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Crônicas antieconô­micas, novo livro de Belluzzo e Caixeta.

Crônicas antieconô­micas, novo livro de Belluzzo e Caixeta.

Leia a Introdução do novo livro dos professores Luiz Gonzaga Belluzzo e Nathan Caixeta, lançado pela editora Contracorrente. O olhar de gerações diferentes, produzindo cerca de 40 textos, inclusive uma entrevista, em que se articula rap, literatura, cinema e futebol para se discutir Economia Política.

INTRODUÇÃO

CRÍTICA À ECONOMIA POLÍTICA: UMA VISÃO DA ANTIECONOMIA

Instigados pela leitura da entrevista do filósofo Franco Bifo Be­rardi, publicada pelo Instituto Unisinos e intitulada O pensamento crítico morreu, entregamos ao leitor uma breve introdução ao espírito da obra que ele tem em mão, nossas Crônicas antieconô­micas, esperando que esse livro de crônicas refresque o deserto de ideias do pensamento econômico contemporâneo no Brasil e no Mundo. Ainda, anotamos a valiosa contribuição e amizade de Gabriel Galípolo, ponta de lança de nosso tridente ofensivo contra as imposturas economicistas.

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A crítica à Economia Política nasceu com Marx em 1859, oito anos antes da publicação do primeiro volume de O Capital.1

1 Marx já havia escrito trabalhos preparatórios anteriores que chegaram a nossas mãos muito tardiamente. Por isso, aqui é considerado como início da crítica o ensaio Contribuição à Crítica da Economia Política, de 1859. Mas poderíamos bem situar os Cadernos de Paris e os Manuscritos Econômicos-Filosóficos, escritos de 1843-1844. Antes ainda, na Miséria da Filosofia, Marx incorpora o conjunto de ele­mentos fundados pela Economia Política de Adam Smith e Ricardo como agenda de reflexão essencial para sua filosofia da práxis.

Dando os devidos préstimos aos seus antecessores, Marx encontra no materialismo histórico e na dialética hegeliana as ferramentas para romper com o circuito hermeticamente fechado da visão clássica da Economia Política, empreendendo sua crítica no percurso de desvelamento das categorias concretas de determi­nação do modo de funcionamento do capitalismo.

A Economia Política clássica de Smith e Ricardo nasce em oposição ao mercantilismo, como crítica ao Antigo Regime, para se transformar, pelas mãos de seus seguidores, em uma teoria de justificação (e conservação) do capitalismo e de seu sistema de dominação baseado na igualdade formal do trabalho, como forma de ocultação da desigualdade na distribuição da riqueza, dos meios de produção e de subsistência.

A crítica de Marx, ao desenrolar as categorias ocultadas pela forma-valor, está na raiz daquilo que Bifo Berardi chamou “morte do pensamento crítico”: a ocultação da exploração do trabalho pela figura universal do dinheiro, produz uma forma de dominação social que embaraça as incursões do indivíduo moderno pelo mundo livre, aprisionando a autonomia do ser aos aspectos materiais da vida, o trabalho, o dinheiro e o consumo desenfreado como sinônimo de felicidade.

A ciência econômica aprofundou suas raízes clássicas ao transformar a “teoria de justificação do capitalismo” em uma jaula para o pensamento crítico, cujas barreiras Belluzzo e Galípolo bem identificaram no livro A escassez na abundância capitalista. (2)

2 BELLUZZO, Luiz Gonzaga; GALÍPOLO, Gabriel. A escassez na abundância capitalista. São Paulo: Contracorrente, 2019.23

Esses quatro postulados asseguraram aos cientistas econômicos a capacidade de, duplamente, ignorar as perturbações do dinheiro sobre a “Economia real”, e produzir um tipo de pensamento do­minante, ausente de espírito crítico, que se propõe a justificar as desigualdades do capitalismo pelo entrelace entre o equilíbrio natural da economia gerado no universo das trocas, espaço onde os indivíduos racionalmente dispostos a maximizar sua utilidade e seu lucro (bem-estar) se defron­tam livremente para realizarem sua autonomia material.

O pensamento acrítico domina o debate econômico do marginalismo de Jevons e Walras, passando pelos austríacos Bohm-Bawerk e Von Mises, pelo monetarismo de Friedman, pelos delírios expectacionais de Robert Lucas até chegar ao No­vo-keynesianismo (tão bastardos quanto os antigos), tipos como Lawrence Summers, Olivier Blanchard e Joseph Stiglitz. As di­ferenças teóricas que os separam aparecem como tonalidades da mesma cor cinzenta que decora o edifício de suas semelhanças, erguido pela crença da Economia como ciência capaz de capturar e prever o comportamento humano.

O edifício da ciência econômica, protegido pela gaiola de seus pressupostos, transforma seus habitantes em profetas da prosperidade que defendem o sistema desigual de distribuição da riqueza, centrado no direito de propriedade como eixo da ordem social. O resultado desta autofagia teórica dos economistas é a impossibilidade do pensamento crítico, reflexo do fenômeno de­nunciado por Bifo Berardi:

Quando o processo de comunicação se torna vertiginoso, assente em multicamadas e extremamente agressivo, deixa­mos de ter tempo material para pensarmos de uma forma emocional e racional. Ou seja, o pensamento crítico morreu! É algo que não existe nos dias de hoje, salvo em algumas

áreas minoritárias, onde as pessoas podem dar-se ao luxo de ter tempo e de pensar.(3)

3 BERANDI, Frannco. O pensamento crítico morreu. Entrevistadora: Suzana M Rocca. Instituto Humanitas Unisinos, 2018. Duração: 1h 41min.

A ausência da crítica dentre os economistas é, portanto, reflexo das transformações da razão substantiva (e crítica) numa espécie de razão instrumental, subitamente econômica, como ensina André Gorz. Tal racionalidade é centrada na objetivação do comportamento humano direcionada à finalidade do cálculo impessoal entre “prazer e dor”. A razão instrumental, incorporada no método econômico, transforma o pensamento sobre as categorias materiais que encobrem as relações sociais numa ciência econômica, como guia da decisão e da conduta, retirando do sujeito (pessoa) a responsabilidade por seus atos. Transformando-o em um funcionário do capital, encarnação da racionalidade econômica, segundo Gorz. (4)

4 GORZ, André. As metamorfoses do trabalho: crítica da razão econômica. São Paulo: Annablume, 2003, p. 123.

Ao propormos a provocação da Antieconomia como retorno a crítica da Economia Política, nos deparamos com a emergência da reflexão sobre a validade da razão instrumental em ser capaz de capturar o comportamento humano, de modo a contribuir com a estrutura de dominação político-financeira do capital mediante o oferecimento da justificativa dessa estrutura para a manutenção do equilíbrio natural da ordem social entre indivíduos livres e racionais.

Citando novamente Bifo Berardi, sua ratificação da premissa de Keynes de que “o inevitável geralmente não acontece porque o imprevisível prevalece”, permite, finalmente, liberar a ode antie­conômica contra as imposturas economicistas.

O pensamento crítico só é possível a partir da compreensão das estruturas que ordenam a realidade, encobrindo suas contradi­ções pelo embaçamento entre o concreto e o abstrato, o universal e o particular. Tais categorias são determinações que aparecem sobrepostas no intercurso da vida cotidiana, tornando as contra­dições no plano social invisíveis às vistas da lógica formal e da razão instrumental. É somente pelo esforço de saturação dessas categorias, no ato da investigação intelectual, que somos capazes de apreender a concretude daquilo que está oculto, através da observação do movimento contraditório das estruturas.

A predição do comportamento humano aprisionada no calabouço matemático dos modelos de equilíbrio, a suposição da razão humana como expressão do cálculo moral entre prazer e dor, são ferramentas inadequadas para capturar tais movimentos, levando os economistas tradicionais a abdicar da crítica em favor da produção de opiniões (pagas a peso de ouro) para justificar “cientificamente” as desigualdades materiais, políticas e sociais que estão implícitas no movimento do capitalismo.

Numa visão antieconômica, parece prudente relembrar a precariedade do conhecimento humano. Como advertiu Keynes, tal lembrança remete a um fato tão simples, que deveria ser ób­vio. A luta pela reposição da crítica no centro das investigações econômicas supõe que voltemos os olhos para a realidade, para a história e, sobretudo, para uma prática intelectual que tenha por fundamento a luta política. Assim, podemos compreender, como anotou José Paulo Netto em sua brilhante biografia sobre Marx: (5)

5 NETTO, José Paulo. Karl Marx: uma biografia. São Paulo: Boitempo, 2020.

que o esforço intelectual está na representação ideal (intelectual) do movimento real da sociedade, invocando-nos para algo além da “enteléquia”, isto é, para a luta política real que está no fundamento de toda e qualquer atividade intelectual verdadeiramente crítica e honesta.

Referências bibliográficas

BELLUZZO, Luiz Gonzaga; GALÍPOLO, Gabriel. A escassez na abundância capitalista. São Paulo: Contracorrente, 2019.

BERANDI, Frannco. O pensamento crítico morreu. Entrevistadora: Suzana M Rocca. Instituto Humanitas Unisinos, 2018. Duração: 1h41min.

GORZ, André. As metamorfoses do trabalho: crítica da razão econômica. São Paulo: Annablume, 2003.

NETTO, José Paulo. Karl Marx: uma biografia. São Paulo: Boitempo, 2020.

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