Homens mais ricos duplicam riqueza, enquanto as mulheres sofrem maior desigualdade
Relatório da Oxfam traz a conta: mulheres ganham apenas 51 centavos para cada US$ 1 recebido pelos homens. A riqueza acumulada por eles supera a delas em US$ 105 trilhões, mais de quatro vezes a economia dos EUA.
POR THALIF DEEN
NAÇÕES UNIDAS, 15 de janeiro de 2024 (IPS) – Os ricos do mundo estão ficando progressivamente mais ricos enquanto os pobres do mundo continuam a ficar cada vez mais pobres.
Em um novo relatório, divulgado em 15 de janeiro, a Oxfam afirma que a riqueza dos cinco homens mais ricos dobrou desde 2020, enquanto cinco bilhões de pessoas ficaram mais pobres em uma “década de divisão”.
O estudo, publicado para coincidir com o Fórum Econômico Mundial em Davos, um encontro anual composto em sua maioria pelas elites empresariais do mundo, lista os cinco bilionários mais ricos: Elon Musk US$ 245,5 bilhões, Bernard Arnault e família US$ 191,3 bilhões, Jeff Bezos US$ 167,4 bilhões, Larry Ellison US$ 145,5 bilhões e Warren Buffett US$ 119,2 bilhões – totalizando cerca de US$ 869 bilhões em ativos.
A fortuna deles aumentou 114% desde 2020, enquanto a pobreza entre os mais pobres levará mais de 229 anos para ser erradicada, afirmou a Oxfam, uma organização global que luta contra a desigualdade para acabar com a pobreza e a injustiça.
A Oxfam prevê que o mundo poderia ter seu primeiro trilionário em apenas uma década, enquanto levaria mais de dois séculos para acabar com a pobreza.
Questionada sobre a situação das mulheres em um mundo de crescentes desigualdades econômicas, Rebecca Riddell, líder de políticas de justiça econômica e racial na Oxfam America, disse à IPS: “As mulheres pagam o preço mais alto por uma economia global quebrada”.
Globalmente, os homens possuem US$ 105 trilhões a mais em riqueza do que as mulheres – o equivalente a mais de quatro vezes o tamanho da economia dos EUA – e as mulheres ganham apenas 51 centavos para cada US$1 recebido pelos homens.
“As mulheres são também especialmente prejudicadas pelas políticas que alimentam a nossa crise de desigualdade, como os benefícios fiscais para ricos e os cortes nos serviços públicos”, complementou Riddell, uma das autoras do relatório da Oxfam sobre desigualdade e poder corporativo global.
As mulheres também realizam a grande maioria do trabalho não remunerado de cuidado, uma atividade vital para manter as comunidades e as economias em funcionamento, e esse trabalho é constantemente subvalorizado no local de trabalho, observa.
“Descobrimos que levaria 1.200 anos para que as mulheres que atuam nos setores social e da saúde recebessem o mesmo que fatura um CEO médio das maiores empresas da Fortune 100, em apenas um ano”, apontou.
A Oxfam insta a uma nova era de ação pública, incluindo serviços públicos, regulamentação corporativa, quebra de monopólios e implementação de impostos permanentes sobre riqueza e lucros excessivos.
O estudo revela que sete em cada dez das maiores corporações do mundo têm um bilionário como CEO ou acionista principal. Essas corporações valem US$10,2 trilhões, o equivalente a mais do que o PIB combinado de todos os países da África e da América Latina.
“Estamos testemunhando o início de uma década de divisão, com bilhões de pessoas suportando as ondas de choque econômicas da pandemia, inflação e guerra, enquanto as fortunas dos bilionários aumentam. Essa desigualdade não é acidental; a classe bilionária garante que as corporações entreguem mais riqueza a ela à custa de todos os outros”, aponta Amitabh Behar, diretor-executivo interino da Oxfam International.
“O poder corporativo desenfreado e o poder monopolista são uma máquina geradora de desigualdade: ao espremer os trabalhadores, evitar impostos, privatizar o estado e incentivar a quebra climática, as corporações estão canalizando riqueza interminável para seus proprietários ultrarricos. Mas eles também estão canalizando poder, minando nossas democracias e nossos direitos. Nenhuma corporação ou indivíduo deveria ter tanto poder sobre nossas economias e nossas vidas – para deixar claro, ninguém deveria ter um bilhão de dólares”, observou ele.
O estudo também destaca o seguinte:
Apesar de representarem apenas 21% da população global, os países ricos do Norte Global detêm 69% da riqueza global e são lar de 74% da riqueza bilionária do mundo.
A posse de ações beneficia esmagadoramente os mais ricos. O top 1% possui 43% de todos os ativos financeiros globais. Eles detêm 48% da riqueza financeira no Oriente Médio, 50% na Ásia e 47% na Europa.
Refletindo as fortunas dos super-ricos, grandes empresas estão prestes a quebrar seus recordes anuais de lucro em 2023. 148 das maiores corporações do mundo juntas arrecadaram US$ 1,8 trilhão em lucros líquidos totais no ano até junho de 2023, um salto de 52% em comparação com os lucros líquidos médios de 2018-2021.
Seus lucros extraordinários dispararam para quase US$ 700 bilhões. O relatório constata que, para cada US$ 100 de lucro obtido por 96 grandes corporações entre julho de 2022 e junho de 2023, US$ 82 foram pagos a acionistas ricos.
Bernard Arnault, o segundo homem mais rico do mundo que preside o império de bens de luxo LVMH, foi multado pela agência antitruste da França. Ele também é dono do maior veículo de comunicação da França, Les Échos, além do Le Parisien.
Aliko Dangote, a pessoa mais rica da África, detém um “quase monopólio” de cimento na Nigéria. A expansão de seu império para o petróleo levantou preocupações sobre um novo monopólio privado.
A fortuna de Jeff Bezos de $167,4 bilhões aumentou $32,7 bilhões desde o início da década. O governo dos EUA processou a Amazon, fonte da fortuna de Bezos, por exercer seu “poder de monopólio” para aumentar os preços, degradar o serviço para os compradores e sufocar a concorrência.
“Os monopólios prejudicam a inovação e prejudicam trabalhadores e pequenos negócios. O mundo não esqueceu como os monopólios farmacêuticos privaram milhões de pessoas de vacinas contra a COVID-19, criando um apartheid racista de vacinas, ao mesmo tempo, em que criava um novo clube de bilionários”, disse Behar.
Pessoas em todo o mundo estão trabalhando mais e por mais horas, muitas vezes por salários de pobreza em empregos precários e inseguros. Os salários de quase 800 milhões de trabalhadores não acompanharam a inflação e esses trabalhadores perderam US$ 1,5 trilhão nos últimos dois anos. Isso equivale a quase um mês (25 dias) de salários perdidos para cada trabalhador, conforme a Oxfam.
O relatório também mostra como a “guerra contra a tributação”, por parte das corporações, viu a taxa de imposto corporativo efetiva cair cerca de um terço nas últimas décadas, enquanto as corporações privatizaram implacavelmente o setor público e segregaram serviços como educação e água.
“Temos as evidências. Conhecemos a história. O poder público pode conter o poder corporativo desenfreado e a desigualdade – moldando o mercado para ser mais justo e livre do controle de bilionários. Os governos devem intervir para quebrar monopólios, capacitar os trabalhadores, tributar esses lucros corporativos maciços e, crucialmente, investir em uma nova era de bens e serviços públicos”, disse Behar.
“Cada corporação tem a responsabilidade de agir, mas muito poucas estão agindo. Os governos precisam intervir. Há exemplos que os parlamentares podem aprender, desde órgãos governamentais antimonopólio dos EUA processando a Amazon, em um caso histórico, até a Comissão Europeia exigindo que o Google divida os seus negócios de publicidade online; além da luta histórica da África para remodelar as regras fiscais internacionais.”
A Oxfam pede que os governos reduzam, rápida e radicalmente, a lacuna entre os super-ricos e o resto da sociedade por meio de:
Revitalizar o Estado. Um estado dinâmico e eficaz é a melhor defesa contra o poder corporativo extremo. Os governos devem garantir a provisão universal de saúde e educação, e explorar bens entregues publicamente e opções públicas em setores que vão da energia ao transporte.
Conter o poder corporativo, incluindo a quebra de monopólios e democratização das regras de patentes. Isso também significa legislar salários dignos, limitar os salários dos CEOs e novos impostos sobre os super-ricos e corporações, incluindo impostos permanentes sobre riqueza e lucros excessivos. A Oxfam estima que um imposto sobre a riqueza dos milionários e bilionários do mundo poderia gerar US $1,8 trilhão por ano.
Reinventar os negócios. Empresas competitivas e lucrativas não precisam estar acorrentadas pela ganância dos acionistas. Empresas democraticamente de propriedade dos trabalhadores igualam melhor os rendimentos dos negócios. Se apenas 10% das empresas dos EUA fossem de propriedade dos funcionários, isso poderia dobrar a participação da metade mais pobre da população dos EUA, incluindo dobrar a riqueza média dos domicílios negros.
Relatório do Escritório da ONU da Inter Press Service.
Thalif Deen, chefe do escritório das Nações Unidas da IPS e diretor regional da América do Norte, cobre a ONU desde o final dos anos 1970. Ex-subeditor de notícias do Sri Lanka Daily News, ele também foi redator editorial sênior do The Standard, com sede em Hong Kong. Ex-oficial de informação do Secretariado da ONU e ex-membro da delegação do Sri Lanka nas sessões da Assembleia Geral da ONU, Thalif é atualmente editor-chefe da revista Terra Viva United Nations – IPS.