Eleições para consertar a confusão

Eleições para consertar a confusão

As eleições gerais no Reino Unido em 2024 marcaram uma virada na política britânica. O Partido Trabalhista liderado por  Keir Starmer, um líder sem carisma, segundo os cronistas da imprensa, advogado especializado em assuntosligados aos direitos humanos, conquistou uma vitória esmagadorae elegeu 408 dos 650 deputados, alcançando a maioria absoluta no Parlamento após 14 anos fora do poder. O Brexit foi um tema central durante a campanha, com os conservadores enfatizando suas ações para lidar com a crise econômica pós-Brexit, enquanto os trabalhistas propuseram investimentos em energias sustentáveis para impulsionar a economia.

Os eleitores parecem ter expressado sua insatisfação com os efeitos do Brexit e optaram por uma mudança de rumo político. A derrota dos conservadores, que elegeram apenas 112 deputados, é considerada um “cataclismo na política britânica”. Os jornais foram praticamente unânimes em chamar o resultado eleitoral de “landslide”, que pode ser traduzido por avalanche.

Os trabalhistas enfrentam agora a pressão eleitoral do Partido Reformista de Nigel Farage, de extrema direita, que elegeu deputados e pela primeira vez vai estar representado no Parlamento.  Keir Starmer terá de resolver dilemas difíceis, entre eles a relação com a União Europeia pós-Brexit. As eleições também destacaram problemas como a economia pós-pandemia, a questão da imigração e os desafios no sistema de saúde, que já foi um dos orgulhos ingleses e hoje enfrenta uma crise.

Com umnovo primeiro-ministro, o Reino Unido se preparaparalidar com as consequências do Brexite os desafios econômicos e sociais que o país enfrenta.

As consequências do Brexit

A falta de comida nos supermercados, restaurantes fechando as portas e as fábricas interrompendo a produção fizeram os mais velhos se recordarem dos anos da Segunda Guerra, quando os aviões alemães faziam blitzes aéreas e bombardeavam as cidades inglesas. Só faltavam as sirenes de alarme para a montagem de um cenário mais realista a reproduzir os dias de 1940 quando foi travada no céu de Londres a Batalha da Inglaterra.

Era a ressaca do dia seguinte em contraste com as passeatas que comemoraram a saída do Reino Unido da União Europeia, depois de uma avassaladora campanha de opinião pública promovida pela direita e a extrema direita. Os problemas na cadeia de abastecimento depois do fechamento das fronteiras fizeram os empresários pedirem uma ação urgente do governo. A deliciosa “smoothie”, uma bebida feita com morangos e banana, começou a faltar no McDonald’s, bem como todas as bebidas engarrafadas nas 1. 250 lojas da cadeia no Reino Unido. A rede Nando’s fechou 50 dos seus restaurantes por falta de frango e os restaurantes de luxo Novikov avisou que estava ficando sem carne.

Segundo a associação empresarial CBI-Confederationof British Industry, os estoques no varejo chegaram ao menor nível dos últimos 40 anos. A falta de suprimentos para o consumo da época de Natal trouxe preocupação.

O Reino Unido teve de lidar com asconsequências da bem-sucedida campanha da direita em 2020. Sem contaros conflitos de interesse com a Irlanda e a Escócia, que são parte do Reino Unido. Problemas que afetaram negativamente a recuperação da economia. Os trabalhadores estrangeiros passaram a ter dificuldades para obterem visto de entrada. Elessão a principal força de trabalho da organização logística do país, pois os britânicos recusam os trabalhos de longa jornada e baixos salários. A escassez dessa mão de obra começou a provocar grande desorganização em toda a cadeia de abastecimento.

O Brexit significou o fim da livre circulação de pessoas, a criação de controles aduaneiros e a limitação de serviços que antes fluíam de um lado para o outro sem grandes restrições. Os ingleses também reclamam que ficaram mais caras as compras feitas pela internet em países da União Europeia.

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Os empresários protestam contra o aumento da burocracia e da papelada que agora é exigida para os negócios com a Europa, além da queda de 41 por cento nas vendas de exportação.

Trapalhadas

Na origem de tudo esteve a descrença dos próprios ingleses na vitória do Brexit. Os defensores da saída da União Europeia não confiavam na própria campanha e David Cameron, primeiro-ministro na época e que convocou o plebiscito sobre a retirada, não preparou o país para essa possibilidade.

Os ingleses sempre se sentiram superiores ao resto da Europa. Não se consideravam parte do que eles chamam até hoje, com uma certa displicência, de “o continente”. Há uma anedota que ilustra esse sentimento. Num dia de pesado nevoeiro que cobria o Canal da Mancha, os jornais ingleses deram manchete em grande tipologia: Nevoeiro no Canal: o continente isolado.

Ancorada numa poderosa Marinha, a Inglaterra construiu um império que já no Século 18 lhe dava grande prestígio e força internacionais, mesmo depois de ter perdido sua rica colônia americana. Era tão vasto o seu império que nele o sol nunca se punha, dizia-se. Sua estratégia geopolítica teve sempre como objetivo evitar que no continente europeu surgisse uma potência rival. A Inglaterra foi palco da revolução industrial que ampliou a sua influência e só com a chegada do século XX a Alemanha e os Estados Unidos vieram a fazer sombra ao seu poder. O esforço que lhe custou sair como uma das nações vencedoras da Segunda Guerra Mundial afetou a sua força e os movimentos de independência na Índia e na África enfraqueceram a espinha dorsal do grande e poderoso império.

Na década dos anos 1950 os países da Europa ganharam a consciência de que a união entre eles poderia gerar uma escala capaz de competir com as duas superpotências que disputavam então a hegemonia mundial, os Estados Unidos e a União Soviética. A ideia não sensibilizou os ingleses e Churchill resumiu sua posição: “nós britânicos temos a nossa própria comunidade de nações”, disse ele referindo-se à Commonwealth.

Sobre quem é  Keir Starmer, o novo primeiro-ministro, um amigo me enviou um texto esclarecedor escrito pelo cineasta Ken Loach e que diz a certa altura: ” o que não está claro para quem não mora na Inglaterra é que hoje o Partido Trabalhista não é o partido dos trabalhadores, mas o das grandes empresas. É o partido dos grandes negócios. O seu líder,  Keir Starmer, é um oportunista. Ganhou a liderança do partido prometendo água, ferrovias e correios públicos, mas uma vez obtida, desconsiderou essas promessas: mais de 200 mil membros se desfiliaram depois de algumas semanas, foi uma espécie de expurgo. A tarefa de  Keir Starmer era convencer os meios de comunicação de direita e a BBC de que o país estava seguro, que nada mudaria: aproximou-se cada vez mais dos conservadores, no final das eleições quase não havia diferença entre eles”.

*Imagem em destaque: Benedikt von Loebell/Flickr/World Economic Forum

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