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 A repetição da tragédia

 A repetição da tragédia

Uma frase muito citada de Marx diz que “A história se repete, a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa”. Referia-se ao golpe de estado de Napoleão III, em 2 de dezembro de 1851.  Os dias que hoje vivemos podem, no entanto, vir a desmentir o que Marx pontificou. A história poderá vir a se repetir como tragédia.

Há uma considerável semelhança entre os primeiros anos do século 21 e os anos correspondentes do século passado. Respira-se um clima de guerra, o mundo está em crise, os principais países desenvolvem indústrias de armamentos cada vez mais sofisticados. Há o temor de alastramento dos conflitos em andamento, antecipando o que poderá vir a se chamar de terceira guerra mundial. Os partidos fascistas, tradicionais arautos da guerra, aproximam-se do poder pelo mundo afora.

Em 2024 haverá eleições em mais de 60 países e mais de 4 bilhões de eleitores irão votar diante de um paradoxo: a democracia que garante o voto se encontra sob ataque dos partidos e movimentos da extrema-direita que estão em crescimento e negam a democracia.

Na Alemanha, país que viveu a experiência trágica de duas grandes guerras, milhares de pessoas manifestaram-se nas ruas contra uma reunião secreta, que veio à tona, realizada em Potsdam, capitaneada pelo partido neonazista AfD-Alternative für Deutschland (Alternativa para a Alemanha). Delaparticiparam vários grupos de extrema-direita, homens de negócios e convidados de outros países. O AFD é o segundo partido com mais intenção de votos. Em alguns estados é o primeiro.

Na União Europeia

Os partidos da Direita são hoje também uma ameaça para o futuro da União Europeia. E da existência do euro, sua moeda. Eles combatem a imigração e o acolhimento de refugiados, cada um deles glorifica um nacionalismo exacerbado, as tradições do seu país e obscuras teorias sobre política, relações internacionais e a própria organização da sociedade. Um dos seus expoentes, Matteo Salvini, num exagero retórico bem italiano, considera a moeda única um crime contra a humanidade.

Todos os países da Europa – com exceção da Irlanda, Luxemburgo e Malta – contam com extremistas da Direita em seus governos. A grande e dramática pergunta é se este pêndulo na direção das grandes ameaças vai continuar a apontar nessa direção por muito tempo ou se voltará a pender para os ideais de democracia, solidariedade e justiça social que inspiraram a criação da União Europeia. Os próximos anos é que vão dizer.

Salvini

Homem forte da Itália entre 2018 e 2019, Matteo Salvini ocupou dois cargos, o de Primeiro-Ministro e o de Ministro do Interior, e hoje faz parte da coligação extremista de direita que governa o país com a primeira-ministra Giorgia Meloni. Salvini foi apeado do poder depois de tentar algumas jogadas políticas malsucedidas. Quis maiores poderes. Acabou derrubado por uma articulação do PD – Partido Democrático – de esquerda, com o Movimento Cinco Estrelas, que se define como um não partido antissistema, fundado em 2009 e que se transformou numa força política.

Salvini preparou bem a sua volta. Os que acompanham seus movimentos dizem que ele sabe manipular muito bem os velhos sentimentos que movem a política italiana: vingança, oportunidade e interesses. É chamado de “capitão” (il Capitano) pelos seus seguidores, o que para muitos italianos lembra “Il Duce”, como era chamado Mussolini. Declara-se defensor dos valores da família, é contra o casamento de pessoas do mesmo sexo e defendeu a separação da região do Veneto, berço do seu partido, do resto do país. Continua a ser um dos políticos mais influentes no conturbado ambiente político da Itália. Líder da Liga Norte, movimento que cresceu com uma retórica populista e anticorrupção, rebatizado simplesmente Liga, aliado à Força Itália do finado Silvio Berlusconi. Combate a entrada de imigrantes e refugiados e é contra a globalização, com uma teoria difusa e confusa que se aproxima do conceito caótico do “globalismo”, bastante popular no Brasil durante o malfadado governo Bolsonaro. Salvini fortaleceu-se na aliança com Giorgia Meloni, fenômeno político plantado no partido neofascista Fratelli d’Italia. A qualquer momento a luta pelo poder entre os fascistas vai definir a liderança entre Salvini e Meloni. Ambos significam a mesma ameaça.

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Norbert Hofer

Algumas publicações, como o International Business Times, classificam o político austríaco como neonazista e seu slogan de campanha, que pode ser traduzido em inglês como “Putting Austria First”, de imediato lembra o de Donald Trump “America First” e o “Brasil acima de tudo” de Bolsonaro. Não é simples coincidência, pois Hofer também tem grande admiração por Trump e ambos possuem vários pontos de vista em comum. Assim como Jair Bolsonaro, é um defensor das armas e, por medo dos imigrantes, segundo a imprensa, carrega sempre consigo uma pistola Glock.

Norbert Hofer é o líder do Partido da Liberdade da Áustria (FPÖ). É um sujeito de sorriso fácil e certa simpatia pessoal. Já foi descrito como de olhar ingênuo e usa uma bengala como sequela de um acidente de asa delta. Teve a maior votação no primeiro turno das eleições para presidente, em 2016, mas perdeu no segundo turno para Alexander van der llen, ex-presidente dos Verdes. Continua a ser uma alternativa de poder num país onde cresce a rejeição aos imigrantes e refugiados estrangeiros.

Seu credo político inclui o pangermanismo, uma das ideias que inspiraram Adolf Hitler e costuma exibir nas roupas a imagem de uma centáurea, flor típica do seu país, adotada como símbolo dos movimentos nazistas clandestinos.

Boris Johnson

Com uma cabeleira que lembra o estilo Trump, mas não tão bem arrumada, o ex-Primeiro Ministro inglês, um dos líderes do Brexit, é um ex-jornalista que foi demitido do The Times por falsificar uma declaração. Continua sendo uma alternativa de poder na Grã-Bretanha e torce pelo fracasso de Rishi Sunak, atual primeiro-ministro, escolhido depois da derrocada de Liz Truss, sucessora dele, Boris Johnson, por um brevíssimo período.

Nasceu em Nova Iorque de pais ingleses – tem dupla nacionalidade – e foi prefeito de Londres por dois mandatos. Embora seja um conservador extremado, não chega a ser considerado um extremista de direita, mas um mutante político, capaz de mudar de posição segundo suas próprias conveniências.

Acredita numa sociedade organizada hierarquicamente. O editor do Al Jazeera James Brownswell afirma que Boris Johnson na campanha do Brexit inclinou-se para a direita, mas que no fundo é um pouco mais liberal do que seus correligionários do Partido Conservador.

Seus eleitores costumam chamá-lo de Bojo, acrônimo do seu nome. O jornalista Dave Hill, colunista do The Guardian, define-o como uma figura única na política britânica, construída pela mídia e reunindo as características de comediante, vigarista, falso subversivo, showman e populista. Várias das suas afirmações durante a campanha para obter vitória no plebiscito do Brexit foram posteriormente desmentidas.

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Além desses, outros nomes despontam na liderança da extrema-direita da Europa, entre eles Santiago Abascal, do Vox espanhol; Nikolaos Michaloliakos, do fascista Aurora Dourada, da Grécia; Beatriz von Stroch, expoente do AfD-Alternative für Deutschland, da Alemanha e André Ventura do português Chega. Entre estes destaca-se Viktor Orbán, que mantem constante conflito com a Comissão Europeia, por causa das suas violações ao estado de direito na Hungria.

*Imagem em destaque: Manifestantes da extrema-direita francesa em Calais, em 8 de novembro de 2015. (Jérémy-Günther-Heinz Jähnick/Wikimedia Commons)

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