Biometano é testado no Brasil como insumo de saneamento
No Brasil, apenas cerca de 2% do potencial de biogás é utilizado. As principais fontes são os resíduos agrícolas, encabeçados pelos canaviais e excrementos de animais, aterros sanitários e esgotos urbanos. Atualmente, o país continua com 44,2% de sua população de 203 milhões de habitantes sem rede de esgoto. (Foto caminhonete da Sabesp de Franca, abastecida com…
FRANCA, Brasil – A cidade de Franca é um exemplo de saneamento básico no Brasil. Além de ter universalizado a água tratada e o esgoto para seus 352,5 mil habitantes, ela extrai biogás da água residual e a refina para obter combustível para os seus próprios veículos.
O biometano, o produto final, também chamado de gás natural renovável por alguns produtores, substitui os hidrocarbonetos fósseis e já movimenta 40 carros da Companhia Pública de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) em Franca, no nordeste do estado.
A Sabesp Franca produz biogás em sua principal estação de tratamento de esgoto (ETE) desde sua inauguração em 1998; mas, há 20 anos, o queima para evitar contaminação. Em 2018, começou a purificá-lo para abastecer inicialmente 19 viaturas.
A cidade tornou-se símbolo de bom saneamento ao alcançar o primeiro lugar no ranking dos 100 maiores municípios brasileiros, elaborado pelo não governamental Instituto Trata Brasil, que acompanha a situação do setor e divulga o seu conhecimento.
De 2015 a 2020, Franca se manteve na liderança, mas caiu nos anos seguintes até chegar à nona posição em 2023, no relatório divulgado em março. A redução dos investimentos em relação à renda foi um dos fatores dessa queda, mas a cidade continuou com a maior pontuação em nove dos 12 itens avaliados.
O principal motivo da queda, segundo a presidente-executiva do Instituto, Luana Pretto, foi o índice de perda de água na distribuição, em 28,89% na cidade. A meta é 25%. O item também é medido pelas perdas em cada ligação, no que a cidade vai bem, mas a avaliação mede os dois indicadores.
“A competição é forte entre os primeiros colocados. Os primeiros no ranking ficam ainda melhores, enquanto os últimos pioram. As primeiras, com sistemas consolidados, têm mais capacidade de investir em ampliações e melhorias. É preciso muito investimento vindo de baixo”, afirmou Pretto à IPS, da vizinha São Paulo.
Alex Veronez, gerente distrital da empresa de Sabesp, em seu escritório na cidade de Franca, sudeste do Brasil. A produção de biometano a partir de efluentes é um “laboratório” a ser replicado após a verificação de sua viabilidade econômica e técnica, além de produzir melhorias como a secagem do lodo para convertê-lo em biofertilizante. Imagem: Mario Osava/IPS.
Biogás complementa o saneamento
O fato de extrair o biogás da água de esgoto e utilizar o biometano, no que a Sabesp Franca é pioneira no Brasil e na América Latina, melhoraria sua classificação porque complementa o saneamento, reconheceu. Mas ele não está incluído na classificação.
Franca permanece sozinha na produção de biometano a partir de esgoto entre os 5.575 municípios do Brasil, inclusive o sistema Sabesp, responsável pelo saneamento básico em 375 municípios do estado de São Paulo, com um total de 28 milhões de habitantes.
“Somos um laboratório, um projeto-piloto que a Sabesp vai replicar em outras unidades quando for verificada a viabilidade econômica e técnica, e estiver consolidada a qualificação e a regulamentação do biometano”, explica Alex Veronez, gerente distrital da Sabesp em Franca, responsável pela a operação em 16 municípios.
A planta de biometano foi inaugurada em 2018, graças a uma parceria com o alemão Fraunhofer Institute, que forneceu os equipamentos de refino e armazenamento, enquanto a Sabesp fez as obras necessárias e adaptou seus veículos ao biocombustível. Os investimentos totalizaram sete milhões de reais (1,5 milhão de dólares pelo câmbio atual) e o retorno é estimado em sete anos.
Lagoa de decantação, primeira etapa do tratamento do efluente que passa por outros processos até que esteja limpo o suficiente para ser devolvido ao rio, na Estação de Tratamento de Esgoto de Franca, município do sudeste do Brasil. Fica o lodo que vai para os biodigestores onde é produzido o biogás. Imagem: Mario Osava/IPS
O benefício é principalmente ambiental. O Centro Internacional de Energias Renováveis-Biogás estima que o biometano reduz a poluição causada pela gasolina em 90%. Sua produção é apenas a parte final da estação de tratamento de 550 litros por segundo de água residual, cerca de 85% do total para Franca. Inclui vários processos e inúmeras lagoas para decantação e oxigenação que aumentam a reprodução dos microorganismos necessários para a produção de biogás em três grandes biodigestores.
Biofertilizante requer qualificação
O lodo que passa pela biodigestão que extrai os gases pode virar fertilizante. Ele foi distribuído aos agricultores nessa condição durante os 13 anos iniciais da ETE, até que novas normas do Ministério da Agricultura e Pecuária para fertilizantes impedissem o uso.
Desde então, esse lodo é descartado no aterro sanitário da cidade, um resíduo que também tem custos de transportes, é um material pesado devido a sua umidade de 80%. Um tratamento de compostagem, eliminando impurezas como coliformes fecais, poderia qualificá-lo como biofertilizante, mas isso foi inviabilizado devido ao custo. “Gastamos muito para levar a água para o aterro”, lamentou Veronez em conversa com a IPS em seu escritório da Sabesp na cidade gaúcha.
Para economizar e criar melhores condições para converter o lodo em fertilizante, a Sabesp Franca está implantando um novo sistema de secagem, já adquirido e em fase de instalação, além de reformar uma estufa que seca com energia solar térmica.
A Estação de Tratamento de Esgoto de Franca, no sudeste do Brasil, possui três grandes biodigestores de onde é extraído o biogás do lodo, onde até os microorganismos que fazem a biodigestão se reproduzem, num processo que acabará por dar origem ao biometano. Imagem: Mario Osava/IPS
“Isso vai permitir secar 90 toneladas de lama por dia”, anunciou o gerente. Economiza o transporte e representa um avanço para a autorização do composto, um produto adicional que seria adicionado ao biometano no aproveitamento de resíduos orgânicos.
Por enquanto, apenas veículos leves da própria Sabesp consomem biometano. Testes bem-sucedidos foram realizados em um ônibus da empresa sueca Scania. A Suécia é um país que utiliza amplamente o biocombustível em seus veículos pesados.
Mas a empresa de saneamento não pensa na comercialização do biometano. É para uso próprio. A Sabesp tem muitos veículos e consumo de energia que vai demandar todo o biogás e biometano que ela produz no futuro, ponderou o engenheiro civil Veronez.
Muitos são os desafios para o aproveitamento integral dos gases de esgoto urbano, incluindo a organização do mercado e a regulamentação da atividade que, ao contrário da Europa, é recente no Brasil. O biogás avançou mais nos aterros sanitários, principalmente para geração de energia. Em alguns casos, ele é convertido em biometano.
Potencial energético do saneamento
No Brasil, apenas cerca de 2% do potencial do biogás ainda é utilizado, estima a Associação Brasileira de Biogás (Abiogás). As principais fontes são os resíduos agrícolas, encabeçados pelos canaviais e excrementos de animais, aterros sanitários e esgotos urbanos.
Dentro do equipamento, a Estação de Tratamento de Esgoto de Franca, para processamento do biogás que gera o biometano, gás classificado como gás natural renovável e que já substitui experimentalmente o combustível fóssil em cerca de 40 veículos da empresa. Imagem: Mario Osava/IPS
Mas o potencial do saneamento básico, limitado em relação à agricultura e aos aterros sanitários, tende a aumentar caso for cumprida a meta de universalização até 2033, estabelecida pelo marco regulatório do setor, aprovado pelo Congresso Legislativo em 2020.
O Brasil continua atualmente com 44,2% de sua população de 203 milhões de habitantes sem rede de esgoto. A meta da Estrutura de Saneamento aprovada pelo Congresso em 2020 é que pelo menos 90% tenham acesso ao tratamento de águas residuais até 2033.
As metas de universalização da água tratada são mais viáveis porque já atingem mais de 85% do total. O problema são as secas que se tornaram mais frequentes com as mudanças climáticas.
“Franca se surpreendeu com a seca de 2014, uma experiência inédita porque não sabíamos os limites das nascentes, as medições eram insuficientes”, reconheceu Veronez.
A segurança hídrica melhorou com a inauguração, em junho de 2022, de uma nova estação de tratamento de água que capta água do rio Sapucaí-Mirim, o maior da região. Até agora, o abastecimento local dependia basicamente do rio Canoas, um rio menor, que corta o município.
A nova captação atenderá 30% da população, mas será conectada ao sistema antigo para compensar eventuais reduções de vazão de outras fontes, explicou o gerente da Sabesp Franca.
Artigo publicado originalmente na Inter Press Service
https://ipsnoticias.net/2023/07/el-biometano-se-prueba-en-brasil-como-insumo-de-saneamiento/
É correspondente da IPS desde 1978, e está à frente da editoria Brasil desde 1980. Cobriu eventos e processos em todas as partes do país e ultimamente tem se dedicado a acompanhando os efeitos de grandes projetos de segurança, infraestrutura que refletem opções de desenvolvimento e integração na América Latina.