Condições financeiras de sobrevivência de empresas produtivas
Em sua tese de doutorado, “Investimento Induzido e Ciclos de Negócios”, defendida na Harvard University, Hyman Minsky (1919-1996), o teórico financista mais influente atualmente, afirmou: os mercados são ineficientes. Afinal, os agentes não operam um ambiente competitivo e as informações mais relevantes às decisões são exclusivas.
Identificou as seguintes restrições financeiras para as empresas dedicadas à atividade de investimento, durante uma expansão econômica: a dificuldade em alcançar uma base de capital suficiente; o impacto diante de um maior aperto dos prazos de financiamento, devido à elasticidade imperfeita da oferta de crédito; a taxa de expansão do capital implícita no modelo do acelerador implicar na deterioração das condições de financiamento da empresa. Afeta o propósito de alavancagem financeira quando as despesas financeiras “esmagam” o lucro operacional em relação ao capital próprio.
Se as empresas, durante o curso do ciclo de negócios, usarem seus lucros retidos para expandir a capacidade produtiva ao construir uma nova fábrica, por exemplo, isso levará a um patrimônio líquido mais alto e a uma posição de dívida menor. Esta melhoria nas posições dos balanços afetará o coeficiente do acelerador positivamente.
Se, ao contrário, as empresas usarem seus ganhos só para pagar suas dívidas, diminuirá sua posição patrimonial. Em última análise, aumentará a dívida relativa, deteriorará as posições do balanço e afetará negativamente o coeficiente do acelerador.
Como as decisões de investimento se dão em função das condições financeiras, refletidas na estrutura do balanço e nas projeções dos fluxos de caixa das empresas não-financeiras, para evitar a falência, esses fluxos de entrada de caixa da empresa com a venda da produção devem ser superiores aos fluxos de saída com custos de produção e compromissos do serviço da dívida. Os contratos dívidas de uma empresa refletem as condições existentes nos mercados financeiros, na data quando as dívidas foram assumidas, mas as condições de sobrevivência sofrem os efeitos das novas condições do mercado de crédito para atender à demanda por refinanciamento das empresas.
As restrições de sobrevivência envolvem liquidez e solvência. Liquidez é a capacidade de cumprir compromissos de caixa, prejudicada quando os fluxos de lucro atuais ou esperados diminuem, pressionando o uso do capital líquido dos proprietários. Solvência é a capacidade de pagamento, ou seja, manter algum nível de patrimônio líquido para evitar a falência e sair do mercado. O risco de sobrevivência depende do balanço.
Os perfis financeiros das empresas se diferenciam por suas respectivas relações entre os compromissos contratuais de pagamento, devido a seus passivos, e os fluxos de caixa. São definidos como cobertas ou protegidas [hedge], especulativas e ‘Ponzi’, distinções desenvolvidas mais adiante por Minsky, mas com raízes na sua tese de doutorado.
As condições de sobrevivência, durante as crises de liquidez na desaceleração do crescimento, foram imputadas por Minsky ao financiamento da expansão da empresa. Em sua interpretação, os ciclos de negócios são fenômenos monetários e reais.
Quando o ciclo de expansão está se aproximando de seu pico, as empresas se tornam mais vulneráveis e suas posições de balanço se deterioram por conta de alterações nos fluxos de caixa, diminuindo seu patrimônio líquido. Lucro e renda caem, cumulativamente, até o “fundo do poço” ser atingido.
Esse ponto mais baixo do ciclo dá a oportunidade para o poder de oligopólio ou mesmo monopólio aumentar, porque há menos empresas em condições de sobrevivência. Tornam-se alvos de compra pelas remanescentes no mercado com um grau menor de vulnerabilidade. Isso resulta em saídas do mercado por causa de fusões e aquisições.
A Hipótese da Fragilidade Financeira, levantada por Hyman Minnsky, é descendente direto das ideias apresentadas em sua tese de doutorado. Apresentou uma Teoria dos Ciclos de Negócios capaz de conectar as condições financeiras das empresas e dos mercados ao investimento e as falhas de coordenação entre os agentes econômicos.
Minsky se preocupou com a volatilidade dos investimentos e, de início, reconheceu a importância da incerteza dos fluxos de caixa dos investimentos. Isso exigiria o governo intervir para reduzir os riscos sistêmicos gerados por esse processo. Alteraria sua postura fiscal e/ou monetária para evitar uma deflação da dívida.
Uma sequência de booms, a intervenção do governo para evitar a contração, devido à dívida acumulada, e daí novos booms implicariam um acúmulo progressivo de novas dívidas. Eventualmente, deixaria a economia muito mais frágil financeiramente.
‘Fluxo de caixa’ para uma empresa aparece em quase todos os escritos pós-keynesianos, mas em nenhum lugar no paradigma neoclássico de escambo: troca de mercadorias ou serviços sem fazer uso de moeda. O registro contábil dos fluxos de entrada e saída de caixa é de importância crucial para sinalizar se os investimentos realizados foram baseados em decisões sólidas, se fornece os fundos necessários para a empresa cumprir os pagamentos devidos, e se auxilia no processo de tomada de decisão para futuros financiamentos de investimento.
A análise das escrituras dos fluxos de caixa indica o desempenho da empresa e fornece informação sobre a conexão entre as receitas de caixa das suas operações e sua capacidade de fazer pagamentos das dívidas. Quando essa interconexão é considerada de forma agregada, para todas as unidades de negócios, ela mostra o desempenho do complexo sistema econômico–financeiro, durante o curso do investimento com múltiplos componentes em emprego, produção e lucros.
Minsky deduziu do comportamento usualmente observado em uma economia monetária de produção (codinome de economia capitalista) existir uma instabilidade inerente, ou seja, uma fragilidade financeira resultante de dois fatores intervenientes. O primeiro diz respeito à complexidade das relações de mercado e o segundo aos percalços dos balanços das empresas.
Assim, as decisões de investimento, além da preocupação com a volatilidade, envolve relações financeiras complexas entre estruturas de passivos, capazes de comprometer os fluxos de caixa. Estes seriam gerados a partir da produção e distribuição, caso contrário, as empresas não-financeiras recorreriam às instituições financeiras.
Anos depois da defesa de sua tese de doutoramento, Minsky articulou uma Teoria de Investimento, combinando finanças e determinação de renda. A “fragilidade financeira”, inerente ao sistema capitalista, é baseada em um sistema de dois preços.
Um é o nível de preços do produto atual de ativos novos e o outro, o nível de preços dos ativos financeiros e reais existentes ou usados. O preço da produção atual é o dispositivo pelo qual a produção e a distribuição ocorrem e os custos são recuperados. O preço do capital e dos ativos financeiros reflete a incerteza e depende dos rendimentos esperados pelos acionistas em lucros e dividendos, além da especulação por ganhos de capital.
Uma divergência dos dois níveis de preços, quando o preço de demanda (valor de mercado de ativos existentes) fica abaixo do preço de oferta (custo de construção de ativos novos), gera instabilidade financeira e oscilação em um ciclo de negócios. Não há novos investimentos até essa relação se inverter e for mais barato construir o novo ativo.
A análise minskyana do ciclo econômico é fundamentalmente pós-keynesiana, capaz de ligar Economia e Finanças. Para ser incorporada ao paradigma econômico dominante [mainstream], este necessita abandonar o paradigma do escambo de “feiras medievais”.
Minsky demonstrou, a respeito ao processo acelerador, a divisão entre fenômenos reais e monetários é enganosa. O estado de inflação de um modelo de acelerador explosivo depende de um sistema monetário permissivo.
Sem esse, não pode existir inflação explosiva e o resultado é um equilíbrio estagnado de baixo emprego e crescimento da renda. Não existe um mecanismo de mercado endógeno o qual por si só acabe com o estado estagnado e, pior, com a estagflação.
Um processo acelerador explosivo seria transformado em uma taxa constante de crescimento por meio de um sistema monetário apropriado. Isto ocorreria no caso de os balanços patrimoniais das empresas não afetarem o comportamento do investimento e, consequentemente, o processo acelerador.
Em uma irrealista sociedade competitiva haveria ciclos curtos com amplitude relativamente pequena nas flutuações. Em uma economia real, na qual os oligopólios dominam, a tendência é ter um ciclo mais longo, com um longo boom inflacionário expansionista e, sem intervenção governamental, um longo estado de estagnação.
A mudança na composição da economia, isto é, na proporção de diferentes estruturas de mercado, pode resultar em uma gradação contínua de padrões cíclicos. Se essa hipótese sobre a relação entre estruturas de mercado for válida, então, áreas de política econômica antitruste e anticíclica não podem ser tratadas em compartimentos separados. A eficácia da política monetária em transformar uma explosão inflacionária em um crescimento constante da economia depende principalmente da disponibilidade de financiamento – e apenas indiretamente da taxa de juros.
Fernando Nogueira da Costa é professor titular do Instituto de Economia da UNICAMP. Obras (Quase) Completas em livros digitais para download gratuito em http://fernandonogueiracosta.wordpress.com/). E-mail: [email protected].