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A tristeza

A tristeza

Excelente nos seus primeiros atos, Triângulo da Tristeza é um dos filmes mais tristes já realizados, mas imperdível

Por Léa Maria Aarão Reis

Antes de ganhar duas Palmas de Ouro no Festival de Cannes com The Square: A Arte da Discórdia (de 1917)e recentemente, com Triangle of Sadness (Triângulo da Tristeza), o diretor de cinema sueco Ruben Östlund já havia causado furor na Croisette com a história da frágil atuação de um pai de família no seu filme Força Maior, de 2014.

Mas este ano o festejado cineasta, produtor, roteirista e diretor de fotografia de 48 anos, do grupo mais talentoso de uma nova geração da cinematografia em diversos países, se fez presente além de Cannes e entrou na relação de candidatos ao mais recente Oscar nas categorias de Melhor Filme, Melhor Direção e Melhor Roteiro Original.

Perdeu para dois filmes-espetáculos de massa. Um deles medíocre, Nada de novo no Front, um remake de outro filme medíocre do polêmico diretor Lewis Milestone, aquele que clamava ”japonês bom é japonês morto”. E perdeu para Tudo ao mesmo tempo agora, um aceno da indústria hollywoodiana ao cinema asiático em franco desenvolvimento, com argumento original porém repleto de clichês.

Excelente nos seus primeiros atos, Triangle of Sadness  é um dos filmes mais tristes realizados em tempos recentes. O tema é o mundo dos ultra ricos e vai além das inesquecíveis caricaturas de Buñuel sobre repulsivos agrupamentos burgueses – O Discreto Charme da Burguesia por exemplo – na sua tristeza compacta e intrínseca.

Com o som econômico (diálogos mínimos e meio ambiente silencioso) e usando uma luz opaca, ele evoca com mestria a tristeza gelada do cenário que pretende ser de celebração, relaxamento, férias, prazeres e, é claro de alegria, e nos mostra como ele pode ser soturno, inerte como são seus personagens, indiferentes, enfastiados e esclerosados, já locupletados.

No início, Östlund informa de onde vem a expressão triângulo da tristeza. Quem trabalha ou trabalhou com moda sabe: vem do universo dos fotógrafos e dos profissionais dessa indústria. É a expressão de melancolia de um rosto franzido do modelo ou da modelo para o qual nada mais é surpreendente. Assim, blasés, vendem mais os produtos de luxo.

Em seguida, no seu roteiro, ele investe nos diálogos desalentados de dois modelos e influencers que ganharam passagens para embarcar no tal cruzeiro de luxo. São os únicos passageiros de classe média no grupo de ricaços. O jovem casal deve descrever como é o universo dos bilionários para as centenas de seguidores sempre ávidos de conhecerem detalhes da vida da alta burguesia.

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O cruzeiro tem início com o roteiro nos informando da abissal distância entre funcionários que mantêm o barco funcionando, garçons, assistentes, a mão de obra braçal, faxineiros, operadores de máquinas e das cozinhas, taifeiros, limpadores de banheiros,  e os clientes servidos por eles. Esses, só sabem comer, beber e vegetar.

Momento alto do filme é o longo diálogo em que o comandante alcoólatra do iate, desenhado pelo roteirista e diretor sueco, e vivido por Woody Harrelson com toda a garra do irônico ator, toma um porre histórico com um passageiro também bêbado, o oligarca russo fabricante e exportador de excrementos (”fertilizantes”, diz ele).

O comandante sublinha: ”Eu não sou comunista; sou marxista”. Uma pena que Harrelson tenha apenas uma ponta.

Outra memorável sequência criada para dividir o filme ao meio, é a forte turbulência, e em seguida o naufrágio do iate dos bilionários em uma noite de tempestade. São inesquecíveis o enjoo e as crises violentas de labirintite entre os passageiros que acabaram de comer lagostas e finíssimas iguarias, e vomitam e se esvaem por todos os cantos pelos salões, corredores e banheiros do barco à deriva.

No segundo ato do filme, com os poucos sobreviventes que foram dar em uma ilha deserta, o cenário muda radicalmente. A única pessoa que sabe como sobreviver, pescar, limpar um polvo e fazer a fogueira para cozinhá-lo é a faxineira filipina do iate, Abigail (atriz Dolly de Leon).

Ruben Östlund passa então a discutir a evidente e previsível nova dinâmica de poder, agora invertida entre os náufragos. Indivíduos inúteis que nada sabem fazer para sobreviver passam a ser liderados e controlados pela camareira Abigail. Os homens assustados são os que mais se dedicam a pedir a proteção dela; mesmo quando é necessário se prostituir.

Triângulo da tristeza é um filme imperdível. Mesmo nos mostrando com força como é triste o mundo, hoje, é também farsesco com o seu deboche. Há por aí quem esteja propalando que ”a tragédia escolhe seus sobreviventes”. Não. Quem os escolhe é o diretor e roteirista sueco tentando prever um futuro imprevisível e deixando imensa pergunta no final.

Nesse futuro habitado pela passageira paralítica, pelo operário (o maquinista do barco), pela dupla dos jovens, pelo oligarca e por Abigail será essa quem vai determinar, para o bem e para o mal, o desfecho dessa história humana de pornográfica desigualdade.

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