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Referendo na Venezuela afirma reivindicação territorial contra Guiana

Referendo na Venezuela afirma reivindicação territorial contra Guiana

Desde 2016, as multinacionais Exxon dos Estados Unidos e CNOOC da China extraem petróleo sob as águas de Esequibo. A produção atual de 400.000 barris/dia pode superar um milhão de unidades a médio prazo.

POR CORRESPONDENTE IPS

CARACAS – Um inédito referendo na Venezuela respaldou, com 98% de aprovação, conforme informou o seu Conselho Nacional Eleitoral (CNE), na última segunda-feira (4), uma centenária reivindicação territorial sobre o ocidente da atual Guiana, o novo foco de conflito no norte da América do Sul.

“Demos os primeiros passos de uma nova etapa histórica para lutar pela nossa Guiana Esequiba, pela paz e para recuperar o que os libertadores nos deixaram”, comemorou o presidente venezuelano Nicolás Maduro.

Em Georgetown, o presidente da Guiana Irfaan Ali garantiu que “não há nada a temer. O Essequibo pertence à Guiana, cada metro dele.”

Na Venezuela, com cerca de 29 milhões de habitantes, o sistema eleitoral conta com 20 milhões de inscritos. Mais da metade participou da consulta, totalizando 10.431.907 cidadãos, segundo a CNE, um órgão do governo.

O número contrasta com as imagens dos centros de votação vazios no domingo, dia 3, e com os testemunhos nas redes sociais, nos meios de comunicação social, por analistas e dirigentes da oposição que apontaram uma esquálida participação na consulta e questionaram os resultados oferecidos pela CNE.

O referendo aconteceu após as eleições primárias, realizadas pelos principais grupos de oposição, em 22 de outubro, para escolher um candidato presidencial. Eles reivindicaram a participação de 2,5 milhões de eleitores e a liberal María Corina Machado foi a vencedora, com 97% dos votos.

A Guiana pediu à Corte Internacional de Justiça (CIJ) que proibisse o referendo, considerando que as questões submetidas ao eleitorado venezuelano ameaçavam a integridade e a segurança da Guiana, mas o Tribunal, com sede em Haia, absteve-se de emitir a medida sobre Caracas.

A CIJ assumiu a tarefa de resolver a controvérsia territorial, conforme solicitado por Guiana ao longo dos anos, e sistematicamente rejeitada pela Venezuela.

O referendo perguntou aos venezuelanos se reprovavam o Laudo de Paris de 1899, que estabeleceu a fronteira atual; se eles aprovavam o Acordo de Genebra que guiou a controvérsia desde 1966; se apoiavam o não reconhecimento da CIJ nesta matéria; e se eles eram contra a política de concessões petrolíferas que a Guiana está implementando em áreas a serem delimitadas.

A quinta pergunta consultou se eles aprovavam a declaração da Guiana Esequiba como um estado da Venezuela, com o número 24, e a emissão de documentos de cidadania venezuelana para os habitantes desse território que assim o solicitassem.

A Guiana Esequiba ou território Esequibo, a oeste do rio de mesmo nome que percorre na direção sul-norte da antiga colônia da Guiana Britânica, abrange uma área de 159.542 quilômetros quadrados. É uma região rica em florestas e minerais, com costas no Atlântico, sob cujas águas existem depósitos abundantes de hidrocarbonetos.

Desde 2016, as multinacionais Exxon dos Estados Unidos e a China National Offshore Oil Corporation (CNOOC) da China extraem petróleo sob essas águas. A produção atual é de 400.000 barris (de 159 litros) por dia, e pode superar um milhão de unidades a médio prazo. Com isso, a Guiana entraria para o grupo dos grandes produtores de petróleo.

A tese de Caracas é que a Exxon influenciou funcionários das Nações Unidas e do CIJ para que a controvérsia fosse levada a Haia, sob a presunção de que isso favoreceria a posição da Guiana.

O conflito começou no século XIX, quando Londres avançou a fronteira ocidental de sua Guiana Britânica, sob protesto da então muito fraca Venezuela, e os Estados Unidos intervieram exigindo arbitragem.

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Em 1899, um tribunal ad hoc em Paris, com cinco juízes (dois britânicos, dois americanos, um russo e nenhum venezuelano), decidiu sobre a atual fronteira mediante uma sentença que Caracas aceitou com relutância, mas sempre considerou nula.

Em 1966, pouco antes da independência da Guiana, foi alcançado um acordo em Genebra (Suíça) entre Londres, Caracas e Georgetown para tentar resolver a controvérsia.

A “solução prática” prevista naquele acordo nunca foi alcançada, e o caso foi deixado nas mãos do Secretário-Geral da ONU que, em 2018, decidiu entregá-lo ao CIJ, cuja jurisdição é reconhecida pela Guiana, mas não pela Venezuela.

O governo e as Forças Armadas venezuelanas mantêm uma campanha publicitária diária para reivindicar o território, sob o lema de que “o sol da Venezuela nasce em Esequibo”.

Analistas como Rocío San Miguel, da organização Controle Cidadão para Segurança e Defesa, sustentam que existe um risco real de que a Venezuela empreenda uma ação armada para fazer valer as suas reivindicações.

Até o momento não há evidências de movimentos militares, além da manutenção dos postos habituais na fronteira de selvas, savanas e rios tanto do lado guianense quanto do lado venezuelano.

Os Estados Unidos, o Reino Unido e a Comunidade do Caribe (Caricom) manifestaram apoio à posição da Guiana.

Enquanto isso, no Brasil, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva transferiu tropas para a fronteira com seus dois vizinhos e pediu moderação porque “o que menos precisamos na América do Sul é de mais problemas”.

Na 28ª Conferência Anual do Clima, realizada nos Emirados Árabes Unidos, o presidente Ali e o atual presidente da Caricom, Ralph Gonsalves, de San Vicente, reuniram-se com o presidente cubano Miguel Díaz-Canel, aliado próximo de Maduro, para que ele ajude a conter a campanha que Caracas vêm conduzindo.

Ao receber o relatório do CNE, Maduro afirmou que a vontade expressa no referendo “é mandatória e vinculante” para o seu governo.

Na Venezuela, alguns analistas independentes e líderes da oposição consideram que Maduro enfrenta um revés com a baixa participação percebida no referendo, em vista da eleição presidencial prevista para o segundo semestre de 2024.

Para Maduro, “o verdadeiro golpe é para suas esperanças de ser reeleito no próximo ano sem recorrer a artimanhas”, opinou Phil Gunson, da organização International Crisis Group, sediada em Bruxelas e dedicada à prevenção de conflitos.

Machado, investida como líder da oposição – embora esteja formalmente impedida de concorrer a cargos públicos por uma decisão administrativa – considerou que “o povo suspendeu um evento inútil e prejudicial aos interesses da Venezuela (o referendo), porque a soberania se exerce, não se consulta”.

“Agora devemos apresentar uma defesa impecável de nossos direitos perante a CIJ, com a contribuição de nossos melhores especialistas, e demonstrar que o Esequibo pertence à Venezuela”, acrescentou Machado.

Caracas deverá apresentar seus argumentos perante a Corte em abril de 2024.

Artigo originalmente publicado na Inter Press Service (IPS).


FOTO DE CAPA: O líder venezuelano Nicolás Maduro, acompanhado por sua esposa Cilia Flores e o presidente da Assembleia Nacional, Jorge Rodríguez, celebra com seus apoiadores na Praça Bolívar, em Caracas, a vitória do “Sim” no referendo de 3 de dezembro. A consulta, com cifras de participação ainda em discussão, respaldou a reivindicação da Venezuela sobre uma extensa área que atualmente faz parte de sua vizinha Guiana. Imagem: Presidência da Venezuela.

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