Formas de manutenção da riqueza mundial
O estoque de riqueza mundial foi estimada em US$ 454,38 trilhões, quase seis vezes a soma dos PIBs de todos os países (US$ 83,38 trilhões), isto é, o fluxo de renda em 2022. Para entendimento da economia mundial, é interessante descobrir em quais ativos – formas de manutenção de riqueza – ele se aloca.
Minha hipótese é apenas uma pequena parcela ser direcionada para a Formação Bruta de Capital Fixo, o investimento multiplicador de renda. Evidentemente, o ritmo de crescimento do valor adicionado a cada ano é inferior ao ritmo de acumulação de capital financeiro, por exemplo, com base em juros compostos: os juros são aplicados não apenas ao valor inicial investido, mas também aos próprios juros acumulados ao longo do tempo.
A riqueza mundial é alocada em grande variedade de investimentos financeiros. Embora a maior parte seja em ações, representativas de participações de propriedade em empresas de capital aberto, não se limita a elas. Os investidores compram ações tanto para receber dividendos dos lucros das empresas quanto para obter ganho de capital, caso o valor das ações aumente ao longo do tempo, ou seja, vender mais caro diante dos preços pelos quais foram compradas.
Os títulos são instrumentos de dívida, emitidos por governos (títulos de dívida pública) e empresas (títulos de dívida direta como debêntures). Além desses títulos de governo federal e títulos corporativos, em alguns países, há títulos estaduais e municipais, além de outros tipos de dívida. Os investidores em títulos recebem pagamentos periódicos de juros e, no vencimento, recebem o valor principal do título de volta.
Por exemplo, os títulos de dívida pública brasileiros tinham a seguinte composição em 2023: com taxa flutuante (pós-fixados) 40%; com índices de preços (misto) 30%; prefixados 26%; câmbio 4%. O prazo médio do estoque de dívida estava em 4 anos, porém, o dos prefixados eram de 3 anos, o dos pós-fixados de 3,5 anos; e o dos índices de preços e de câmbio 7,5 anos.
Menos de ¼ deles duravam mais de 5 anos. Daí a base de detentores da DPMFi (Dívida Públicas Mobiliária Federal interna) – instituições financeiras 30%, fundos de investimento 24%, fundos de previdência 23%, não-residentes 10%, governo 4%, seguradoras 4%, outros 6% – renovam suas carteiras de títulos periodicamente.
O mercado de investimentos em curto prazo inclui depósitos de poupança (44% dos clientes e 21% do valor total), Certificados de Depósito Bancário (CDBs, respectivamente 21% e 56%), títulos de securitização (LCI/CRI, LCA/CRA, 1% e 17%), outras Letras (LC e LH) e depósitos à vista (29% e 7%) do mercado monetário. Esses investimentos em renda fixa são considerados menos arriscados diante da renda variável das ações, mas geralmente oferecem retornos mais baixos.
Outros investimentos são em imóveis: propriedades residenciais, comerciais e industriais. Para os investidores não imobilizarem recursos na compra direta deles, eles investem em Fundos de Investimentos Imobiliários (FIIs). Oferecem exposição ao mercado imobiliário sem a necessidade de manter as propriedades físicas.
Há também investimentos em commodities, entre outras, produtos básicos de exportação como petróleo, trigo, milho, café etc. Os especuladores investem em fundos de commodities para obter exposição a esses mercados, inclusive em ouro.
Finalmente, cabe perguntar: de onde vem o dinheiro aplicados em criptomoedas, como Bitcoin, Ethereum e outras? São moedas digitais descentralizadas porque utilizam blockchain. São compradas e vendidas em exchanges especializadas.
Aproveitando suas características de anonimato e descentralização, as moedas digitais são utilizadas para “lavagem de dinheiro sujo”. Esse dinheiro ilegal é obtido de forma ilícita ou por meio de atividades criminosas.
Pode vir de várias fontes como o tráfico de drogas, o contrabando, o roubo, a fraude, a corrupção, o terrorismo, entre outros crimes. O dinheiro sujo é usado para financiar (e multiplicar) atividades criminosas adicionais em todo o globo.
A lavagem de dinheiro é o processo de tornar “limpo” o dinheiro obtido ilegalmente, ou seja, legalmente aceitável. Entre as várias maneiras pelas quais o dinheiro sujo pode ser lavado há a estruturação de transações: dividir grandes somas de dinheiro em quantias menores para evitar a detecção por instituições financeiras e autoridades reguladoras.
Seus detentores fazem negócios fictícios ou de fachadas: usam empresas legítimas ou “de papel” para disfarçar sua origem. Compram também propriedades, imóveis ou ativos valiosos para ocultar a origem do dinheiro ilegal. Foi o caso conhecido da família do ex-presidente nas tentativas de ocultar suas “rachadinhas”.
Criminosos também apostam ou jogam em cassinos para manipular o dinheiro ilegal como fosse fundo de origem legítima. É crucial mover o dinheiro sujo para contas offshore ou em jurisdições com leis mais permissivas, visando dificultar o rastreamento.
Para facilitar essas transferências internacionais, usam criptomoedas de modo a esconder o dinheiro ilegal de forma anônima. Quando alguém faz uma transação com criptomoedas, como enviar bitcoins para outra pessoa, essa transação precisa ser verificada para garantir ser legítima e o dinheiro ser transferido corretamente.
Nesse método, o sonegador utiliza serviços de “mixagem”(Bitcoin Mixing ou tumbling) para embaralhar suas transações de Bitcoin com as de outras pessoas, tornando difícil rastrear a origem. Faz transações offshore ao transferir Bitcoin para exchanges localizadas em jurisdições com leis de sigilo bancário frágeis, menos supervisão regulatória e facilitadoras da conversão em moeda fiduciária sem questionar origem.
Criminosos também convertem Bitcoin em cartões pré-pagos para usá-los à vontade. Retiram dinheiro em caixas eletrônicos ATM Bitcoin e acessam dinheiro em espécie sem deixar rastro direto até a origem.
Usam Bitcoin para financiar negócios legítimos, como empresas de fachada, e depois utilizam os lucros dessas empresas para ocultar a origem do dinheiro sujo. Outra fraude está em ICOs (Ofertas Iniciais de Moedas) para levantar fundos ilícitos a ser convertidos em Bitcoin.
Todas as transações realizadas com criptomoedas são agrupadas em blocos. Cada bloco contém várias transações. Os mineradores são pessoas ou computadores para verificar e processar essas transações. Eles competem para resolver problemas matemáticos complexos e adicionar um novo bloco à blockchain, um registro público de todas as transações.
No caso do Bitcoin e de algumas outras criptomoedas, os mineradores usam um método chamado Prova de Trabalho. Eles têm de resolver problemas matemáticos difíceis, usando muita energia e poder computacional a serviço do mal.
O primeiro minerador ao resolver o problema matemático corretamente adiciona um novo bloco à blockchain e é recompensado com novas moedas, como bitcoins. Essa é a maneira como novas moedas são criadas e como os mineradores são incentivados a continuar verificando as transações.
Além de criar as moedas digitais, a mineração de criptomoedas também ajuda a manter o sistema seguro e descentralizado. Torna difícil para qualquer pessoa falsificar transações ou tentar roubar criptomoedas. No caso, falseia o provérbio: “ladrão ao roubar ladrão tem cem anos de perdão”…
O combate ao dinheiro sujo deveria ser uma preocupação global, visto como uma parte crucial dos esforços para combater o crime organizado e proteger a integridade do sistema financeiro. Mas autoridades em paraísos fiscais não se interessam por implementar leis e regulamentações no sentido de combater a lavagem de dinheiro e o financiamento do terrorismo, dentro de suas fronteiras.
Os governos interessados exigem as instituições financeiras relacionarem transações suspeitas e implementarem medidas de devida diligência para prevenir o uso de dinheiro sujo. No Ministério da Fazenda do governo brasileiro, há o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF) para executar tal missão.
A riqueza mundial está em contínua busca de quaisquer ativos para ser alocada. As escolhas variam de acordo com o caráter dos investidores, seus objetivos financeiros, tolerância ao risco e condições econômicas globais. Nem sempre resultam em valor adicionado com emprego de trabalho, mas sim em improdutivas transferências de propriedades privadas.
Fernando Nogueira da Costa é professor titular do Instituto de Economia da UNICAMP. Obras (Quase) Completas em livros digitais para download gratuito em http://fernandonogueiracosta.wordpress.com/). E-mail: [email protected].