Quando os heróis se tornam algozes

Quando os heróis se tornam algozes

A história parece zombar de si mesma. Ontem, mostrou a resistência à barbárie, hoje, se transfigura em máquina de violência e guerra comercial. Os Estados Unidos antes simbolizaram a luta pela liberdade, agora passam a se comportar como seus algozes.

Heróis de outrora encarnam a opressão atual. E o mundo assiste, entre a perplexidade e a anestesia, à mais cruel das ironias históricas: da guerra militar à guerra comercial, do Império bélico ao Império econômico-tecnológico decadente.

Na Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos se apresentaram como o bastião da democracia liberal contra o fascismo. Derrotaram o Eixo, abriram os portões de Auschwitz, promoveram o Plano Marshall, ajudaram a fundar a ONU. Os judeus, por sua vez, foram o povo mártir — perseguidos, deportados, exterminados em câmaras de gás, reduzidos a cinza e silêncio.

Oitenta anos depois da queda do Terceiro Reich, os papéis históricos se reviram de forma inquietante. Os EUA, sob a bandeira do neofascismo republicano, voltam a ameaçar o mundo, agora não com tanques, mas com tarifas, sanções e chantagens econômicas. Israel, por sua vez, converteu-se em potência colonizadora armada, cercando a Faixa de Gaza com bloqueios, drones e fome. Puni, coletivamente, 2 milhões de palestinos, dos quais quase metade são crianças em pele e ossos.

Trump e Netanyahu tornaram-se a dupla simbólica de um novo eixo da exclusão. Um empareda imigrantes latinos, persegue estudantes, fecha universidades e transforma o dólar em arma geopolítica. O outro transforma Gaza em um campo de concentração a céu aberto, onde não entra comida, nem energia, nem esperança.

A forma mudou, mas a lógica é a mesma: desumanizar o outro, justificar o inominável, matar em nome da segurança. É difícil não ver nessa história farsesca a repetição dos traços do velho fascismo: culto à força, supremacismo étnico, militarismo messiânico, demonização de minorias, censura cultural, perseguição à ciência e à crítica.

“O judeu comunista”, alvo de Goebbels, tornou-se, para a extrema-direita global, “o imigrante terrorista”, “o palestino infiltrado”, “o professor esquerdista”. Deseja exterminar todos!

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O mais dramático é essa inversão não ser apenas simbólica. Ela é política, concreta, letal. O Império antes se dizia o guardião do “mundo livre”, agora faz guerra contra o multilateralismo e pune qualquer tentativa de autonomia monetária do Sul Global, como mostra o recente tarifaço de Trump contra o Brasil por sua aproximação com os BRICS.

O Estado nascido como promessa de um lar para os sobreviventes do Holocausto agora transforma território palestino em cercamento letal, punição e apagamento.

Nada disso é inevitável. Nem os EUA são apenas Trump, nem Israel se reduz à extrema-direita sionista. Mas está em questionamento hoje, para todos nós avessos ao neofascismo, é a destruição da memória como consciência crítica.

Quando os sobreviventes do fascismo — ou seus herdeiros — começam a praticar seus métodos, a história morre não pela repetição, mas pela farsa moral!

Precisamos lembrar, a história dos oprimidos não é uma linha reta de progresso, mas sim um campo de escombros sobre os quais marcham os vencedores, sejam militares, sejam negociantes. O fascismo não é apenas um erro do passado — é uma ameaça permanente do presente.

A luta contra ele começa pela coragem de dizer o óbvio: quando os heróis de ontem se tornam algozes, a memória vira resistência. E a crítica – e criminalização da extrema-direita neofascista – é um dever político e moral.

Sem anistia!

Quem ameaçou o Estado de Direito no país, com planos de assassinatos e quebra-quebra, em noite de incêndios em Brasília e nas sedes dos Três Poderes, clamou para os militares assumirem uma nova ditadura. São criminosos e devem ser punidos!

Imagem de Roberto Parizotti/CUT

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