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Belém se prepara para acolher a Cúpula do Clima de 2025 no Brasil

Belém se prepara para acolher a Cúpula do Clima de 2025 no Brasil

Discutir a Amazônia na própria Amazônia distingue a COP30 de suas antecessoras e contribui tanto para as discussões mais objetivas sobre a crise climática global, quanto para a resolução de antigas reivindicações de Belém, uma verdadeira capital amazônica.

POR MARIO OSAVA

BELEM, Brasil – Não faltarão hotéis e outras comodidades para os participantes da 30ª Conferência das Partes sobre Mudanças Climáticas (COP30), que se realizará nesta cidade do norte do Brasil em 2025, mas o que importa é que eles terão uma experiência única na Amazônia.

Discutir a Amazônia na própria Amazônia distingue a COP30 de suas antecessoras e contribui tanto para as discussões mais objetivas sobre a crise climática global, quanto para a resolução de antigas reivindicações de Belém, uma verdadeira capital amazônica, segundo Elizabete Grunvald, presidente da Associação Comercial do Pará (ACP).

Belém é a capital do estado do Pará, no leste da Amazônia brasileira.

“A conferência é uma oportunidade para desbloquear muitos projetos que estão paralisados há décadas na cidade”, disse Grunvald à IPS. Como exemplo, ela apontou o hotel de luxo que surgirá da adaptação de um prédio de 18 andares próximo ao porto, que serviu de sede da Secretaria da Receita Federal até ser incendiado em 2012.

Doze anos depois, o governo nacional cedeu o imóvel ao estado do Pará, que o cedeu em concessão à iniciativa privada para ser transformado em hotel. Outros efeitos da COP30 são as iniciativas de drenagem, alargamento e reparação de ruas, construção de parques urbanos e um grande centro de convenções.

Mas o novo hotel, com 255 quartos, uma suite presidencial de 230 metros quadrados e seis suítes especiais menores, pouco contribuirá para reduzir o déficit hoteleiro da cidade.

“Belém tem 18 mil leitos de hotel, precisaríamos de mais 30 mil”, diz Grunvald, que considera um exagero estimar que 80 mil participantes da COP30 chegarão à cidade. Ele trabalha com a expetativa de 60 mil, nada comparável aos quase 100 mil que estiveram na COP28, em 2023, em Dubai.

Elizabete Grunvald, presidente da Associação Empresarial do Pará, prevê uma transformação positiva de Belém, a capital do Estado do Pará, na Amazônia brasileira, com o afluxo de investimentos e turistas internacionais na sequência da 30ª Conferência das Partes sobre Mudança Climática (COP30), que a cidade acolherá no final de 2025. Imagem: Mario Osava/IPS.

Uma solução já planejada é contratar três navios de cruzeiro para servirem de hotéis, com capacidade para 7.000 a 8.000 hóspedes. Outros três navios poderão ser acrescentados, segundo o presidente da ACP. Para isso, a Baía do Guajará, que banha o oeste de Belém e é a porta de entrada para o Atlântico, será dragada.

Para acomodar os participantes da COP30, serão promovidas campanhas para que os moradores, incluindo proprietários de mansões ricas, hospedem ou aluguem suas casas para os visitantes. “Eles ganharão dólares ou euros e poderão desfrutar de umas férias agradáveis”, argumentou Grunvald.

As escolas e outros edifícios públicos serão reservados para os participantes pobres, nomeadamente porque haverá férias escolares durante a conferência e teletrabalho para os funcionários públicos para aliviar a mobilidade urbana.

O porto de Belém, na baía de Guajará, no Atlântico, onde pelo menos três navios de cruzeiro ancorarão e servirão de hotéis para mais de 7000 participantes na cimeira do clima no final de 2025. Imagem: Mario Osava/IPS.

Um parque para a COP30

A conferência oficial, organizada pela Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas (CQNUAC), terá lugar no Parque da Cidade, atualmente em construção, que incluirá um aeroporto e uma área de 560 mil metros quadrados que albergará dois centros de convenções, bem como centros gastronômicos e culturais, teatros e museus, incluindo museus de aeronaves

É o principal projeto urbanístico, além de outros 12, de responsabilidade da prefeitura e do governo do estado do Pará. No total, os investimentos previstos somam o equivalente a 750 milhões de dólares.

Grunvald, que acompanha todos os preparativos do megaevento climático e mobiliza a comunidade empresarial, está otimista quanto à reviravolta que a COP30 poderá representar para o desenvolvimento de Belém e da Amazônia. Vai atrair investimentos e colocar Belém na rota do turismo internacional, antecipa.

“Nenhuma cidade, com exceção de megacidades como Nova Iorque ou Tóquio, tem infraestruturas para eventos como as COP. Mas as deficiências e falhas não anulam a impressão de visitar a Amazônia, o contato com os bens e a cultura peculiares, diferentes do resto do mundo. Os participantes se tornarão nossos propagandistas”, confidenciou Grunvald.

Dois geógrafos e dois urbanistas fizeram parte do painel que debateu os dilemas de Belém no caminho para a Cúpula do Clima que será organizada na capital da Amazônia brasileira no final de 2025. Imagem: Mario Osava/IPS.

Ela também personifica as transformações pelas quais a capital do Pará já está passando. Ela é a primeira mulher a presidir a ACP, fundada em 1819 como a segunda maior associação comercial do Brasil, precedida pela do estado nordestino da Bahia.

Embora tenha o adjetivo comercial no nome, é uma associação multissetorial única no país, que inclui a indústria, os serviços e até o setor da água. Daí o seu amplo interesse na conferência do clima.

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A COP30 também confronta Belém e os seus 1,3 milhões de habitantes com as suas adversidades climáticas. Em 2050, Belém será a segunda cidade mais quente do mundo, com 222 dias de temperaturas perigosas por ano, e mais de 32 graus Celsius ou 89,6 graus Fahrenheit, prevê a Carbon Plan, uma organização não governamental norte-americana.

Só Pekanbaru, na Indonésia, a ultrapassará com 344 dias de calor extremo. Em terceiro lugar, com 189 dias, ficará Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, sede da COP28.

O Parque da Cidade está sendo construído no local de um antigo aeroporto da cidade de Belém, na Amazônia brasileira. Incluirá dois centros de convenções que deverão estar prontos para acolher a Cúpula do Clima no final de 2025. Incluirá também museus, teatros e outras instalações culturais e gastronómicas. Imagem: Mario Osava/IPS.

Infraestruturas precárias

Hoje, Belém é uma cidade pobre, que anseia pela prosperidade do passado, enquanto porta de entrada e de saída de mercadorias e pessoas da Amazônia, refletida no seu centro histórico, que se expandiu durante o período áureo do ciclo da borracha, no final do século XIX e início do século XX.

A cidade agora enfrenta o desafio de acolher milhares de autoridades estrangeiras, incluindo dezenas de chefes de Estado e de governo, para a COP30, em novembro e dezembro de 2025, com uma infraestrutura deficiente não só para hotéis, mas também para transportes e saneamento básico. Canais de esgoto a céu aberto atravessam a cidade.

A água tratada chega a 71,5% da população, mas o esgoto só chega a 15,7% e o tratamento de águas residuais limita-se a 3,5%, destaca a geógrafa Olga Castreghini, professora universitária aposentada e atualmente envolvida em projetos na Amazônia, durante a reunião anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, realizada em Belém de 7 a 13 de julho.

Canais de esgoto cobrem a paisagem de Belém, a capital amazônica do Brasil, uma cidade rodeada de água onde a drenagem é vital e os esgotos servem apenas 15,7% da população. Imagem: Mario Osava/IPS.

Os megaeventos e os seus elefantes brancos

Os dilemas da cidade perante a COP30 foram o tema de um painel partilhado por dois geógrafos e dois urbanistas de universidades locais, que fazem parte de um grupo de investigadores que se reuniram para analisar os projetos, a organização e o legado da cúpula para Belém e a Amazônia.

O boletim “Foco na COP” divulga o acompanhamento acadêmico do que Castreghini definiu como um “megaevento de nicho e não de massa”, que atrai participantes voltados para o meio ambiente e o clima, “com muito interesse na Amazônia”.

A geógrafa procura acompanhar “os conflitos entre as urgências da sociedade local e as exigências do megaevento”, que podem afetar a sustentabilidade dos projetos após a COP30.

Ela recordou os elefantes brancos e as inúmeras obras inacabadas deixadas por dois grandes megaeventos da última década no Brasil: o Campeonato do Mundo de Futebol de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016 no Rio de Janeiro.

O sistema de metro ligeiro foi abandonado após as obras iniciais em Cuiabá, capital do estado do Mato Grosso, alguns estádios sobrevivem subutilizados, um Parque Olímpico deteriora-se sem uso no Rio de Janeiro, assim como bairros e aeroportos construídos para a Copa no Nordeste.

Para a arquiteta e urbanista Helena Tourinho, o receio é que, como costuma acontecer nestes megaeventos, se acelere o processo de gentrificação, com a valorização de alguns bairros e a consequente expulsão dos seus habitantes pobres para a periferia da cidade.

A COP30 desencadeou uma onda de obras que privilegia alguns bairros em detrimento do centro histórico de Belém. Tourinho disse à IPS que os investimentos no centro, que são de responsabilidade da prefeitura, somam o equivalente a 14 milhões de dólares, enquanto em outros bairros chegaram a 185 milhões de dólares.

O centro histórico sofreu uma degradação progressiva desde os anos 70, acentuada pela invasão do comércio de rua e informal, sobretudo de produtos asiáticos baratos. “O ambiente construído não foi alterado, nem o seu esvaziamento, mas a natureza de suas atividades sim”, acompanhado de desastres como incêndios e desabamentos de casas, sintetizou a urbanista.

Sem programas de revitalização ou restauro, o centro histórico de Belém, um patrimônio urbano, parece esquecido e cada vez mais cercado por negócios imobiliários no entorno, concluiu.

Artigo publicado na Inter Press Service.

A sede histórica da administração portuária de Belém contrasta com o edifício de 18 andares que lhe fica por trás e cuja estrutura sobreviveu a um incêndio. Agora, o prédio está sendo reconstruído como um hotel para 255 hóspedes, com uma suíte presidencial de 230 metros quadrados, para acolher os delegados da Cúpula do Clima, que acontecerá no final de 2025, na cidade amazônica brasileira. Imagem: Mario Osava/IPS.

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