Réquiem para a monarquia
Existem atualmente doze monarquias na Europa. No princípio do Século XIX, com exceção da França, todos os países europeus eram governados por monarquias. Excluindo as Américas, era também a forma de governo disseminada pelo mundo. Cinquenta anos depois e duas guerras que mudaram a face de todos os continentes, existem menos de 50, das quais dezesseis dirigidas pelo Rei Charles III da Inglaterra.
Ao lado dos percalços pelos quais passa o país depois do Brexit, que afetou a economia do reino, uma nova preocupação assalta os ingleses. O rei Charles III foi diagnosticado com câncer, está sob tratamento e reduziu suas aparições públicas. Os ingleses amam sua família real e estão preocupados.
Charles tem 75 anos e aguardou a maior parte da vida pela coroação que se deu no ano passado, depois que morreu sua mãe Elizabeth II aos 92 anos.
O próximo na linha da sucessão é o príncipe William, que tem 41 anos e é filho de Charles com a princesa Diana.
A evolução da humanidade não se dá de maneira igual na face do planeta. Em qualquer momento da História, vemos sociedades de civilização contemporânea coexistindo com outras que ainda vivem na pré-história. Convivem hoje no mundo as experiências interespaciais e da mais avançada ciência com grupamentos que se abrigam nas selvas distantes, bem longe do que se convencionou definir como sociedades civilizadas, que eles desconhecem.
Alguns povos ainda vivem nos padrões da Idade Média. Não surpreende, portanto, a existência em modernos países da Europa de monarquias geridas por uma classe aristocrática fora do seu tempo. Com hábitos e comportamentos distintos das suas populações e com a dose periódica de surpreendentes escândalos que pouco se diferenciam dos seus congêneres medievais. Não preciso falar das monarquias absolutas do Médio Oriente com seu atraso e seu rosário de crimes.
As cinco mil amantes
Depois de vários escândalos financeiros, Juan Carlos I, de nome completo Juan Carlos Alfonso Víctor María de Borbón y Borbón-Dos Sicílias, rei de Espanha, viu-se forçado a abdicar em favor do filho, que assumiu com o nome de Felipe VI. A monarquia espanhola, destituída pela república, foi preservada por Franco desde a guerra civil. O velho ditador, que governou ele mesmo como um monarca absoluto, devolveu o trono à família real pouco antes de morrer e passou a chefia de Estado a Juan Carlos.
Entre os crimes do rei aparece o de lavagem de dinheiro e recebimento de comissões ilegais pagas pela Arábia Saudita. Seu próprio filho lhe retirou a subvenção que recebia desde que abdicou e também renunciou publicamente de qualquer herança que poderia vir a receber do soberano emérito, que era o título atribuído a Juan Carlos após a abdicação.
Gabriel Rufián, deputado da Esquerda Republicana da Catalunha, disse a propósito da família real que “de uma vez por todas é preciso acabar com a opacidade, e estou a ser generoso, em torno de uma família que, simplesmente pelo seu apelido, cobra oito milhões de dinheiro público e, ainda por cima, faz negócios com os sátrapas da Arábia Saudita”.
Para a delícia da plebe espanhola, o coronel Amadeo Martinez Inglés, que sempre trabalhou nos serviços secretos, publicou um livro a que deu o título ‘Juan Carlos I. El rey de las cinco mil amantes ‘. Ele afirma que “segundo relatórios confidenciais dos Serviços Secretos do Exército e da Segurança de Estado, que sempre vigiaram muito o rei, quer na sua vida íntima, quer na profissional – tanto na época do franquismo como depois na chamada transição democrática, o número exato de amantes do rei é de facto 4786 e não 5000 contando o tempo entre 1954 e 2014”. Apesar dos escândalos, Juan Carlos cumpriu bem o seu papel de chefe de estado. Foi aberto ao diálogo, à democracia e à Europa. Reprimiu a tentativa de um golpe fascista. Evitou a ocorrência de conflitos violentos em seu país. Até que sobrevieram os escândalos.
Sexo e realeza
Os escândalos sexuais vez por outra também assombram a realeza britânica. Há pouco o Príncipe Andrew, o outro filho de Elizabeth II, foi protagonista de um caso que envolvia proxenetas profissionais e prostitutas menores de idade. O atual rei protagonizou o escândalo que representou na época o seu caso de amor com Camilla Parker Bowles, atual Rainha Consorte da Inglaterra. A realeza inglesa tem uma história de escândalos que povoam o imaginário dos súditos. No século XIX eles eram constantes até a coroação da Rainha Vitória que, junto com o Príncipe Albert, seu marido, constituiu uma família exemplar e recuperou o prestígio da aristocracia inglesa. Seu filho Alberto Eduardo, que reinou depois dela com o nome de Eduardo VII, não se empenhou em honrar o puritanismo da mãe e ficou na história como “o rei libertino”.
Na Noruega, descobriu-se que a família Real, que gosta de exibir uma vida austera, é na verdade bilionária e tem mais de 3 bilhões de euros em paraísos fiscais. O rei Carl XVI Gustav da Suécia teve sua vida posta a nu pelos jornalistas Thomas Sjöberg, Tove Meyer e Deanne Raushcher no livro “O Monarca Relutante” e foi revelada a sua vida de constantes infidelidades, visitas a clubes de strip-tease e de gastar fortunas com prostitutas e na participação em grandes orgias.
As monarquias de hoje
Existem atualmente doze monarquias na Europa. No princípio do Século XIX, com exceção da França, todos os países europeus eram governados por monarquias. Excluindo as Américas, era também a forma de governo disseminada pelo mundo. Cinquenta anos depois e duas guerras que mudaram a face de todos os continentes, existem menos de 50, das quais dezesseis dirigidas pelo Rei Charles III da Inglaterra. Uma delas, a do Vaticano, é uma monarquia teocrática. Sem contar o Vaticano, onde o monarca é eleito, as outras são monarquias hereditárias e constitucionais, em que o poder do chefe de estado é limitado pela constituição.
Em paralelo à fachada de glamour, pompa e tradição, os novos valores adotados pela classe média e a valorização da meritocracia levam à contestação do estilo de vida das monarquias. E também às críticas ao alto custo que representa a manutenção das famílias reais e seus privilégios numa vida ociosa.
Na foto, rei Charles III em maio de 2023 / Reuters
Poeta, articulista, jornalista e publicitário. Traballhou no Diário de Minas como repórter, na Última Hora como chefe de reportagem e no Correio de Minas como Chefe de Redação antes de se transferir para a publicidade, área em que se dedicou ao planejamento e criação de campanhas publicitárias. Colaborou com artigos em Carta Maior e atualmente em Fórum 21. Mora hoje no Porto, Portugal.
É autor de Poente (Editora Glaciar, Lisboa, 2022), Dezessete Poemas Noturnos (Alhambra, 1992), O Último Número (Alhambra, 1986), O Itinerário dos Emigrantes (Massao Ohno, 1980), A Região dos Mitos (Folhetim, 1975), A Legião dos Suicidas (Artenova, 1972), Processo Penal (Artenova, 1969) e Texto e a Palha (Edições MP, 1965).