Um acordo e seus desacordos
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O Brasil e seus parceiros no Mercosul poderão beber champagne e outros vinhos que hoje são muito caros por um preço melhor e pagar bem menos por carros elétricos. Os países da União Europeia, em contrapartida, vão pagar mais barato pela carne, café e frutas tropicais. Enquanto isso, a França procura obter o apoio de outros países para torpedear o acordo entre a União Europeia (UE) e o Mercosul, que foi finalmente anunciado em 6 de dezembro de 2024, após 25 anos de negociações.
É um acordo que foi chamado histórico por criar uma zona de comércio livre que abrange 780 milhões de pessoas e representa a maior parceria comercial e de investimento já vista no mundo. O texto assinado prevê uma ampla eliminação de barreiras tarifárias em produtos da indústria e da agricultura.
A UE vai liberar 95% dos bens e 92% do valor das importações brasileiras e, em troca, o Mercosul libera 91% dos bens e 85% do valor das importações provenientes da União Europeia. Foram negociadas condições especiais para o setor automotivo, com redução de tarifas para veículos eletrificados e movidos a hidrogênio. No setor agrícola, 81,8% do que a UE importa do Mercosul terá tarifa zero em 10 anos.
O governo brasileiro estima que o acordo vai aumentar o comércio entre Brasil e UE em R$ 94,2 bilhões (5,1% do comércio atual), com o impacto de R$ 37 bilhões sobre o PIB brasileiro (0,34% da economia), além do aumento de R$ 13 bilhões em investimentos no Brasil (crescimento de 0,76%), redução de 0,56% nos preços ao consumidor e aumento de 0,42% nos salários reais.
Apesar do anúncio, o acordo tem ainda algumas etapas para sua implementação. O texto precisa passar por revisão legal e tradução para as línguas oficiais da UE e do Mercosul. A aprovação final depende dos parlamentos de todos os países envolvidos. A França, principal opositora do acordo, tenta articular com outras nações para barrar sua aprovação.
Bloqueio
A França planeja impedir a aprovação mobilizando uma minoria de bloqueio reunindo o apoio da Itália, Áustria, Polônia e Países Baixos. Para bloquear a aprovação, seria necessário o apoio de pelo menos quatro dos 27 países da UE, representando mais de 35% da população do bloco.
A ministra interina do Comércio Exterior da França, Sophie Primas, afirmou que seu país lutará contra o acordo em cada passo do caminho, ao lado de outros Estados-membros que compartilham a mesma posição. Caso o acordo seja aprovado como “misto”, o parlamento francês poderia não o aprovar internamente e assim impedir sua completa implementação. Os protestos dos agricultores franceses estão sendo aproveitados para fortalecer essa posição.
Apesar desses esforços, o governo brasileiro avalia que a França, mesmo se opondo, não terá como impedir completamente as negociações, em face do apoio de outros países importantes como Alemanha e Espanha.
As queixas
As principais críticas dos agricultores europeus ao acordo UE-Mercosul são o que consideram como concorrência desleal, pois os produtores do Mercosul não estão sujeitos às mesmas normas ambientais, sociais e sanitárias rigorosas impostas na UE. Há preocupação de que os produtos agrícolas do Mercosul entrarão no mercado europeu a preços mais baixos e reduzindo a competitividade dos produtores locais.
Os agricultores europeus, pelas suas entidades de representação, exigem “cláusulas espelho”, garantindo que as mesmas regras impostas aos agricultores da Europa sejam aplicadas aos produtores do Mercosul.
O acordo vai impactar o mercado de alimentos da UE com o aumento da oferta de produtos agrícolas sul-americanos, como frutas tropicais, com a redução a zero da maioria das tarifas, podendo levar a um aumento de 40-50% nas importações. O café solúvel terá tarifas eliminadas e haverá cotas com tarifas reduzidas para carne bovina (de 43% para 7,5%) e suína (25 mil toneladas). Para aves, abertura de cota com tarifa zero.
Por outro lado, haverá proteção de produtos europeus, com mais de 350 produtos alimentares e bebidas da UE protegidos por indicações geográficas. Serão mantidas as normas sanitárias e alimentares europeias, que deverão ser rigorosamente respeitadas pelos exportadores do Mercosul.
Haverá abertura de cotas para queijos (30.000 toneladas) e leite em pó (10.000 toneladas) do Mercosul, podendo afetar produtores europeus.
O acordo promete trazer maior diversidade de produtos e potencialmente melhores preços para os consumidores da UE, ao mesmo tempo em que apresenta problemas para os setores agrícolas.
Proteção
O texto assinado protege os produtos alimentícios e bebidas da UE registrados como indicações geográficas contra imitações nos países do Mercosul, o que permitirá aos produtores europeus fortalecer suas posições de mercado e vender por preços premium. A palavra “conhaque”, por exemplo, que designa no Brasil alguns produtos de baixa qualidade, será prerrogativa da região francesa de “Cognac”. Queijos e vinhos terão acesso facilitado ao mercado do Mercosul, com redução de tarifas de até 27%, como também azeite, frutas e vegetais processados, chocolate e confeitaria.
Os produtores europeus de alimentos e bebidas poderão expandir sua presença no mercado do Mercosul, aproveitando a proteção de suas marcas e a redução de barreiras comerciais. Em contrapartida, alguns setores alimentares europeus vão enfrentar desafios com a entrada de produtos mais baratos do Mercosul, como é o caso da carne bovina. O acordo prevê cotas adicionais com tarifas reduzidas para carne bovina do Mercosul. Uma cota com tarifa zero será aberta para aves do Mercosul, afetando produtores europeus, e uma cota de 25 mil toneladas será aberta para carne suína do Mercosul, o que prejudica os interesses dos produtores europeus.
Sofrerão também com a concorrência dos produtos do Mercosul o setor açucareiro e os produtores de etanol, de arroz e de mel, este último com uma cota de 45.000 toneladas com isenção de tarifas.
Embora o acordo ofereça oportunidades para muitos setores alimentares da Europa, esses segmentos específicos podem enfrentar maior concorrência e pressão de preços com a entrada de produtos mais baratos do Mercosul.
*Imagem em destaque: Ricardo Stuckert
![Celso Japiassu](https://forum-21.builderallwppro.com/wp-content/uploads/2023/03/unnamed.jpg)
Poeta, articulista, jornalista e publicitário. Traballhou no Diário de Minas como repórter, na Última Hora como chefe de reportagem e no Correio de Minas como Chefe de Redação antes de se transferir para a publicidade, área em que se dedicou ao planejamento e criação de campanhas publicitárias. Colaborou com artigos em Carta Maior e atualmente em Fórum 21. Mora hoje no Porto, Portugal.
É autor de Poente (Editora Glaciar, Lisboa, 2022), Dezessete Poemas Noturnos (Alhambra, 1992), O Último Número (Alhambra, 1986), O Itinerário dos Emigrantes (Massao Ohno, 1980), A Região dos Mitos (Folhetim, 1975), A Legião dos Suicidas (Artenova, 1972), Processo Penal (Artenova, 1969) e Texto e a Palha (Edições MP, 1965).