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Os comunistas de Malibu

Os comunistas de Malibu

O recado devastador dos irmãos Coen sobre filmes de massa como “Ave, César”: um cinema que produz os restos dos sonhos das pessoas desgastadas pelo mundo

Talvez os irmãos norte-americanos Coen não voltem a fazer novos filmes juntos. Cada qual tem planos atuais de seguir em frente com projetos individuais o que, neste caso, encerrará a excelente obra cinematográfica de Joel e Ethan Coen realizada em conjunto até aqui. Ethan promete um próximo filme solo com roteiro de sua mulher, a editora de filmes Tricia Cooke enquanto Joel seguirá trabalhando com a atriz e produtora Frances McDormand, sua companheira e grande estrela de Fargo, dos anos 90, e do belo Nomadland, lançado no ano passado.

Neste momento de expectativa em relação ao trabalho dos Coen, vale relembrar uma pequena comédia de sua autoria – melhor dizendo: um filme/piada. “Ave, César!”, de 2016, permanece um dos cartazes mais acessados da plataforma Netflix até hoje. É filmete para rir e desopilar em tempos de exaustão, tensão e expectativa política aqui, e mostra o ”cinema de Hollywood como um dos instrumentos principais do capitalismo americano”, no dizer de um dos seus personagens absurdos; que nessa tirada tem toda razão.

Os personagens que circulam pelo Capitol Stúdios, cenário principal de “Hail, Caesar!”, são inspirados na realidade de atrizes e atores, tycoons, produtores, relações públicas, roteiristas, arrivistas e muitos figurantes que vaguearam pelos estúdios da Los Angeles dos anos 50, no pós-guerra histericamente anti-comunista de Hollywood. Esse é o quadro geral dentro do qual o filme, um pastelão inteligente e crítico tanto ao capitalismo como ao regime socialista stalinista, transcorre.

Na Hollywood da década dos 50, o personagem-eixo é Edward Mannix (Josh Brolin), responsável por proteger estrelas e astros do estúdio Capitol Pictures de escândalos, polêmicas e fofocas que podem manchar suas carreiras, como ocorria na época. Ele vive um dia intenso quando Baird Whitlock (George Clooney, na foto em cena do filme), astro de uma superprodução que está sendo filmada, uma xaropada de época também frequente naqueles tempos, intitulada Hail, Caesar!, é sequestrado no meio das filmagens por uma organização chamada ‘Futuro’.

A função de Mannix é a de manter uma imagem pública ilibada das estrelas e dos astros, esconder do público a sua ignorância e mediocridade, conversar com investidores e de adular a toda poderosa mídia.]

Mas um dia o super astro Whitlock (George Clooney, excelente) é sequestrado e a vida de Mannix entra em parafuso. A história então acelera.

Uma das melhores caricaturas do filme é a de Louella Parsons e de Hedda Hopper, duas colunistas célebres na década de 50 que se odiavam e detinham o poder de construir imagens positivas do vespeiro hollywoodiano com suas fofocas ou de destruir reputações para todo o sempre. No filme, os Coen colocam as duas rivais como irmãs gêmeas intragáveis interpretadas em duplo por uma magnífica Tilda Swinton.

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O vasto elenco é brilhante, mesmo fazendo pontas, nessa saga de humor inteligente que não é entregue mastigada ao espectador; é relatada em metalinguagem, linguagem na moda, hoje.

Ralph Fiennes é um perplexo diretor europeu em ação, com apenas uma ou duas falas de tentativas de diálogo com um cowboy (Channing Tatum, ótimo) palerma que nada tem de ator mas foi promovido a super astro. Scarlett Johansson debocha com eficiência de todas as estrelas hollywoodianas como o faz Clooney e também Frances McDormand, uma editora de filmes enlouquecida numa ponta totalmente pastelão. Josh Brolin se leva a sério como convém ao seu Mannix.

Alguns lances de “Ave, César” inseridos na grande farsa, no grande deboche:

– A reunião de roteiristas ‘comunistas’ explorados pelos estúdios em uma mansão de Malibu festejando a entrada no grupo de um certo ‘doutor’ Herbert Marcuse que vinha de Stanford e lançava seus primeiros best sellers.

– O cachorro Engels, do dono da casa, volta e meia atravessando a sala, latindo.

– Outra reunião com padres católicos, rabinos, pastores e mulás onde se discute como deve ser a representação de Deus no cinema, mas em especial em “Hail, Caesar”.

– Emissário da empresa ”Futuro’ (jatos da Lockheed) tentando convencer Mannix a mudar de emprego. ”Com a televisão, meu amigo, ninguém mais vai sair de casa para ver filmes”, diz ele.

– A filmagem da aparição, nas águas de uma super piscina, da estrela aquática DeeAnna (Esther Williams) e a sequência das danças de marinheiros em botequim à Gene Kelly.

Em suma, o recado devastador dos irmãos Coen sobre filmes de massa como “Ave, César”  é este: um cinema que produz os restos dos sonhos das pessoas desgastadas pelo mundo.

Ao que a crítica especializada, na estreia do filme, em 2016, completou: só mesmo os irmãos Joel e Ethan Coen para ter a ousadia de rir daquele período de horror que agora ameaça emergir novamente.

* Outros sucessos dos irmãos Joel e Ethan Coen:

1998 – O Grande Lebowski (The Big Lebowski)

1996 – Fargo (Fargo)

1994 – Na Roda da Fortuna (The Hudsucker Proxy)

1991 – Barton Fink – Delírios de Hollywood (Barton Fink)

1990 – Ajuste Final (Miller’s Crossing)

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