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Mudanças climáticas transformam rios africanos em epicentros de conflitos

Mudanças climáticas transformam rios africanos em epicentros de conflitos

Em alguns países, rendimentos da agricultura dependente da chuva podem cair até 50% devido à secagem de fontes de água tradicionais, incluindo lagos, rios e poços.

POR MAINA WARURU

NAIRÓBI – Quase todas as principais bacias hidrográficas de África tornaram-se epicentros de conflitos nos últimos 20 anos, e os rendimentos agrícolas no continente poderão cair até 50% num futuro próximo devido ao esgotamento das fontes de água “tradicionais”.

Isso acontece em parte devido aos efeitos das mudanças climáticas e da degradação ambiental, segundo o Relatório sobre o Estado do Ambiente na África 2023, publicado em Nairobi, sede, entre outras organizações internacionais, do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente.

Ao mesmo tempo, a degradação ambiental e a perda de biodiversidade são as que mais afetam o continente, com quatro milhões de hectares de cobertura florestal perdidos todos os anos, o dobro da taxa média global.

Em parte, isso contribuiu para que mais de 50 milhões de pessoas migrassem de áreas degradadas da África Subsariana para o Norte da África e para a Europa até 2020, segundo o relatório preparado pelo Centro Indiano para a Ciência e o Ambiente (CSE), lançado na capital queniana, em 13 de outubro.

O relatório confirma que todas as bacias hidrográficas críticas na África estão passando por dificuldades e turbulências no começo desta década devido, entre outras razões, ao uso insustentável dos recursos, para além do clima, gerando focos de competição pela água.

As bacias incluem o Lago Chade, partilhado pelo Chade, Nigéria, Camarões e Níger; o Rio Nilo, partilhado pelo Egito, Uganda, Sudão e Etiópia; o Lago Vitória, partilhado pelo Quênia, Uganda e Tanzânia; e o Rio Níger, utilizado por comunidades no Níger, Mali e Nigéria.

Também fazem parte da lista a bacia do Rio Congo, um recurso utilizado conjuntamente pelos Camarões, a República Centro-Africana, a República Democrática do Congo, a Guiné Equatorial e o Gabão; e a bacia do Lago Malawi, partilhada pela Tanzânia e pelo Malawi. Também está na lista a bacia do Lago Turkana, no Quênia e na Etiópia.

Os exemplos mostram que as disputas na bacia do Lago Chade começaram em 1980, e que a massa de água diminuiu 90% desde a década de 1960, devido ao uso excessivo e aos efeitos das mudanças climáticas.

“Durante anos, o lago sustentou água potável, irrigação, pesca, pecuária e atividade econômica para mais de 30 milhões de pessoas. É vital para as comunidades indígenas, pastoris e agrícolas num dos países mais pobres do mundo. No entanto, as alterações climáticas alimentaram enormes crises ambientais e humanitárias na região”, observa o relatório.

Segundo o texto, os intervenientes internacionais e os governos regionais há muito ignoram a interação entre as alterações climáticas, a violência comunitária e a deslocação forçada de civis. “Os conflitos entre pastores e agricultores tornaram-se comuns à medida que se perdem os meios de subsistência, e as famílias que dependem do lago migram para outras áreas em busca de água”.

“Na bacia do Congo, as disputas começaram em 1960. A bacia testemunha crises multifacetadas, incluindo deslocamentos forçados, conflitos violentos, instabilidade política e impactos das alterações climáticas”, aponta.

Por outro lado, o estudo remonta os conflitos na bacia do Níger até 1980, culpando as alterações climáticas pelas divergências sobre os “danos às terras agrícolas e o acesso restrito à água, enquanto no Nilo, as divergências começaram por volta de 2011, decorrentes da construção da barragem da Grande Renascença por Etiópia, que o Egito teme que tenha impacto no fluxo de água.

Os conflitos sobre os recursos do Lago Turkana são bastante recentes, remontando a 2016, quando se observou que, com 90% da sua água proveniente do Rio Omo, na Etiópia, o aumento das temperaturas e a redução das chuvas contribuíram para o “recuo” do lago para o Quênia.

Para sobreviver, as tribos pastores etíopes começaram a seguir a água, resultando em conflitos intertribais com os seus homólogos quenianos. A construção da barragem Gilgel Gibe III, na Etiópia, no rio, agravou a situação.

Em 2020, entre 75 milhões e 250 milhões de pessoas no continente podem ter sido “expostas ao aumento do stress hídrico” devido às alterações climáticas, prevê o relatório, ao alertar que, em alguns países, os rendimentos da agricultura dependente da chuva poderão cair até 50% devido à secagem de fontes de água tradicionais, incluindo lagos, rios e poços.

“Como a África está gerindo os seus recursos hídricos definirá o nível de segurança hídrica do mundo. Os aquíferos de África contêm 0,66 milhões de km3 de água. Isto representa mais de 100 vezes os recursos anuais renováveis ​​de água doce armazenados em barragens e rios.”

Veja Também:  A catástrofe gaúcha e seus refugiados climáticos

Tomemos como exemplo a Etiópia. Conhecida como a torre de água do continente, o país enfrenta enormes desafios de desaparecimento de lagos e rios, explica.

A África, o segundo maior e mais populoso continente do mundo, acolhe 1/4 das espécies animais e vegetais do planeta, e a extinção dessas espécies e a taxa geral de redução da biodiversidade no continente são mais elevadas do que no resto do mundo.

Como resultado, do total de mortes causadas por condições meteorológicas extremas, clima ou stress hídrico nos últimos 50 anos no planeta, 35% delas ocorreram na África. Previsivelmente, a África será responsável por 40% da migração mundial devido a essas alterações climáticas.

“Embora o Sul Global suporte o fardo máximo da migração interna, as razões podem variar de região para região, dependendo de questões relacionadas com as alterações climáticas, como a escassez de água ou a subida do nível do mar. Contudo, a escassez de água será a principal força motriz da migração total”, explica o relatório.

Citando o exemplo dos chimpanzés, o SOE 2023 informa que existem apenas 1,050 milhões a 2,050 milhões desta espécie no continente, limitados ao Gabão, República Democrática do Congo e Camarões, com populações a desaparecer na Gâmbia, Burkina Faso, Benim e Ir.

Pelo lado positivo, diz que os países africanos têm alguns modelos de conservação pioneiros que, entre outras coisas, colocam as comunidades no centro dos esforços de conservação, observando que se África proteger a sua biodiversidade, o mundo inteiro também ganhará. As áreas protegidas no continente, se utilizadas de forma sustentável, podem erradicar a pobreza e trazer a paz, afirma o texto.

A África do Sul será mais afetada por eventos climáticos extremos, tornando algumas áreas inóspitas devido a eventos climáticos em regiões onde as pessoas já estão sendo forçadas a migrar, por dentro de seus países ou regiões, em busca de condições mais hospitaleiras e melhores, afirma Sunita Narain, Diretora da CSE.

“Podemos ler e obter a história imediata hoje, mas muitas vezes não temos uma visão geral. O relatório nos ajuda a ter essa visão. Permite a compreensão de diferentes aspectos do ambiente, reunindo uma imagem abrangente que torna mais claras as ligações entre o ambiente e o desenvolvimento. Meio ambiente e desenvolvimento são duas faces da mesma moeda.”

Ela acrescentou que o relatório, produzido com a contribuição de cientistas e jornalistas sediados na África, também ajudou as pessoas a apreciar a ligação entre o desenvolvimento e o ambiente.

De acordo com Mamo Boru Mamo, diretor da Autoridade Nacional de Gestão Ambiental do Quênia (NEMA), as questões levantadas no relatório são importantes e pertinentes para o ambiente em África.

Entre outras coisas, o SOE 2023 captou a situação das comunidades agro-pastoris da África Oriental, cuja migração das zonas áridas e semi-áridas de África para os centros urbanos e para fora do continente aumentou nos últimos anos, graças, em parte, à degradação acelerada do meio ambiente.

“O continente tem a responsabilidade coletiva de gerir o ambiente de forma sustentável, ao mesmo tempo que dá orientação sobre a posição que África deve assumir na próxima COP28 da ONU no Dubai”, disse ele.

Citando o relatório da Organização Meteorológica Mundial (OMM), “Estado Provisório do Clima Global 2022”, ele lembra que na África Oriental, a precipitação tem estado abaixo da média durante quatro estações chuvosas consecutivas, a sequência mais prolongada em 40 anos.

A região registrou cinco estações chuvosas consecutivas, com déficit até ao final de 2022, sendo a estação chuvosa (de março a maio de 2022) a mais seca em mais de 70 anos na Etiópia, no Quênia e na Somália, em parte devido à destruição do ambiente e às alterações climáticas.

Globalmente, o relatório confirma que a crise climática na África foi um problema existencial, enfrentado por milhões de pessoas que suportaram a ira da natureza durante anos. Mais de 100 jornalistas, investigadores e especialistas de todo o continente contribuíram para a preparação da publicação anual.

(Confira a apresentação do relatório)


Restos de gado morto nas pastagens de Kitengela Maasai, no Quênia, durante a grande seca de 2009. Um novo relatório mostra que os principais rios da África se tornaram fontes de conflitos devido ao seu ressecamento promovido pelas mudanças climáticas e pela degradação ambiental. Imagem: Ilri

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