Pequeno filme sobre o luto de inverno

Pequeno filme sobre o luto de inverno

Um pequeno filme que entra em cartaz nos cinemas nesta quinta-feira (17) mostra todas as propriedades do cinema francês, que, assim como o britânico (embora sua escola de arte cênica seja oposta àquela da Royal Academy of Dramatic Art), é justo e exato na exposição dos sentimentos humanos e nas nuances emocionais expressas pelos seus atores e atrizes.

Esse pequeno filme, Inverno em Paris (Le Lycéen), chega embalado por calorosos elogios da crítica francesa que já havia adotado seu diretor, Christophe Honoré, como herdeiro dileto de outro cineasta, o saudoso Jacques Démy. Dois realizadores que iluminam com especial sensibilidade e fundo musical preciso os personagens profundamente humanos dos seus filmes ao viverem momentos-chave da vida cotidiana.

No presente caso, Honoré conta com o talento do jovem ator-revelação Paul Kircher, 22 anos, filho da atriz Irène Jacob e protagonista da trama. Ele interpreta Lucas Ronis, um adolescente gay de 17 anos que enfrenta a morte inesperada do pai em um acidente de carro, com ele ao lado, em uma estrada onde ambos estavam. Um acontecimento que poderia ou não ter sido um suicídio do pai.

A trama é esta: a família de Lucas vive no interior da França e Lucas está terminando o internato no lycée, o período escolar correspondente ao ensino médio dos colégios brasileiros. Sua mãe (Juliette Binoche) envia Lucas, em crise depressiva profunda depois das exéquias fúnebres, para arejar numa pequena temporada em Paris, no apartamento de Quentin (outro excelente ator, Vincent Lacoste), o irmão mais velho do garoto, que é artista plástico.

“Depois de entrevistar quase 300 jovens, posso dizer que a sensibilidade de Kircher é comovente; e nos afeiçoamos muito um ao outro. Esse afeto foi uma fonte inesgotável de energia, de alegria e confiança”, diz Honoré. O jovem ator recebeu o prêmio de Revelação do Festival de Veneza deste ano, foi premiado no Festival Internacional de Cinema de San Sebastián e indicado ao prêmio César da França.

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Sobre Binoche, ícone da dramaturgia francesa e sua amiga, Honoré também rasga elogios. “Eu sonhava trabalhar com ela há tempos. Procurei Juliette para um papel em um projeto meu anterior, mas ela recusou. Fico feliz que tenha aceito fazer a personagem Isabelle, na qual ela injeta um toque humano essencial.” Completando o elenco vigoroso, o afro-francês Erwan Kepoa Falé encarna um amigo de Quentin, personagem que acaba sendo decisivo na vida de Lucas. Também um ótimo ator.

Nesse ambiente parisiense flexível e transigente, o qual praticamente ele não conhece, Lucas entrará em contato com seus impulsos homossexuais, com a prostituição masculina estabelecida e com o seu ímpeto suicida. Mas também conhecerá o afeto, o amor desinteressado e o que significa amizade.

O diretor, que tem filmado histórias de situações sobre o luto, a AIDS e o suicídio, comentou, quando Inverno em Paris, de 2022, estreou no Festival de Cinema de Toronto, que seu trabalho tem um pouco de autobiografia. O que novamente parece fazer sentido, visto que sua mais recente obra, Marcello Mio, apresentada no cinema da Croisette, em Cannes, neste ano, tem a figura paterna como objeto da obsessão da filha por um homem célebre. O personagem é interpretado pela atriz Chiara Mastroianni, estrela do novo filme de Honoré celebrando os cem anos do lendário ator Marcello Mastroianni.

Esse é um momento em que somos alvejados pela avalanche de documentários políticos, de distopias e ficções científicas, de produções que denunciam graves questões sociais, e com o gênero terror/suspense escorrendo das telonas e telinhas.

Em meio à enxurrada de filmes que, com justa razão, vêm atraindo as denominadas ‘plateias de massa’ diante da situação vulnerável que se delineia no planeta, Inverno em Paris, esse pequeno drama parisiense, traz a atualização das escolhas sexuais da decantada geração Z. E atualiza a linguagem do lirismo clássico, resguardando a delicadeza e – por que não? – o realismo às vezes brutal que permeia incidentes na trajetória de todos nós.

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