Milei comemora sucesso econômico enquanto os argentinos ficam mais pobres

Milei comemora sucesso econômico enquanto os argentinos ficam mais pobres

Entre dezembro e fevereiro foram perdidos 63.000 empregos formais na Argentina. Março e abril foram meses de destruição do emprego na indústria e no comércio, devido à quebra de atividade, que se refletirá nos dados oficiais.

POR DANIEL GUTMAN

BUENOS AIRES – Ariel Macías é separado e tem dois filhos. Trabalha há seis anos na mesma empresa de informática na capital da Argentina, mas o dinheiro é cada vez menor e nos últimos dias sentiu que tinha chegado ao limite, quando o proprietário do apartamento onde vive anunciou um aumento de 200% na renda.

“Não aguento mais. Sinto que durante anos me esforcei para viver uma vida de classe média, pagando a escola, a medicina privada e as férias anuais, mas chegou o momento de fazer um ajuste brutal, de me tornar o Javier Milei da minha própria economia”, diz Ariel à IPS, referindo-se ao presidente de extrema-direita argentino, que se gaba de estar a fazer “o maior e mais abrupto ajuste da história da humanidade” desde que assumiu o cargo em dezembro passado.

Com cortes drásticos nos gastos públicos que levaram à deterioração das pensões e à disponibilidade de menos fundos para ajuda social, universidades estatais, obras de infraestrutura e subsídios para o transporte público, Milei comemorou este mês que, em abril, pelo quarto mês consecutivo, o Estado obteve um superavit financeiro.

“Este milagre econômico responde ao que chamamos de motosserra na campanha”, disse há algumas semanas, referindo-se ao fato de ter chegado à presidência prometendo aos argentinos que a redução da despesa pública ao mínimo seria a saída para uma crise econômica que dura há 12 anos e que destruiu o prestígio dos governos anteriores.

“Apesar dos que apregoam o nosso fracasso no regresso ao poder, o nosso plano está funcionando”, acrescentou Milei, cujas poupanças na despesa pública lhe permitem cumprir antecipadamente os pagamentos da dívida externa, o que subiu os preços das obrigações argentinas nos mercados financeiros, após terem caído para o nível de títulos quase incobráveis no ano passado.

Uma mercearia no bairro de Almagro, em Buenos Aires. A inflação disparou no início do governo Milei devido à desvalorização do peso argentino e, embora tenha diminuído desde então, continua a rondar os 9% por mês, uma vez que os rendimentos das pessoas continuam perdendo poder de compra. Imagem: Daniel Gutman/IPS.

Milei também apontou a última taxa de inflação mensal oficial de 8,8% como uma grande conquista que, embora seja uma das mais altas do mundo, é baixa em comparação com os 25% do seu primeiro mês no cargo.

No entanto, ao mesmo tempo, em que o economista midiático e agora presidente festeja o que considera seus êxitos, os argentinos estão ficando mais pobres, como o caso de Ariel Macías, em todos os indicadores econômicos: atividade, consumo, rendimento e situação social.

A queda da inflação, sem ir mais longe, está associada a uma forte queda da atividade econômica em todos os domínios. Embora Milei já afirme nos seus discursos que houve uma recomposição dos salários, as estimativas privadas falam de uma queda de cerca de 15% durante o seu governo.

“O que se passa hoje não é só culpa de Milei, que assumiu o poder num contexto de enormes desequilíbrios nas variáveis econômicas. Mas ele optou por resolvê-los descarregando todos os custos sobre os trabalhadores e sem qualquer medida de proteção social”, Luis Campos

Longa agonia

“A economia argentina não encontrou uma estrutura produtiva capaz de manter um crescimento sustentado desde meados dos anos 70 e nos últimos 12 anos tem tido problemas muito graves. O PIB está agora 10% abaixo do que era em 2011”, disse à IPS, Luis Campos, pesquisador de relações trabalhistas da Central dos Trabalhadores Argentinos (CTA).

“O que está acontecendo hoje não é culpa de Milei, que assumiu o poder num contexto de enormes desequilíbrios nas variáveis econômicas, mas optou por resolvê-los descarregando todos os custos sobre os trabalhadores e sem qualquer medida de proteção social”, acrescenta.

Há anos castigados pela insegurança no emprego e pela deterioração de seus rendimentos, os trabalhadores argentinos começam a enfrentar, devido à recessão provocada pelo ajustamento de Milei, um espetro que há muito não se via no país: o desemprego.

Os dados oficiais são tardios, mas apontam que entre dezembro e fevereiro foram perdidos 63.000 empregos formais. Os analistas indicam que março e abril foram meses de destruição do emprego na indústria e no comércio, devido à quebra de atividade, e que isso se refletirá nos dados oficiais quando forem divulgados.

“Nos próximos meses, devido à recessão, a queda do emprego e dos salários vai se aprofundar. Na melhor das hipóteses, a economia vai estagnar, porque é possível que o governo, através da recessão, consiga conter a inflação”, diz Campos, que é doutor em Ciências Sociais.

Das suspensões às demissões

“Era natural que, depois de uma grande desvalorização do peso argentino, que Milei realizou logo que tomou posse, a atividade econômica e os salários caíssem e houvesse efeitos no emprego. Na indústria, primeiro houve cortes de horas e férias antecipadas para os trabalhadores, em março começaram as suspensões e agora estamos vendo demissões”, diz à IPS o economista Ricardo Delgado, diretor da empresa de consultoria Analytica.

Delgado destaca que uma das vantagens de Milei para implementar seu duro programa de austeridade, sem perturbar a paz social até agora, é que, quando ele assumiu o cargo, a Argentina tinha uma baixa taxa de desemprego.

“Embora saibamos há anos que o emprego é de má qualidade e que há problemas de rendimentos, o fato de haver emprego continha a agitação social”, diz.

“Há quebras em todos os setores e as atividades ligadas ao mercado interno são as que mais sofrem, porque dependem do poder de compra dos salários. Como se explica tudo isto? Pela decisão de aplicar um ajuste fiscal e monetário de magnitude histórica, que não se viu neste país nem mesmo durante as ditaduras militares. Não sei se é o maior ajuste da história mundial, como diz Milei, mas é, sem dúvida, o maior da história argentina”, acrescenta o economista.

Lojas fechadas devido à crise no bairro de Villa Crespo, em Buenos Aires. O comércio é uma das atividades mais afetadas e começam a registrar fechamentos e demissões, devido à deterioração dos rendimentos da maioria da população argentina. Imagem: Daniel Gutman/IPS.


Neste contexto, a situação social está piorando. Os últimos dados oficiais, correspondentes ao segundo semestre de 2023, afirmam que a pobreza atinge 41,7% da população.

Mas isso não reflete o efeito das políticas do atual governo, que começou em 10 de dezembro de 2023, o que significa que a pobreza hoje é de cerca de 57% da população, conforme a estimativa do Observatório da Dívida Social da Universidade Católica da Argentina (ODSA-UCA).

E para além da pobreza medida pelo rendimento, a pobreza reflete-se hoje noutras dimensões das condições de vida. O mesmo ODSA-UCA acaba de publicar um relatório que revela que 56% das crianças carecem de serviços públicos, como bueiros, calçadas e pavimentos.

Em entrevista à IPS, o pesquisador da ODSA-UCA, Eduardo Donza, previu que tudo pode piorar com o esperado aumento do desemprego, que por enquanto continua relativamente baixo.

“Hoje, 32,5% da população ativa já vive em agregados familiares em situação de pobreza. E se estamos falando de 57% de pobreza, é porque, sem dúvida, setores que tradicionalmente pertenciam à classe média estão entrando nela”, salienta.

Na Argentina”, acrescenta, “já não é verdade que aqueles que se encontram numa situação econômica complicada vão progredir quando conseguirem um emprego. Hoje, ter um emprego não garante que ninguém deixe de ser pobre.

Artigo publicado originalmente na Inter Press Service.


FOTO EM DESTAQUE: O presidente argentino Javier Milei sorri ao lado de um busto de Carlos Menem, o ultraliberal que governou a Argentina na década de 1990 e cujo legado decidiu reivindicar. Imagem: Presidência da Nação.

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