Adeus ao proletariado: Classe operária no paraíso
“Adeus ao Proletariado: Para Além do Socialismo” de autoria de André Gorz foi publicado originalmente em 1980. Critica a centralidade da classe trabalhadora industrial como o sujeito revolucionário privilegiado dentro das teorias clássicas do marxismo. Com as transformações estruturais nas sociedades capitalistas avançadas — como a automação, o aumento do setor de serviços, a fragmentação da classe trabalhadora e a obsolescência da indústria tradicional —, o papel do proletariado como agente principal de uma revolução socialista estaria esgotado.
“A Classe Operária Vai ao Paraíso” foi lançado em 1971, com direção de Élio Petri e vencedor da Palma de Ouro em Cannes. É um filme dos clássicos do cinema político italiano dos anos 60 e 70. O longa retrata a vida de Lulu Massa, operário-padrão da fábrica, hostilizado pelos outros companheiros. Após perder um dedo na máquina, Lulu adota uma atitude crítica ao modelo de exploração, confrontando a gerência. Ofereceu uma antevisão do Lula…
Proletariado, cuja etimologia vem do latim proles (“filho, descendência, progênie”), é um conceito usado para definir a classe oposta à classe capitalista. O proletário é aquele sem nenhum meio de vida, exceto sua prole – e sua força de trabalho, vendida para sobreviver.
A taxa de fertilidade considerada aceitável em nível de reposição populacional é de 2,1 filhos por mulher ao longo da vida. Em 2021, apenas 46% dos países tiveram taxa de fecundidade acima da taxa de reposição, principalmente na África Subsaariana. Globalmente, a taxa de fecundidade caiu para 2,23 naquele ano. As projeções futuras apontam para 1,83 filhos em 2050 e 1,59 em 2100, fazendo as populações diminuírem de tamanho como já ocorre na China, Japão, países europeus, Estados Unidos e Brasil, entre outros.
A queda da taxa de fecundidade é consequência de fatores como projetos de educação sexual, planejamento familiar, utilização de métodos contraceptivos, maior participação da mulher no mercado de trabalho, expansão da urbanização. Este fator talvez tenha sido o mais decisivo ou globalizante dos demais.
Antes da pílula concepcional, adotada nos anos 60s no Brasil, eram mais de seis filhos por mulher. Caiu progressivamente até 1,7, em 2020, abaixo da reposição.
Portanto, foi dado “adeus à prole”. E a classe operária industrial está sendo substituída por robôs em linhas de montagens automatizadas…
“Admirável Mundo Novo”, livro de Aldous Huxley publicado em 1932, acertou quando anteviu um futuro distópico (ou antiutópico)? Hoje, muitas pessoas não estão socialmente controladas, por meio de avançada tecnologia (celulares, internet, IA), e alienadas da realidade maior na qual estão inseridas? Seu “mundinho” não se reduz à rede social em “câmeras de eco”?
Gorz destacou como o desenvolvimento tecnológico e a automação alteraria a natureza do trabalho, fragmentando a classe trabalhadora e reduzindo o papel do operário industrial como centro da produção. Isso levaria à uma nova dinâmica social e econômica, deslocando o poder político e econômico do proletariado. O empreendedorismo da Teologia da Prosperidade conduz os excluídos à direita?
Seu livro também apontou para a necessidade de repensar o desenvolvimento econômico e o consumo em termos sustentáveis, antecipando discussões sobre ecologia e a crítica ao produtivismo. Mas muitos economistas, ditos novos-desenvolvimentistas, resistem a pensar radicalmente as possíveis consequências da desindustrialização relativa aos serviços – e uma nova política econômica.
Política cambial em curto prazo tem o condão de superar o problema estrutural da indústria contribuir com valor adicionado muito inferior ao de serviços: 70% do PIB?
Reportagem recente (Valor, 07/10/24) mostrou: segundo dados da PMS (Pesquisa Mensal de Serviços – IBGE), o segmento de Informação e Comunicação mais cresceu de 2019 até julho de 2024: 21,6%. Sozinha, a área de Tecnologia da Informação avançou 79,2% no período.
De modo geral, os setores da economia mais demandantes desses serviços são o financeiro e o comércio eletrônico. Mas há crescimento em outras áreas, como automação na indústria, logística atrelado ao e-commerce, saúde e educação.
Na projeção de investimentos para o setor de TIC para os próximos três anos, são esperados R$ 729,4 bilhões em investimentos em tecnologias de transformação digital para o ciclo 2024-2027, contra R$ 666,3 bilhões do ciclo 2023-2026 e R$ 510,5 bilhões no ciclo 2022-2025. A área de mobilidade, dados e banda larga deve agregar R$ 702,8 bilhões até 2027.
Entre as áreas com maior avanço, estão inteligência artificial (IA), com expectativa de crescimento de 31% nos investimento, seguida de segurança da informação (22%), serviços na nuvem (17%), IOT ou internet das coisas (19%).
De acordo com a última Pesquisa Anual de Serviços (PAS), do IBGE, o segmento de Tecnologia da Informação teve maior crescimento na Receita Operacional Líquida do setor de serviços não financeiros: cresceu de 6,8% em 2013 a 10,2% em 2022. Já o segmento de telecomunicações, também componente da TIC, caiu de 13,4% para 6,7%. Essa contração de telecomunicações se deve a questões metodológicas e certa perda de relevância na economia de alguns negócios, como telefonia fixa e TV a cabo.
O setor ainda é carente de profissionais especializados, em especial de nível médio e técnico. Um estudo de 2021 da Brasscom calculou em 159 mil talentos por ano a demanda por contratações até 2025. Naquele ano, o país tinha capacidade de formar 53 mil profissionais por ano.
Em 2023, o segmento de TIC teve US$ 5,8 bilhões em receitas de exportação. Importações são muito mais relevante em termos quantitativos: US$ 11,7 bilhões. A área de data centers responde por cerca de US$ 6 bilhões desse déficit comercial.
A Microsoft revelou seu projeto de investir R$ 14,7 bilhões no país em três anos na ampliação da infraestrutura de computação na nuvem e IA. A AWS (Amazon Web Services), líder global de computação de nuvem com 32% de participação, anunciou R$ 10,1 bilhões em investimentos no país nos próximos dez anos.
Os principais produtos importados pelo Brasil são: óleos combustíveis de petróleo ou de minerais betuminosos; adubos ou fertilizantes químicos; demais produtos da indústria de transformação; válvulas e tubos termiônicos, de cátodo frio ou foto-cátodo, diodos e transistores; medicamentos e produtos farmacêuticos; partes e acessórios dos veículos automotivos; compostos organo-inorgânicos; óleos brutos de petróleo; inseticidas; equipamentos de telecomunicações. Possuem intensidade tecnológica mais elevada. É possível fazer uma política industrial de substituição dessas importações à base de desvalorização da moeda nacional?!
O novo-desenvolvimentismo pensa ser fácil resolver um problema estrutural – indústria desnacionalizada, carência de tecnologia, distância das CGVs etc. – simplesmente com política econômica (cambial) de curto prazo. Não entende o pacto de elites, adotado em 1999: dar prioridade ao combate à “eutanásia dos rentistas” (taxa de inflação superar juros prefixados) e ao risco de os contribuintes terem aumentada a carga tributária sobre si.
Esse pacto social fixa uma das maiores taxa de juro real para evitar fuga de capital do carregamento de títulos de dívida pública para dólares (ou criptomoedas) no mercado paralelo ou no exterior. A relação juros altos / câmbio baixo satisfaz a remessa de lucros e pagamentos de juros de empréstimos intercompanhia, tomados para “carry-trade”: trazer dinheiro de onde o juro é baixo para aplicar onde o juro é alto. O alardeado “risco fiscal”, sendo a dívida pública em moeda nacional, é mero subterfúgio para pressionar a política monetária do Banco Central do Brasil.
Penso já ser hora de os herdeiros do nacional-desenvolvimentismo industrializante “rever os conceitos” diante da nova realidade, muito diferente da existente na fase da indústria nascente no Brasil: 1945-1980. A industrialização foi feita sob a égide do capital estrangeiro e a feita sob o capital estatal foi desnacionalizada na Era Neoliberal de abertura externa e privatizações. Agora, “já era”!
O capital privado-nacional não possui participações acionárias de investidores brasileiros suficiente e nem tecnologia autônoma para competir na geoeconomia contemporânea. A economia brasileira se submeteu à nova divisão internacional do trabalho como “fazenda do mundo”… ou “indústria extrativista do mundo”. De fato, para ocupar sua população economicamente ativa, é essencialmente uma economia de serviços urbanos, atendendo o mercado interno, porque não são tradeables ou negociáveis no exterior. Caracteriza-se por estagdesigualdade…
Fernando Nogueira da Costa é professor titular do Instituto de Economia da UNICAMP. Obras (Quase) Completas em livros digitais para download gratuito em http://fernandonogueiracosta.wordpress.com/). E-mail: [email protected].