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Paraguai: ‘Criminalização burocrática’, nova legislação ameaça ONGs e a democracia

Paraguai: ‘Criminalização burocrática’, nova legislação ameaça ONGs e a democracia

ASSUNÇÃO, Paraguai (IPS) – Em um movimento que despertou preocupação nacional e internacional, o Senado paraguaio deu aprovação preliminar a um projeto de lei controverso que impõe controles rígidos às ONGs em um caso de “criminalização burocrática”.

O cenário tem se tornado cada vez mais hostil às atividades das organizações da sociedade civil, com várias leis representando um retrocesso nos direitos fundamentais historicamente defendidos.

‘Obstáculos burocráticos adicionais”: os efeitos da nova legislação

As organizações sem fins lucrativos do país têm de lidar com uma série de formalidades e procedimentos em andamento perante vários órgãos públicos. A legislação proposta, promovida pelo Partido Colorado, que está no poder, agora introduz registros adicionais para todas as ONGs e exigências rigorosas de relatórios. Sob o pretexto de melhorar a transparência e a prestação de contas, a legislação representa uma ameaça significativa à democracia e à liberdade operacional da sociedade civil no Paraguai.

Os elementos controversos do projeto de lei incluem um novo registro obrigatório junto ao Ministério da Economia e Finanças – que seria a autoridade de implementação da lei – para todas as organizações que recebem fundos públicos ou privados de origem nacional ou internacional, relatórios detalhados de todas as atividades, relatórios financeiros semestrais detalhados e penalidades severas para o não cumprimento, incluindo multas pesadas e a possibilidade de dissolução das ONGs. Os críticos argumentam que esses “arranjos jurídico-políticos” são desproporcionais e servem mais para intimidar e controlar as ONGs do que para promover uma verdadeira prestação de contas.

O que diz a sociedade civil

A aprovação desse projeto de lei ocorre em um contexto mais amplo de crescente autoritarismo no Paraguai. Desde as eleições de 2023, tem havido várias preocupações sobre a consolidação do poder do partido governista e seu impacto nas instituições democráticas. A mídia, os partidos de oposição e as organizações da sociedade civil têm enfrentado pressões cada vez maiores, levantando temores de uma regressão às práticas autoritárias do passado.

Monica Centron, coordenadora executiva da plataforma nacional de ONGs (POJOAJU), enfatiza as implicações mais amplas dessa legislação para a democracia: “Essa lei ameaça os direitos fundamentais consagrados em nossa constituição. Ela prejudica o papel da sociedade civil na responsabilização do governo e na promoção da justiça social. As ONGs promovem a transparência e a prestação de contas, temos uma legislação que nos obriga a prestar contas de nossas ações, como o Código Civil, relatórios para a Seprelad (Secretaria de Prevenção à Lavagem de Dinheiro ou de Ativos), a Procuradoria da Fazenda, bancos, a Direção Nacional de Receitas Fiscais, entre outros”.

Raúl Monte Domecq, da equipe de coordenação da POJOAJU, destacou os possíveis efeitos adversos para as ONGs menores: “Os encargos administrativos e a ameaça de sanções severas podem levar muitas organizações menores a fechar as portas. Isso terá um impacto devastador sobre as comunidades que elas atendem, especialmente as mais vulneráveis”.

‘É preciso entender que adotamos para nossa República um Estado Social de Direito e como forma de governo a democracia representativa, participativa e pluralista, conforme consagrado na Constituição Nacional. Os caminhos do diálogo e da consulta, e não o contrário, são requisitos necessários para o fortalecimento do nosso ainda incipiente processo de democratização”, afirma Gladys Casaccia, também membro da equipe de Coordenação da POJOAJU.

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Uma ameaça aos princípios democráticos

O projeto de lei enfrentou forte oposição de vários setores, incluindo líderes religiosos, organizações da sociedade civil e órgãos internacionais de direitos humanos.

Marta Hurtado, porta-voz do Escritório de Direitos Humanos da ONU, disse que o projeto de lei “imporia restrições substanciais ao financiamento de ONGs” e “obstruiria o exercício das liberdades de associação e expressão”.

Ana Piquer, diretora da Anistia Internacional para as Américas, disse que “esse projeto de lei sujeita as organizações da sociedade civil ao controle arbitrário e abusivo do Estado, sem lhes dar a oportunidade de se defender. Isso coloca os defensores dos direitos humanos e as comunidades que eles atendem em risco significativo”.

Há poucos dias, vários relatores especiais da ONU uniram forças para comunicar ao governo do Paraguai sua preocupação com a possível aprovação do Projeto de Lei sobre o Controle de Organizações Sem Fins Lucrativos.

O Cardeal Adalberto Martinez pediu ao Senado que adie o projeto de lei, que será discutido em menos de duas semanas, e inicie um diálogo com os setores afetados. Esse projeto de lei pode ter sérias consequências para nosso sistema democrático representativo, participativo e pluralista”, advertiu ele, enfatizando a necessidade de discussões inclusivas.

Essa medida legislativa também segue uma tendência preocupante observada em outros países, onde os governos introduziram leis restritivas para restringir a influência e as operações da sociedade civil. Ao limitar o acesso ao financiamento internacional e impor uma supervisão rigorosa, essas leis enfraquecem efetivamente a capacidade da sociedade civil de operar de forma independente e defender os direitos humanos e a governança democrática.

Apelo à ação

À luz desses acontecimentos, a POJOAJU e outras organizações da sociedade civil pedem uma ação urgente:

– Adiamento e diálogo: eles pedem que o governo interrompa o processo legislativo e participe de consultas significativas com a sociedade civil para revisar o projeto de lei.

– Proteção dos direitos: Eles exigem que qualquer nova estrutura regulatória respeite os direitos constitucionais e os padrões internacionais de direitos humanos, garantindo que ela promova a transparência genuína sem prejudicar a independência da sociedade civil.

– Solidariedade internacional: A sociedade civil e os governos também estão sendo instados a solicitar um diálogo com o governo paraguaio para reconsiderar esse projeto de lei. Os riscos são altos, não apenas para o Paraguai, mas também para o precedente que poderia ser estabelecido na região.

Mónica Centrón, POJOAJU, Isabella Camargo e Bibbi Abruzzini, Forus

Este artigo foi escrito pela rede Forus em parceria com a POJOAJU. Para saber mais sobre a “criminalização burocrática” da sociedade civil, consulte o relatório da Abong que detalha o contexto no Brasil sob a presidência de Bolsonaro aqui.

IPS Escritório da ONU

Esta reportagem foi publicada originalmente pela IPS

Na imagem, protesto por direitos em Assunção / Patricia López

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