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Tributar os super-ricos pode financiar a luta contra as mudanças climáticas

Tributar os super-ricos pode financiar a luta contra as mudanças climáticas

O duplo tratamento da riqueza – impostos mais baixos sobre a riqueza recebida (dividendos, rendas, ganhos de capital) e impostos mais altos sobre a riqueza ganha, ou seja, salários – está alimentando a riqueza extrema. Praticamente toda a riqueza dos super-ricos provém da propriedade de empresas e impérios imobiliários, e não do seu trabalho.

POR CORRESPONDENTE IPS

LONDRES – Um imposto entre 1,7% e 3,5% ao ano sobre as pessoas mais ricas do mundo permitiria arrecadar 2,1 trilhões de dólares, o dobro do montante necessário para financiar as alterações climáticas nos países em desenvolvimento, conforme um estudo da Rede de Justiça Fiscal divulgado na segunda-feira (19.10).

A riqueza dos multimilionários “está crescendo o dobro do ritmo do resto da sociedade, enquanto eles pagam taxas de imposto que são apenas a metade do que o resto da sociedade paga”, afirmou Mark Bou Mansour, porta-voz da rede, que reúne pesquisadores e ativistas de organizações civis, religiosas e sindicais.

Em sua avaliação, este fato contribuiu para quadruplicar a riqueza de uma décima milésima parte da população (0,00001%) desde 1987, em detrimento das economias, das sociedades e do planeta.

Em média, os 0,5% mais ricos de cada país detêm um quarto da riqueza, enquanto metade da população apenas detém 3%.

O duplo tratamento da riqueza – impostos mais baixos sobre a riqueza recebida (dividendos, rendas, ganhos de capital) e impostos mais altos sobre a riqueza ganha, ou seja, salários – está alimentando a riqueza extrema.

A riqueza extrema torna as economias inseguras e está diretamente relacionada com o fato de as pessoas terem de gastar mais do que ganham, tornando as economias mais pobres do que a soma de suas partes.

“Alguns dos mesmos países estão bloqueando o progresso real da COP29 sobre o clima, ao impedir o mundo de recuperar triliões de dólares em impostos de paraísos fiscais durante uma reunião; afirmando depois, em outra reunião, que não há dinheiro para combater a crise climática”, Alison Shultz.

Confira a íntegra do estudo.

Conforme o estudo, a raiz do problema está no fato de a riqueza acumulada (dividendos, mais-valias e rendimentos provenientes da propriedade de bens) ser frequentemente tributada a taxas muito mais baixas do que a tributação da riqueza auferida, ou seja, os salários obtidos através do trabalho.

Ao mesmo tempo, a riqueza acumulada cresce normalmente mais depressa do que a riqueza auferida. Apenas metade da riqueza criada anualmente em todo o mundo vai para pessoas que ganham dinheiro para viver. O resto é recolhido sob a forma de rendas, juros, dividendos e mais-valias.

Embora os super-ricos possam trabalhar e ter emprego, praticamente toda a sua riqueza provém da propriedade de empresas e impérios imobiliários, e não do seu trabalho.

“Qualquer salário que possam ganhar é uma gota no balde da sua riqueza”, diz o estudo, referindo que três dos cinco homens mais ricos da lista de bilionários da Forbes ganham salários de um dólar.

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São eles Elon Musk (Space X, Tesla, Network X), Mark Zuckerburg (Meta) e Larry Elison (Oracle), que ganham milhares de milhões de dólares em compensações baseadas na propriedade.

Daí a proposta de um imposto com uma taxa de 1,7 a 3,5%, cobrado apenas sobre os mais ricos, que proporcionaria, em média, um aumento de 7% nos orçamentos nacionais, o dobro do montante necessário como financiamento externo para o financiamento do clima nos países em desenvolvimento.

O financiamento será uma questão fundamental nas negociações da COP29, a 29ª Conferência das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas, que terá lugar em Baku, em novembro.

Além disso, um estudo do Observatório Fiscal da União Europeia e do governo brasileiro mostrou que é possível arrecadar de 200 a 250 bilhões de dólares adicionais por ano, taxando em ao menos 2% as 3.000 pessoas com riqueza superior a 1 bilhão de dólares.

O presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva pretende levantar a questão na Cúpula do G20 (economias industrializadas e emergentes), que acontecerá em novembro, no Rio de Janeiro, e incentiva a decisão de usar esses recursos na luta contra a fome no mundo.

Bou Mansour insistiu, durante o lançamento do relatório, que “existe a ideia de que os bilionários ganham riqueza como toda a gente, mas que são melhores. Isso é falso. É impossível ganhar um bilhão de dólares”.

Alison Shultz, investigadora da Rede e coautora do relatório, afirmou que “uma minoria de países ricos parece ainda relutante em apoiar a convenção de um marco forte sobre os impostos, apesar desta ser a melhor oportunidade que temos e já tivemos neste sentido, e de seus próprios cidadãos exigirem urgentemente que a aproveitemos”.

Alguns dos países de sempre estão bloqueando os progressos reais na COP29 sobre o clima, impedindo que o mundo recupere trilhões de dólares em impostos dos paraísos fiscais numa reunião para, na outra, afirmarem que não há dinheiro para a crise climática”, sublinhou.

“Isto tem de mudar agora: o clima não pode esperar, nem os povos do mundo”, concluiu.

Artigo publicado na Inter Press Service.


Foto de capa: Manifestação em Nova Iorque exigindo impostos mais elevados para os super-ricos no auge da pandemia climática. A tributação da riqueza acumulada a taxas moderadas permitiria angariar recursos para enfrentar a crise climática e combater a fome, conforme as exigências feitas aos governos dos países industrializados. Imagem: Alexi Rosenfeld / Oxfam.

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