, pânico moral, simplismo — e às vezes tudo isso ao mesmo tempo…


A direita “ispierrta” antes, na fase do golpismo contra a Dilma, usava e abusava do termo “lulopetismo”. Em defesa da Terceira Via, conjugou “bolsopetismo” como fosse uma coisa só. Muitos incultos, inapelavelmente, tiveram suas mentes dominadas.


O ódio visceral encarnado por um ser desumano como capitão reformado defensor da ditadura, tortura e genocídio, o tornou o mais convincente antipetista para uma massa de gente dominada por lideranças neofascistas. Diante disso, os tucanos insistentes na promoção de um candidato do “centro”, para evitar os dois “populistas” extremistas, desapareceram do “mapa político”, mas deixaram o legado do antipetismo.


A falácia por associação entre petismo e bolsonarismo, como fossem duas formas semelhantes de “populismo,” é argumentado até enjoar, buscando o convencimento pela insistente repetição. Da mesma forma, a pecha de “corrupção” é só atribuída ao PT, em vez de identificar precisamente os corruptos membros do Centrão na coalizão partidária do segundo mandato de Lula.


Na verdade, nomeados pelo PP e PMDB, no esquema “porteira-fechada”, foram os protagonistas da corrupção na Petrobras, assim como o direitista PTB foi filmado em ato de corrupção nos Correios. Para se salvar, em “abraço de afogados”, o presidente do PTB denunciou a prática da aliança com “legendas de aluguel” como “mensalão”.

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A passagem do Partido dos Trabalhadores pela administração federal foi marcada pelo respeito às instituições da democracia liberal. Ao contrário, o líder do regime militar, novamente instalado no Governo Central brasileiro, a partir de 2019, incitou sua militância contra parlamentares e juízes, foi leniente, senão conivente, com a propagação do coronavírus e morte de quase 700 mil pessoas, e adotou política externa ideológica — nada sequer remotamente próximo ao feito de positivo pelo PT.


A normalização do reacionário como candidato banaliza suas ideias e move o espectro político na direção de uma reação sistemática ao avanço civilizatório. Votar nesse candidato direitista favorecerá o retorno ao estado autoritário anterior da sociedade brasileira, vigente na ditadura militar (1964-1984). Significará restaurar um status quo do passado, antes imaginado ter sido superado de vez ao ser jogado no lixo da história.


Falas do candidato da direita fazem apologia de golpes de Estado. Antes de 2015, eram inaceitáveis e se reproduziam apenas nas sombras. Hoje, são veiculadas e debatidas de forma aberta e corriqueira, como essa pregação antidemocrática fosse uma alternativa banal.


O discurso antipopulista, antes, teve uma motivação hostil à inclusão social de pessoas subalternizadas. Foi a meta realizada pelas políticas sociais ativas, praticadas durantes os governos de Lula e Dilma.


Segundo Zicman de Barros e Lago, todo discurso político-eleitoral é populista, a diferença entre eles é o grau de populismo. Populismo significa a pretensão de falar “em nome do povo”, mesmo quando o orador se dirija apenas à sua base política minoritária.


Em uma interpretação próxima tanto de Ernesto Laclau quanto das abordagens do populismo como uma performance política — como uma teatralidade, mas sem o caráter negativo relacionado a noções como falsidade ou demagogia —, a definição adotada no livro deles leva em conta três traços do populismo:


(1) o populismo envolve um discurso opondo o “povo” às “elites”, os “de baixo” contra os “de cima”;


(2) o populismo é esteticamente transgressivo, irreverente, culturalmente “popular”; e


(3) populismo é uma força capaz de transformar instituições.


Sob o rótulo de populismo, o pensamento político tem caracterizado manifestações onde o povo estabelece conexão direta com uma liderança, desestabilizando a democracia representativa. “O povo”, no discurso populista, é considerado, irrealisticamente, como um agregado social homogêneo e visto como exclusivo depositário de valores positivos, específicos e permanentes.


Para o líder populista de direita, a virtude residiria só no “povo autêntico”, de maneira pressuposta, aquele da maioria relativa de votos válidos em uma eleição circunstancial. Apela-se para suas tradições coletivas, interpretadas, de maneira subjetiva, pelos valores conservadores do líder messiânico: um falso e oportunista evangelismo.


O populismo abstrai as classes e os Ethos das castas de origem ocupacional. Para o falante em época eleitoral para os párias, a divisão é entre o povo e o “não-povo”. Este é representado, ao gosto do líder populista de direita, por uma elite intelectual cosmopolita ou por uma elite plutocrática. Usa a luta de classes, mas abstrai as classes!


O manipulador de crenças dá preeminência à fé sobre a razão em suas premissas. Ele se torna messiânico em seus modos de ação,
defendendo uma suposta pureza popular dos crentes em busca de proteção religiosa à custa de submissão política a sabidos-pastores.


Em sua estratégia, o confronto entre “povo” e “elite” visa manipular a “ralé”, composta por párias, e criar um “bode expiatório”: Lula. Este, ao contrário, pretende politizar setores subalternizados, levando-os a reivindicar seu lugar na democracia liberal.


A estética do populismo de direita é mero verniz para sustentar políticas excludentes. As políticas sociais inclusivas do populismo de esquerda têm como consequência a entrada dos setores subalternizados em espaços públicos aos quais antes não pertenciam. A mobilidade social implica em conquistas de direitos da cidadania para todos os brasileiros sem exclusão e/ou perseguição política.


Nesse sentido, concluem Zicman de Barros e Lago, ambos candidatos podem ser classificados como populistas. Porém, enquanto o populismo bolsonarista representa um risco para a democracia liberal, o lulismo leva a um populismo inclusivo, com poder de a fortalecer.

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