A guerra à inteligência

A guerra à inteligência

A vitória da extrema direita nas eleições da Áustria, liderada pelo neonazista FPÖ, reflete o avanço de movimentos ultraconservadores na Europa, impulsionados pela frustração com a política tradicional e o crescente sentimento anti-imigração

Quando o general fascista espanhol José Millán-Astray interrompeu a palestra do poeta e filósofo Miguel de Unamuno, reitor da Universidade de Salamanca, aos gritos de “abajolainteligencia, viva lamuerte”, não bradava apenas um impropério ou fazia mera provocação política. Era o princípio da sangrenta guerra civil e a frase do general enunciava uma cláusula pétrea da ideologia nazifascista e da extrema direita em geral: o culto da violência e a negação da humanidade pela adoração da morte.

Essa tradicionalcrença da extrema direita perdura no seu negacionismo, nos movimentos antivacina, na recusa de adotar comportamentos de segurança, na oposição às políticas de preservação do meio ambientee na ação de líderançasneofascistas como Bolsonaro, Trump, Orbán ou Le Pen.

Em várias capitais da Europa, dezenas de milhares de neofascistas, neonazistas e extremistas de direita manifestam-se desfilando suas turbas pelas ruas, numa cópia dos desfiles das SS dos tempos de Adolf Hitler. Esta semana, nas eleições da Áustria, mais uma democracia foi sitiada com a vitória sem precedentes do neonazista Partido para a Liberdade da Áustria (FPÖ, na sigla em alemão). O FPÖ, não por coincidência, foi fundado nos anos 1950 por ex-militares das SS nazistas.

As eleições legislativas na Áustria foram realizadas no domingo, 29 de setembro de 2024 e marcam um perigoso momento no cenário político europeu. O FPÖ obteve aproximadamente 29% dos votos, um significativo aumento de 13 pontos percentuais em relação às eleições de 2019. Colocou o partido à frente dos conservadores do ÖVP (Partido Popular Austríaco), que ficaram em segundo lugar com 26,3% dos votos, e dos social-democratas do SPÖ, que alcançaram 21% dos votos.

Um pedaço de história

A vitória do FPÖ representa a primeira vez, desde o fim da Segunda Guerra Mundial, que um partido de extrema-direita vence as eleições legislativas. O FPÖ, no entanto, não obteve maioria absoluta e precisará formar uma coligação para poder governar. O líder do FPÖ, Herbert Kickl, celebrou o resultado como “um pedaço de história”. O atual chanceler Karl Nehammere o líder social-democrata Andreas Bablerfizeram declarações e disseram que não formarão coligação com a extrema-direita.

O sucesso eleitoral do FPÖ é atribuído à frustração dos austríacos com a política tradicional.Esse descontentamento com os partidos tradicionais tem impulsionado o apoio àextrema direita que se apresenta como alternativa.

Em sua campanha o FPÖ capitalizou as preocupações com a imigração, propondo medidas como a “reemigraçãode estrangeiros não convidados”. A crise econômica, a inflação alta e as dificuldades econômicas da classe média têm alimentado o sentimento anti-establishment. A Áustria é o país europeu que tem recebido mais refugiados per capita e desenvolveu um sentimento anti-islã e anti-imigração.

Durante a pandemia de Covid 19, a oposição às medidas sanitáriastambém ajudou no fortalecimento dos partidos da extrema direita. Alguns eventos recentes, como a ameaça de um atentado terrorista em Viena, reforçaram o discurso de segurança do FPÖ.

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O cenário europeu

A vitória do FPÖ na Áustria se insere em um contexto da ascensão da extrema-direita na Europa. Partidos similares vêm ganhandoforça em países como Itália, Hungria e Países Baixos, fenômeno que refletea tendência de polarização política e desafio aos partidos tradicionais.

A nova situação na Áustria levanta questões sobre a formação do próximo governo e o futuro político do país. A possibilidade de uma coligação entre conservadores e extrema-direita, ou uma aliança mais ampla excluindo o FPÖ, são cenários em discussão, mas, independentemente do desfecho, o crescimento do FPÖ sinaliza uma mudança no panorama político austríaco e reforça a necessidade de atenção às dinâmicas que têm impulsionado movimentos similares em toda a Europa.

Na Alemanha

Em Berlim, um ajuntamento de 18 mil pessoas, segundo contagem da polícia, autodenominou-se “festival de liberdade e paz”, liderada pelos “pensadores livres”, ativistas antivacina, partidários de teorias de conspiração e simpatizantes do neonazismo em geral. Atiraram pedras e garrafas contra a polícia. Sentaram-se no chão e gritaram “resistência” ou “nós somos o povo”, slogan de extrema direita que está em uso atualmente.

Depois da manifestação, militantes tentaram invadir o Palácio do Reichstag, onde funciona a câmara baixa do Parlamento alemão. O presidente Frak-Walter Stanmeier condenou o ataque. “Bandeiras nazis e obscenidades de extrema direita frente ao Bundestag alemão são um ataque insuportável ao coração da nossa democracia. Nunca o aceitaremos”, disse ele.

O partido neonazista AlternativefürDeutscheland (Alternativa para a Alemanha) acaba de serbem-sucedidonas eleições dos estados da Turíngia e da Saxônia.

A extrema direita tem feito crescer sua influência no cenário político europeu. Encontra-se no governo, atualmente, na Hungria, Itália, Países Baixos (Holanda), Finlândia, República Checa e Croácia. E aproxima-se de outros.

Os temas

Os temas que os diversos partidos europeus de extrema direita têm em comum entre siem busca do apoio dos eleitores são a Imigração;Identidade nacional (oposição ao multiculturalismo);Economia e custo de vida; Críticas e oposição à União Europeia (euroceticismo), Segurança;Críticas às políticas ambientais (rotuladas de “terrorismo climático”); Desconfiança nos partidos tradicionais; Críticas aos direitos das mulheres, aborto e educação nas escolas e universidades;Críticas à mídia tradicional e utilização das redes sociais; Apelo aos jovensenfatizando questões como moradia e saúde.

*Imagem em destaque: Garry Knight 

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