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Aspectos políticos do pleno emprego

Aspectos políticos do pleno emprego

Michal Kalecki, um economista polonês do século XX, é mais conhecido por suas contribuições à Macroeconomia, onde inclui a teoria do ciclo econômico e a análise das relações entre classes sociais na economia. Aponta as diferenças entre consumo entre duas classes sociais: capitalistas e trabalhadores.

Embora tenha examinado as relações entre as classes sociais, seu foco principal estava nas implicações macroeconômicas dessas relações, como o impacto das políticas governamentais sobre a demanda agregada e a distribuição de renda. Por sua vez, as decisões de gasto das classes sociais afetariam o desempenho macroeconômico, como o nível de emprego e a inflação.

A antipatia da casta de líderes empresariais quanto à política de gastos do governo, para alcançar o pleno emprego, se torna mais forte quando ela considera o dinheiro público a ser gasto em investimento estatal e/ou em subsídio ao consumo popular. Ela exige o investimento público limitar-se a atividades nas quais não ocorra concorrência com os interesses das empresas privadas. Afinal, mercantilizou até a saúde e a educação!

Caso contrário, ameaçam, sendo a rentabilidade do investimento privado prejudicada, os efeitos positivos do investimento público sobre o emprego serão neutralizados pelo efeito negativo do declínio do investimento privado. Não percebem se houver endividamento público, em lugar de aumento de impostos, o poder de compra aumentará em geral e será benéfico aos seus negócios privados.

Seus ideólogos economistas sugerem o subjetivo “estado de confiança” empresarial ser uma emoção tênue com a qual todo cuidado é pouco. Essa ideologia se adequa muito bem aos mercadores manterem o Estado sob controle.

Dizem que o maior perigo de um governo populista é ele ousar com a adoção de uma política de investimentos públicos, indiferente ao comando empresarial privado. Acreditam, eventualmente, ele ser tentado a nacionalizar ou estatizar todos os serviços de utilidade pública, principalmente, a energia (elétrica e hidrocarbonetos), de modo a executar investimentos considerados estratégicos para a autonomia da Nação.

Em vez de criticar esses investimentos públicos, seria o caso dos líderes empresariais e seus economistas-chefe serem mais favoráveis aos subsídios ao consumo massivo por meio de transferências às famílias, subsídios para manter baixo os preços dos bens de primeiras necessidades etc.? Subsidiar o consumo popular evitaria o governo embarcar em algum tipo de empreendimento concorrencial com os interesses privados?

Na prática, afirma Michal Kalecki em sua palestra “Aspectos Políticos do Pleno Emprego”, em 1943, prenuncia este não ser o caso. Acha a oposição feita ao subsídio ao consumo popular ser muito mais violenta se comparada ao investimento público.

O argumento é um princípio moralista, espécie de fundamento da ética capitalista: “você só pode ganhar o seu pão com seu próprio suor” – a menos, lógico, você tenha herdado propriedades e recursos privados. Nesse caso, seus antecedentes suaram. E você simplesmente obteve a “sorte do berço”. Fazer o que contra o destino, né?

Mesmo se as razões políticas para a oposição à política de criação de emprego via gastos governamentais fossem superadas, sob a pressão dos votos dos párias eleitores, em uma democracia, a manutenção do pleno emprego aumentaria o poder de barganha sindical. Isso daria um novo impulso à oposição dos líderes empresariais.

Com efeito, sob um regime de pleno emprego permanente, a demissão deixaria de desempenhar o seu papel-chave. É usada como “medida disciplinar” preventiva contra a organização sindical dos trabalhadores.

Com pleno emprego e elevação do poder de barganha sindical o status social do patrão seria prejudicado pelo aumento de seus custos caso eles não fossem repassados para os preços. A autoconfiança e a consciência do Éthos da casta dos trabalhadores organizados cresceriam. As greves por aumentos salariais e melhorias nas condições de trabalho criariam tensão política.

Sob o ponto de vista microeconômico, os lucros seriam mais elevados sob um regime de pleno emprego em relação à média em hipotético livre mercado com desemprego. O aumento dos salários decorrente do maior poder de barganha dos trabalhadores é menos propenso a reduzir os lucros por causa do repasse dos custos aos preços.

Porém, nesse caso haveria inflação e afetaria negativamente os interesses rentistas dos acionistas de empresas não-financeiras também carregadores de títulos de dívida pública com juros prefixados. Elevaria o risco de eutanásia dos rentistas com a taxa de inflação superior à taxa de juro prefixada.

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Kalecki argumenta a “disciplina nas fábricas” e a “estabilidade política” serem mais apreciadas em comparação aos lucros pelos líderes empresariais. Seu instinto de classe lhes diz um pleno emprego duradouro ser inaceitável a partir do seu ponto de vista.

Então, o desemprego seria uma parte integrante da condição de normalidade da economia de mercado. Em um sistema complexo, se um setor de bens intermediários já utilizar toda sua capacidade produtiva ele será uma barreira para os setores dependentes de seu fornecimento também alcançarem o pleno emprego se não tiverem capacidade de importação para suprir a carência desses bens.

Talvez o argumento possa ser atualizado para a Era da Financeirização. O combate à inflação torna-se o argumento principal, devido ao risco da eutanásia dos rentistas. Elevação de custos e diminuição de lucros produtivos podem ser uma notícia desfavorável à atribuição de valor às ações no mercado secundário. A raquítica bolsa de valores, em economia de endividamento e não de mercado de capitais, está mais sob influência do mercado de rumores e boatos – e não sob fundamentos microeconômicos, setoriais ou macroeconômicos.

Pior, algo inimaginável de ser repetido na história, dada sua catástrofe em vidas humanas, ressurgiu novamente a partir dos efeitos mundiais da Grande Crise de 2008. Segundo Kalecki, “uma das funções importantes do fascismo, como tipificado pelo sistema nazista, foi remover as objeções capitalistas ao pleno emprego”.

A aversão à política de gastos do governo, componente fundamental da ideologia neoliberal, é superada sob o neofascismo eleito. Nesse caso, a máquina do Estado passa a estar sob o controle direto de uma aliança das grandes corporações com os extremistas de direita. A necessidade do mito das “finanças públicas saudáveis”, antes capaz de impedir o governo de ocasião, inclusive sob hegemonia trabalhista, de causar uma crise de confiança, devido aos gastos públicos, é removida.

“Em uma democracia, não se sabe como será o próximo governo. Sob o fascismo não há próximo governo”, disse Kalecki.

No caso do fascismo belicoso, a antipatia aos gastos do governo, seja em investimento público, seja em subsídio ao consumo popular, é superada pela concentração dos gastos governamentais em armamentos. No caso de abandono da democracia, a “disciplina nas fábricas” e a “estabilidade política” sob o pleno emprego são mantidas pela “nova ordem” com violência fascista. Varia de supressão dos sindicatos aos campos de concentração. A supressão política substitui a pressão econômica do desemprego.

A indústria bélica, em geral, se torna a espinha dorsal da política de pleno emprego fascista. Ela tem uma profunda influência sobre o caráter da política econômica de pleno emprego sob tacão.

“Armamentos em larga escala são inseparáveis da expansão das Forças Armadas e da preparação de planos para uma guerra de conquista. Eles também induzem o rearmamento competitivo de outros países. Isso faz o objetivo principal do dispêndio mudar gradualmente do pleno emprego para maximizar o rearmamento”, disse Kalecki.

Como resultado, o emprego cresce em ritmo muito maior. Não só é o desemprego abolido, mas uma aguda escassez de mão de obra prevalece. Gargalos surgem em todas as atividades. Estes são tratados através de inúmeros de controles, inclusive de salários.

Esse tipo de planejamento militar tende a aparecer sempre quando, em uma economia de mercado transformada em “economia de guerra”. É quando se estabelece uma alta meta de produção em uma atividade particular como a indústria bélica. Envolve uma redução do consumo em comparação ao possível de ocorrer sob o pleno emprego.

O sistema fascista começa com aceitação popular por causa da superação do desemprego. Desenvolve-se em uma economia de armamentista até levar à escassez de mão-de-obra. Submetida à lógica militar, termina, inevitavelmente, em guerra, seja externa, seja interna, e em um tremendo fracasso histórico, depois de imensa mortandade. 

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