Produção e Renda proporcional à Ocupação e Consumo das Famílias
Melhorar a distribuição de renda seria estratégico em uma economia onde os 10% mais ricos recebem uma parcela da massa de rendimentos (42,7%) acima da recebida pelos 80% da população com os menores rendimentos (41,4%). Essencialmente, os mais ricos são rentistas e os mais pobres são consumidores de bens e serviços.
O PIB encerrou o ano de 2022 com crescimento de 2,9% em relação a 2021. No acumulado do ano, o PIB em valores correntes totalizou R$ 9.915,3 bilhões, dos quais R$ 8.568,9 bilhões se referem ao valor adicionado (VA) a preços básicos e R$ 1.346,4 bilhões aos Impostos sobre Produtos líquidos de Subsídios.
Em decorrência desta alta, o PIB per capita alcançou R$ 46.154,6 (em valores correntes) em 2022, um avanço (em termos reais) de 2,2% em relação ao ano anterior. É definido como a divisão do valor corrente do PIB pela população residente no meio do ano.
A dedução é essa população ter sido estimada em 214.827.991 pessoas, bem acima (11,765 milhões ou 5,8%) da população registrada no Censo 2022: 203.062.512 pessoas.
Segundo os dados censitários, a população recenseada aumentou em 12.306.713 pessoas (6,5%) desde 2010 (190.755.799) até 2022. Representa uma taxa de crescimento geométrica de 0,52% ao ano ou uma média anual de 1.025.559.
Caso o PIB de 2022 fosse dividido pela população encontrada no Censo, a renda per capita seria R$ 48.829,00, aumento de 5,8%. Porém, provavelmente a população do ano anterior, bem como as demais das décadas teriam sido superestimadas.
Desse modo, estimei na tabela seguinte a população a cada ano com o aumento da média anual. Em 2022, PIB per capita em lugar de US$ 8.918 seria US$ 9.456.
A tabela acima demarca bem o fim da Era Social-Desenvolvimentista em 2014 e o início do golpismo, a volta da Velha Matriz Neoliberal e suas reformas expropriadoras de direitos trabalhistas, e a aliança dos neoliberais com os neofascistas armados. A extrema-direita assumiu o Poder Executivo de 2019 a 2022 e agravou o retrocesso brasileiro.
No exercício realizado, para calcular nova renda per capita em dólares com base na população recenseada, o valor nominal encontrado ainda fica na quarta pior colocação no ranking do G20 ou Grupo dos 20, formado em 1999 pelos ministros de finanças e chefes dos Bancos Centrais das 19 maiores economias do mundo mais a União Europeia. Só supera a da África do Sul (US$ 6.019), Indonésia (US$ 4.074) e Índia (US$ 2.085).
Permanece abaixo dos demais países do grupo BRICS: Rússia (US$ 10.079) e China (US$ 11.560). É inferior também à renda per capita dos outros países latino-americanos do G20: México (US$ 9.756) e Argentina (US$ 12.932).
Naturalmente, a renda per capita nominal é um indicador dependente do porte da população. Por exemplo, a Suíça (US$ 88.464) e Cingapura (US$ 67.360) superam os Estados Unidos (US$ 62.867). Lideram o ranking do G20 porque suas populações são as menores entre seus membros: Suíça tem 8,7 milhões habitantes e a Cingapura, 5,6 milhões, ou seja, a primeira é inferior à população de São Paulo (11,4 milhões) e a segunda à do Rio de Janeiro (6,2 milhões).
Nesse ranking populacional, em 2022, estavam no primeiro patamar a China (1,412 bilhão) e a Índia (1,361 bilhão) – em 2023, esta superou aquela. No segundo patamar, estavam a Zona Euro (343 milhões) e os Estados Unidos (334 milhões). No terceiro, Indonésia (276 milhões) e Brasil (203 milhões). Em seguida, Rússia (146 milhões), México (129 milhões) e Japão (125 milhões). Todas as demais populações do G20 ficam abaixo dos 85,3 milhões da Turquia e 84,4 milhões da Alemanha, variando de 67,8 milhões da França aos 17,6 milhões da Holanda.
No ranking do PIB, Estados Unidos lideram com US$ 25,5 trilhões seguidos da China com praticamente US$ 18 trilhões e a Zona Euro com US$ 14 trilhões. Caso não considere esta União Europeia, o Brasil ficaria em 11º lugar com US$ 1,9 trilhão.
Somados, o PIB nominal das 10 maiores economias representam mais de dois terços (66%) de toda economia mundial. As 20 maiores contribuem com mais de 80%.
Para ser comparável entre países, usa-se PIB por Paridade dos Poderes de Compra (PPC). Em 2022, a China liderava com US$ 27,2 trilhões, seguida pelos Estados Unidos (US$ 23 trilhões) e Índia (US$ 10,2 trilhões). Bem abaixo, em valor, seguiam o Japão (US$ 5,6 trilhões), Alemanha (US$ 4,9 trilhões), Rússia (US$ 4,5 trilhões), Indonésia (US$ 3,6 trilhões) e o Brasil (US$ 3,4 trilhões) em 8º lugar.
Então, a questão-chave é: por qual razão o país sob esse critério seria uma economia rica, mas pobre sob o critério de PIB PC PPC? Cabe a advertência: o PIB não é um estoque de riqueza existente na economia, como fosse uma espécie de tesouro nacional. Na realidade, ele é um indicador de fluxo de novos bens e serviços finais, produzidos durante um período. Se um país não produzir nada, em um ano, o seu PIB será nulo.
O Brasil produz volume significativo de bens e serviços de acordo com o poder de compra de um dólar aqui. Mas é baixa a produtividade dos fatores de produção ocupados em serviços.
Ao observar a estrutura do PIB a custo de fatores nas estatísticas do século XX, publicadas pelo IBGE, de 1947 a 1989, em fase do processo de urbanização do país, a participação relativa de Serviços flutuou em torno da média anual de 54%. A Indústria Geral saiu de 26% em 1947 e atingiu o pico de 48% em 1985, quando a Indústria de Transformação alcançou 35,9%. A Agropecuária foi perdendo posição na Era Desenvolvimentista de industrialização: caiu do pico de 25% em 1954 até atingir 9,8% em 1989.
Na fase da indústria nascente, pensava-se a economia brasileira se tornar perenemente urbano-industrial. Entretanto, após o desenvolvimentismo, deparou-se com o processo de desindustrialização, quando se impôs a Era Neoliberal em defesa do Estado Mínimo e de total prioridade ao eterno combate à inflação para evitar a “eutanásia dos rentistas”.
Hoje, a renda na economia brasileira é gerada principalmente pelos Serviços. Por definição – “serviço é o encontro do produtor diretamente com o consumidor” –, sua produtividade é baixa.
Porém, esse setor abrange a maior parcela de ocupações (68% em média de 2012 a 2022), divididas em comércio, reparação de veículos automotores e motocicletas (19%), transporte, armazenagem e correio (5%), alojamento e alimentação (5%), informação, comunicação e atividades financeiras, imobiliárias, profissionais e administrativas (11%), administração pública, defesa, seguridade, educação, saúde humana e serviços sociais (17%), serviços domésticos (6%) e outros serviços (5%). Na média da série temporal da PNADC (2012-2022), em média, agricultura, pecuária, produção florestal, pesca e aquicultura ocuparam 10%, a indústria geral 14% e a construção 8%.
Interessante observar a grande correlação dessa participação relativa média em ocupação (68%) com a do valor adicionado em serviços com média de 71% do total nesses onze anos. Por sua vez, a participação do consumo das famílias no PIB, de 2012 a 2022, ficou na média de 63%, valor relativo pouco superior à participação média dos serviços de 61% do PIB. A diferença entre elas nos onze anos foi apenas cerca de 3%.
É necessário lembrar a diferença do valor adicionado diante do PIB se dá por conta dos impostos contabilizados neste. Quando se considera a participação somente percentual no valor adicionado, serviços ficaram na média de 71% entre 2012 e 2022. Considerando um período maior, em 1995 atingia 67%, ou seja, próximo dos 68% de 2022. A indústria geral foi cadente de 27% em 1995 até 24% em 2022, dentro dela, a Indústria de Transformação caiu de 16,8% para 12,9%. A agropecuária flutuou em torno de 5,4% – e só no último ano da série alcançou 7,9%.
Deste diagnóstico estruturalista, qual terapia se deduz? Tem maior importância o consumo familiar, para sustentar o crescimento em longo prazo, diante das exportações líquidas: exportação com 20% do PIB, mas importação com 19,3% resulta em 0,7 pontos percentuais. Este superávit comercial é relevante para evitar crise cambial: o agronegócio e a extrativa de minerais e petróleo cobrem a importação de bens industriais e, em parte, as remessas de lucro e os pagamentos de juros ao exterior.
Melhorar a distribuição de renda seria estratégico em uma economia onde os 10% mais ricos recebem uma parcela da massa de rendimentos (42,7%) acima da recebida pelos 80% da população com os menores rendimentos (41,4%). Essencialmente, os mais ricos são rentistas e os mais pobres são consumidores de bens e serviços.
Fernando Nogueira da Costa é professor titular do Instituto de Economia da UNICAMP. Obras (Quase) Completas em livros digitais para download gratuito em http://fernandonogueiracosta.wordpress.com/). E-mail: [email protected].