Mercado de carbono: Um remédio capitalista para a crise climática ou um passaporte para poluir?

Mercado de carbono: Um remédio capitalista para a crise climática ou um passaporte para poluir?

Por Adilson Vieira*

A regulamentação do mercado de carbono aprovada pela Câmara dos Deputados, embora celebrada por alguns como um avanço nas políticas ambientais do Brasil, carrega contradições que precisam ser analisadas com mais profundidade. Transformar o direito de emitir gases de efeito estufa em uma mercadoria negociável pode beneficiar grandes corporações e economias desenvolvidas, mas não necessariamente resolve as causas estruturais da crise climática.

O mercado de carbono cria uma lógica em que empresas podem continuar emitindo poluentes desde que comprem créditos, o que, na prática, funciona como uma autorização para poluir. Esse mecanismo reflete um modelo econômico que prioriza a busca pelo lucro em detrimento da justiça climática e social. Em vez de promover mudanças significativas nos padrões de produção e consumo, permite que as emissões sejam deslocadas ou compensadas, sem necessariamente diminuí-las globalmente.

Além disso, experiências internacionais mostram que esses sistemas muitas vezes falham em alcançar reduções reais nas emissões de gases de efeito estufa. Ao invés de confrontar as estruturas econômicas que perpetuam o aquecimento global, acabam criando mercados financeiros que beneficiam os mesmos atores responsáveis pela degradação ambiental. Isso perpetua desigualdades, já que comunidades vulneráveis tendem a arcar com os custos ambientais e sociais dessas políticas.

O projeto, ao se basear em mecanismos de mercado, ignora a necessidade de mudanças mais profundas nas relações entre sociedade, economia e natureza. A crise ambiental não é um problema isolado que pode ser resolvido apenas com instrumentos financeiros; ela é consequência de um modelo de desenvolvimento que explora intensamente os recursos naturais e concentra riqueza. Soluções reais exigem uma transformação sistêmica, que coloque as necessidades humanas e a preservação ecológica acima dos interesses econômicos imediatos.

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Embora o mercado de carbono se proponha a enfrentar a crise climática, na verdade ele não enfrenta suas raízes estruturais. Uma abordagem mais abrangente deve incluir a redução efetiva das emissões, a transição para modelos sustentáveis de produção e consumo, e a garantia de justiça socioambiental, promovendo uma relação mais equilibrada entre os seres humanos e o meio ambiente.

Essa abordagem também deixa de questionar os fundamentos do modelo econômico predominante, que é baseado na exploração intensiva dos recursos naturais. As crises ambientais e climáticas são, em última análise, sintomas de uma estrutura social e econômica que prioriza o lucro e o crescimento incessante em detrimento do equilíbrio ecológico e do bem-estar das populações.

Portanto, enquanto a regulamentação do mercado de carbono pode ser considerada um passo positivo no discurso ambiental, ela não é suficiente para enfrentar a complexidade da crise climática. Para avançar, é fundamental repensar as relações entre sociedade, economia e meio ambiente, buscando soluções que integrem justiça social, preservação ambiental e transformações estruturais profundas.

*Adilson Vieira é sociólogo e pesquisador do Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento Amazônico. Membro da Coordenação da Alternativa Terrazul.

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