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Uma pausa com Ella e John

Uma pausa com Ella e John

Os filmes de estrada são recorrentes. De vez em quando um deles é um sucesso comercial ou artístico. Em geral, são produções com garantia de bom faturamento ou inspiradas por algum best-seller da moda. Ou também porque mantêm alimentada a fantasia do espectador de largar um cotidiano exasperante e cinzento para se entregar à aventura do desconhecido na estrada.

Hoje, com o aumento acelerado da longevidade humana, e do número de idosas e idosos ativos e atuantes em várias áreas, e presentes em diversas populações do planeta, o tema da velhice, no cinema, associado ao argumento do filme de estrada dificilmente não constituiria um êxito. Sobretudo quando os protagonistas são astros e estrelas de reconhecido talento, idosos também, que viram o tempo passar, envelheceram e não contam mais com a sedução da beleza física para levar multidões às salas de cinema ou às plataformas de streaming. Bem mais que estrelas e astros, são autênticos atores e atrizes em geral com formação teatral.

É o caso de Ella e John (The Leisure Seeker), filme de estrada que permanece há meses em um catálogo persistente de aplicativo* e conta com uma direção eficiente, tem lances beirando a sofisticação e é estrelado por dois ícones da dramaturgia nas telas que envelhecem ativos e com charme – a britânica Helen Mirren e o canadense Donald Sutherland. Ela, com 78 anos, e Sutherland com 88, são mais do que familiares a uma geração de espectadores que também veem o tempo passar, mas fiéis frequentadores de cinemas ou assinantes de plataformas de streaming.

Some-se a essas circunstâncias positivas o fato de Ella e John ser dirigido por um europeu. Paolo Virzi, 59 anos, faz parte da nova onda de realizadores do cinema italiano e chamou a atenção de Hollywood com o drama Capital Humano, de 2013, premio David di Donatello. A direção de Virzi é sensível, controlada e equilibrada.

A história de Ella e John na estrada é narrada em um roteiro do cineasta com uma dupla de amigos, Francesca Archibugi e Francesco Piccolo, e baseado em um livro homônimo do americano de origem armênia Michael Zadoorian.

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Não tem novidades, mas é construído com dinâmica justa, com boas piadas, gags inteligentes e situações inéditas, como por exemplo, a dos velhos pais querendo se livrar da tutela incômoda de filhos que vivem às turras um com o outro. O roteiro se transmuda em um filme agradável e inteligente.

Quando ameaça cair no sentimentalismo e na mesmice (o dejà-vu), Mirren e Sutherland, em um show de experiência profissional, valorizam premeditadamente os diálogos. Ou então ocorre um episódio inesperado com o toque do humor crítico europeu: uma monumental cena de ciúmes entre o casal; uma relação romântica do professor, no passado, que só então, durante a viagem, acaba descoberta; e o cenário atual da casa de Key West que deve fazer o autor de O Velho e o Mar se revirar no túmulo. Transformada em museu, recebe milhares de turistas vindos de todos os cantos para celebrar o escritor e nela festejarem aniversários, casamentos etc.

O casal, ela rija, animada e cheia de iniciativas, mas com doença incurável invisível, e ele, erudito professor universitário ,amante e especialista da obra de Hemingway, no limiar do Alzheimer, saem no trailer velho que se encontra na garagem, sem uso, para chegarem ao Sul, livres e longe dos pequenos dramas familiares. Querem se divertir. Ao menos por uma última vez?

Virzi, o diretor, que estudou literatura e filosofia, comentou durante o último Festival de Veneza onde foi muito bem recebido: “Me sinto um filho do cinema italiano, ainda que, atualmente, a disseminação de tramas universais, com a globalização, venha apagando os limites de territórios, e tornando obsoletas as barreiras entre países”.

Fechando o ambiente musical desse filme, The Seeker Leisure (traduzindo: aquele que procura relaxar), a bonita canção Me & Bobby McGee, de Janis Joplin. Vale assisti-lo. É uma pausa agradável no feriadão de carnaval.

*Disponível na Netflix.

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