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Parques eólicos e solares afundam o mito da energia sustentável no Brasil

Parques eólicos e solares afundam o mito da energia sustentável no Brasil

Uma visão do Parque Eólico Canoas, da empresa Neoenergia, subsidiária brasileira da espanhola Iberdrola. Vários parques com centenas de aerogeradores já foram construídos nessas serras da Serra do Seridó, que corta verticalmente o estado da Paraíba, no Nordeste do Brasil, e o processo de expansão continua. (Imagem: Mario Osava/IPS)

Sons audíveis, vibrações, infrassons (que não são percebidos), sombras em movimento das pás e micropartículas causam os sintomas da “síndrome da turbina eólica”. Muitos tomam remédios para dormir e para doenças mentais.

SANTA LUZIA, Brasil – “Ansiedade, insônia e depressão tornaram-se comuns. A gente não dorme bem, acordo três, quatro vezes por noite”, reclamou a agricultora brasileira Roselma de Melo Oliveira, 35, que vive há oito anos a 160 metros de um aerogerador.

Sua história retrata o calvário de pelo menos 80 famílias que decidiram contratar um advogado para pedir indenização à empresa proprietária do complexo eólico Ventos de Santa Brígida, em Caetés, município de 28 mil habitantes no estado de Pernambuco, na região Nordeste do Brasil.

Dezenas de outras famílias afetadas pela proximidade das torres eólicas não ingressaram na ação judicial, principalmente porque temem perder a renda de parte de seus terrenos onde foram instaladas uma ou mais torres eólicas.

A empresa paga a eles o equivalente a US$ 290 por cada torre eólica, o que representa 1,5% da eletricidade correspondente gerada e vendida, segundo Oliveira. Aos que não conseguiram ou não aceitaram o arrendamento, ficam os danos sem os lucros.

Construído em 2015 pela empresa nacional Casa dos Ventos e vendido no ano seguinte à britânica Cubico Sustainable, o conjunto de sete parques eólicos, constituído por 107 aerogeradores de 80 metros de altura, tem uma capacidade instalada de 182 megawatts, anunciado como suficiente para abastecer 350.000 residências.

O boom da energia eólica se intensificou nos últimos anos no Nordeste brasileiro, que concentra mais de 80% da eletricidade gerada em todo o país a partir dessa fonte.

Severino Olegário, um pequeno agricultor empobrecido por uma praga que destruiu suas plantações de algodão, aproveitou a chegada de torres eólicas nas terras serranas de sua família para se tornar proprietário do restaurante ao ar livre, hoje ponto turístico do município de Santa Luzia , no estado da Paraíba, no nordeste do Brasil. Imagem: Mario Osava/IPS

Proliferação de vento

Essa expansão vai acelerar devido aos planos de produção de hidrogênio verde, que demanda grande quantidade de energia renovável para a eletrólise, tecnologia escolhida. O grande potencial eólico e solar, além da proximidade com a Europa, grande mercado consumidor desse hidrogênio, favorece o Nordeste como fornecedor do chamado combustível do futuro.

Com isso, proliferam grandes projetos energéticos na região, semiárida em sua maioria e quase sempre ensolarada. Os parques gigantes suscitaram resistência por multiplicar os impactos sociais e ambientais, mais sensíveis no Nordeste, onde predomina a pequena propriedade rural.

Atualmente, o Brasil tem 191.702 megawatts de capacidade instalada sendo 53,3% hidrelétrica, 13,2% eólica e 4,4% solar, e o plano é que essas duas últimas fontes contribuam, juntamente à biomassa, com 23% em 2030, com instalações que teriam o Nordeste como epicentro.

“Não somos contra a energia eólica, mas sim contra a forma como esses grandes projetos são implantados, sem estudar ou evitar seus impactos”, resumiu Oliveira. As fontes renováveis ​​nem sempre são limpas e sustentáveis, apontam principalmente os movimentos de mulheres nordestinas.

“Por serem considerados de baixo impacto, os parques eólicos e solares obtêm licenças de implantação e operação mais rapidamente e com menor custo, com estudos sem profundidade”, observou José Aderivaldo, sociólogo e professor do ensino médio em Santa Luzia, município de 15 mil habitantes da zona semiárida do também nordeste da Paraíba.

O Complexo Renovável da empresa Neoenergia, com uma pequena parte dos painéis solares e o parque eólico ao fundo. A sinergia entre o sol diurno e os ventos noturnos gera eletricidade suficiente para 1,3 milhão de residências na região Nordeste do Brasil. (Imagem: Mario Osava/IPS)

“Mas a energia solar tem mais impacto, é mais invasiva. Um parque eólico afeta pouco o gado, mas se perde muito espaço na solar, que é mais extensiva na ocupação do terreno”, avaliou à IPS.

Seu campo de observação é o Complexo Renovável da empresa Neoenergía , um projeto que combina a fonte eólica, com os 136 aerogeradores do complexo do Chafariz, na serra, e os 228 mil painéis fotovoltaicos do Parque da Luzia, na planície. O primeiro gera mais eletricidade à noite, o segundo durante o dia.

No total ocupam 8.700 hectares em Santa Luzia e outros três municípios vizinhos e podem gerar até 620,4 megawatts, a maior parte, 471,2 megawatts, devido aos ventos nas montanhas. Eles podem fornecer eletricidade a 1,3 milhão de unidades habitacionais e evitar a emissão de 100 mil toneladas de dióxido de carbono, segundo a empresa, subsidiária da espanhola Iberdrola.

A capacidade local de produzir proteína barata foi reduzida, devido à criação de gado adaptada durante séculos ao ecossistema local, além de extrair rochas para a construção de torres eólicas e danificar as estradas com caminhões para transportá-las, lamentou João Telésforo, engenheiro e professor aposentado da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

“A Neoenergía realizou rigorosamente todos os estudos de impacto socioambiental de acordo com a legislação vigente no país e as melhores práticas mundiais. A distância entre as residências e os aerogeradores obedece ao que determina a lei”, respondeu a empresa por escrito à IPS, quando questionada sobre as críticas à sua atividade.

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Marizelda Duarte da Silva, vice-presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Esperança, é uma das líderes da resistência feminina à instalação de parques eólicos nas montanhas do Altiplano de Borborema, cobiçado por seus ventos fortes e regulares, na Paraíba , na região Nordeste do Brasil. Imagem: Mario Osava/IPS

“Além disso, apenas arrenda a terra, sem aquisições, o que mantém as pessoas em seu território de origem, fixando-as no campo e pagando os proprietários conforme os contratos, com transparência, contribuindo para a distribuição de renda e a qualidade de vida da população”, complementou.

Reclamações distintas

Mesmo assim, Pedro Olegário, de 73 anos, lamenta a queda no salário, justificada pela baixa geração. “O vento continua a soprar o mesmo”, protestou. Sua mulher, Maria José Gomes, 57 anos, reclama do barulho, embora o aerogerador mais próximo de sua casa esteja a cerca de 500 metros de distância. “Às vezes consigo dormir sozinho tarde da noite com a janela bem fechada”, disse ele.

O casal mora em partilha em uma propriedade de 265 hectares, herdada e dividida entre a viúva e os 17 filhos do antigo proprietário, em uma das serras do Seridó, município de Santa Luzia.

Os 18 familiares dividem a remuneração de quatro torres eólicas instaladas em seu terreno.

Já Severino Olegário, 50 anos e irmão de Pedro, avalia positivamente o Parque Eólico Canoas , também da Neoenergia. A construção em 2019 permitiu-lhe abrir o seu restaurante para alimentar 40 técnicos da empresa que instalaram a parte mecânica.

No horizonte, um dos morros do Planalto da Borborema, cuja ocupação por aerogeradores enfrenta resistência do Movimento de Mulheres, que iniciou suas marchas anuais em 2010 pela agroecologia e em defesa do território. Quase 5.000 mulheres se mobilizaram este ano para rejeitar parques eólicos no Nordeste brasileiro. Imagem: Mario Osava/IPS

“Durmo não importa o barulho e a remuneração é baixa porque tivemos que dividi-la em uma família muito grande”, reconheceu. Ele também melhorou a estrada, que garantiu turistas ao seu restaurante aos domingos, após o término das obras, e freou o êxodo local.

Cerca de 1.000 famílias viviam nas três comunidades do alto da serra, devido à grande produção de algodão. Mas a praga do gorgulho do algodão (Anthonomus grandis) na década de 1990 destruiu a lavoura e o valor da terra.

“Hoje restam menos de cem famílias”, estima o restaurador que continua a cultivar alguns alimentos para consumo no seu restaurante.

Sua opinião diverge da que a camponesa Oliveira descreveu por telefone à IPS desde sua comunidade rural, Sobradinho, em Caetés, produto do parque eólico autorizado antes de o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente emitir uma nova regulamentação em 2014.

O mapa eólico do governo do estado aponta as serras favoráveis ​​à energia eólica. Em vermelho as áreas de maior potencial. A mais longa é a Serra do Seridó, a oeste, já ocupada por dezenas de parques eólicos. Cerca de 100 quilômetros a leste, a segunda maior área, Borborema, tem um movimento de mulheres que quer mantê-la livre de parques eólicos. Imagem: Governo da Paraíba

Danos e contratos desfavoráveis

“Há casos de alergias que julgamos serem causadas pelo pó que sai das pás (do aerogerador) e que também contamina a água que bebemos, caindo nos nossos telhados onde recolhemos a água da chuva para as cisternas”, lamentou Oliveira.

A alternativa seria comprar água em caminhões-pipa que “custam 300 reais (US$ 62), muito caro para uma família com dois filhos que “só colhem feijão e milho uma vez por ano”, explicou, antes de detalhar que o cultivo de hortaliças e plantas medicinais não é viável devido à água contaminada.

Sons audíveis, vibrações, infrassons (que não são percebidos), sombras em movimento das pás e micropartículas causam os sintomas da “síndrome da turbina eólica”, segundo Wanessa Gomes, professora da Universidade Federal de Pernambuco, que investiga o assunto com colegas vinculados à Fundação Oswaldo Cruz, principal instituição acadêmica de saúde pública do Brasil.

As famílias locais também vivem com medo desde que uma pá quebrou e caiu com um estrondo. Muitos tomam remédios para dormir e para doenças mentais, segundo Oliveira, cujo depoimento busca alertar outras comunidades sobre os riscos eólicos.

Este ano, no dia 16 de março, ela levou suas denúncias à Marcha das Mulheres pela Vida e pela Agroecologia, promovida pelo Polo de Borborema, em Montadas, município de 5.800 habitantes, 280 quilômetros ao norte de Caetés.

O Polo é um grupo de sindicatos de trabalhadores rurais de 13 municípios da serra da Borborema, na Paraíba, cujas serras ventosas são cobiçadas por empresas.

Seu movimento de mulheres, com o apoio da não-governamental Consultoria e Serviços para Projetos de Agricultura Alternativa, mobilizou 5.000 mulheres este ano, em sua décima quarta edição, a segunda focada no repúdio à energia eólica.

“Nossa luta é para que esses parques não se instalem aqui. Se muitas famílias se recusarem a assinar os contratos com as empresas, não haverá parques”, disse à IPS Marizelda Duarte da Silva, 50, vice-presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Esperança, município de 31 mil habitantes no centro do território da Borborema.

“Os contratos são draconianos, de até 49 anos e renováveis ​​por decisão unilateral da empresa, impõem sigilo injustificável, multas por rescisão e pagamento variável do arrendamento conforme a quantidade e preços da energia gerada, impondo ao locador uma risco que deveria ser somente da empresa”, resumiu Claudionor Vital Pereira, advogado do Polo Sindical. ED: GE

Artigo publicado originalmente na Inter Press Service

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