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Sabedoria das multidões

Sabedoria das multidões

James Surowiecki (1967-….), redator da revista The New Yorker, onde escreve a popular coluna de negócios The Financial Page, é autor do livro “Cem Melhor Que Um: A sabedoria da multidão ou por qual razão a maioria é sempre mais esperta diante a minoria”. O título original deste livro publicado em 2004 é: The Wisdom of Crowds. Why the Many Are Smarter than the Few and How Collective Wisdom Shapes Business, Economies, Societies, and Nations.

Explora uma ideia aparentemente simples, mas com implicações profundas: grandes grupos são mais inteligentes diante uma minoria selecionada, por mais brilhante seja esta, quando se trata de resolver problemas, promover a inovação, tomar decisões prudentes e até prever o futuro.

Esta noção, aparentemente contrária ao sugerido pela intuição humana, tem consequências muito importantes no funcionamento das empresas, no progresso do conhecimento, na organização da economia e no estilo de vida quotidiano. Surowiecki investiga campos tão diversos como a cultura popular, a psicologia, o behaviorismo econômico, a inteligência artificial, a história militar e a teoria econômica, para demonstrar como o referido princípio funciona no mundo real.

Mesmo se a maioria dos seus membros não for especialmente bem-informada ou excepcionalmente racional, ainda é possível um grupo chegar a uma decisão sábia. Isto é positivo, porque os seres humanos não decidem perfeitamente, por possuírem racionalidade limitada, como avaliou o economista Herbert Simon.

Por exemplo, a capacidade de prever o futuro é limitada por ser uma resultante de diversas decisões descentralizadas, descoordenadas e desinformadas umas das outras (DDDDD). Muitos humanos não têm o conhecimento ou a inclinação para realizar cálculos complicados de custo/benefício. Em vez de se esforçarem para encontrar a melhor decisão possível, contentam-se com a boa o suficiente.

As emoções afetam os julgamentos individuais. Apesar de todas essas limitações, quando os julgamentos imperfeitos são somados, de maneira correta, a inteligência coletiva costuma ser muito superior.

Esta inteligência, chamada por Surowiecki de “sabedoria da multidão”, na realidade, apresenta-se sob diferentes disfarces. É a razão pela qual o motor de busca Google explora até um bilhão de páginas na Internet para encontrar uma possível informação para a questão solicitada.

A sabedoria da multidão tem algo a dizer-nos sobre a razão pela qual o mercado de ações funciona – e por qual razão, tantas vezes, deixa de funcionar. E ainda nos explica por que as pessoas pagam impostos. A ciência exige esse ingrediente do pensamento coletivo, capaz de fazer uma grande diferença na forma como as empresas conduzem os seus negócios.

De certa forma, este livro tenta descrever o mundo como ele é, considerando coisas sem nenhuma semelhança à primeira vista, mas capazes de se revelar muito semelhantes. Mas também apresenta o mundo como ele deveria ser.

A sabedoria da multidão tem muitas características surpreendentes e uma delas é esta: embora os seus efeitos estejam à nossa volta, é difícil vê-los e, mesmo quando o vimos, é difícil admiti-lo. A maioria de nós, como eleitores, investidores, consumidores ou gestores, acredita o conhecimento valioso estar concentrado em poucas mãos, ou, melhor dizendo, em poucas cabeças…

Estamos convencidos de a chave para resolver problemas ou tomar boas decisões está em encontrar a pessoa certa com a solução ideal. Embora vejamos uma grande multidão de pessoas, muitas delas não particularmente bem-informadas, fazendo algo tão extraordinário como prever certos resultados futuros, tendemos a pensar esse sucesso se dever a alguns “caras” espertos – e não à multidão em si. 

Sentimos a necessidade de “encontrar o especialista”. O argumento apresentado neste livro é: você não deve procurar o especialista, porque isso é uma perda de tempo e custa muito caro. O ideal é parar de o procurar e consultar a multidão – afinal, ela contém tanto os gênios como todos os demais. Temos uma boa chance de ela testar melhor…

Charles Mackay, jornalista escocês, em 1841 publicou Extraordinary Popular Delusions and the Madness of Crowds, uma crônica sobre manias de massa e loucuras coletivas. Para Mackay, a multidão nunca é sábia. Nunca se torna razoável. Os julgamentos coletivos estão condenados a ser extremos.

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“Os homens têm uma mentalidade gregária”, escreveu ele. Eles têm comportamento de manada e só recuperam os sentidos aos poucos e um por um.

A visão de Mackay sobre a loucura coletiva não é incomum. No imaginário social, as multidões tendem à estupidez ou à loucura, se não às duas ao mesmo tempo.

Bernard Baruch disse: “Qualquer sujeito, embora considerado individualmente pareça sensato e razoável, no meio de uma multidão [ou torcida organizada] de repente se torna um tolo”. Henry David Thoreau se lamentou: “As massas nunca chegam ao nível do melhor dentro delas, pelo contrário, degradam-se até o pior”.

Friedrich Nietzsche escreveu: “A loucura, excepcional nos indivíduos, é a regra no grupo”. O historiador inglês Thomas Carlyle afirmou: “Não acredito na sabedoria coletiva a partir da ignorância individual”.

A Psicologia das Multidões, publicada em 1895, pelo francês Gustave Le Bon  expressou seu horror com o avanço das ideias democráticas no Ocidente, durante o século XIS. Ele se opunha à ideia de permitir o acesso das pessoas comuns ao poder político e cultural. Seu desdém pelas multidões era profundo.

Uma multidão, disse Le Bon, é algo mais diante a mera soma dos seus membros. É como uma espécie de organismo independente. Tem identidade e vontade próprias e age de maneiras imprevistas por seus membros, ou seja, impensadamente. A multidão chega ser corajosa, covarde ou cruel, mas jamais é razoável.

O mais surpreendente, para Le Bon, é a ideia de multidão abranger não apenas os exemplos mais óbvios de selvageria coletiva, como linchamentos ou motins, mas qualquer tipo de grupo em posição de tomar decisões. Daí a injúria contra os júris: “Eles emitem veredictos dos quais cada um dos membros desaprovaria conscientemente”. Os parlamentos, por sua vez, aprovam leis com as quais, em condições normais, nenhum dos seus membros concordaria individualmente.

Surowiecki usa os termos “grupo” e “multidão” em seus significados mais amplos. Alguns dos grupos discutidos neste livro, como as equipes de gestão, são coletivos rigidamente organizados e muito conscientes da sua identidade de grupo. Algumas multidões, como os motoristas presos em um engarrafamento, são mantidas unidas aparentemente sem nenhuma organização formal.

Outros, porém, como os especuladores no mercado de ações, nada mais expressam, em princípio, senão um movimento perpétuo de cotações. Todos esses grupos são diferentes, mas têm uma característica comum: a capacidade de agir coletivamente para tomar decisões e resolver problemas, embora em alguns casos as pessoas participantes deles sequer percebam estarem fazendo isso.

Neste livro, são examinadas três categorias de problemas. O primeiro é o chamado de problemas cognitivos. Eles têm ou terão soluções definitivas. Talvez não tenham uma única resposta correta, porque existem várias, entre as quais algumas são certamente preferíveis a outras.

A segunda categoria são os chamados problemas de coordenação. Exigem os membros de um grupo, como em um mercado à procura de negociar ao preço certo, encontrarem uma maneira de coordenar seu comportamento uns com os outros, sabendo todos os outros estarem tentando fazer o mesmo.

Finalmente, há os problemas da cooperação. Reside em fazer indivíduos egoístas e desconfiados trabalharem juntos, mesmo quando o puro interesse próprio parece ditar não participarem. Pagar impostos, reduzir a poluição, chegar a acordo sobre um salário justo são exemplos de problemas de cooperação.

Os grupos geralmente precisam de regras para manter a ordem e a coerência. Por vezes esses padrões falham ou são contraproducentes.

É conveniente os grupos propiciarem a seus membros conversar entre si e aprender uns com os outros. No entanto, paradoxalmente, a comunicação excessiva chega a fazer o grupo como um todo se comportar de forma menos inteligente. É o caso das “câmeras de eco” bolsonaristas…

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