Eleições no Panamá: a impunidade prevaleceu?

Eleições no Panamá: a impunidade prevaleceu?

À primeira vista, os resultados eleitorais do Panamá parecem demonstrar a primazia das questões econômicas no espírito dos eleitores, com a esperança de crescimento sobrepondo-se ao cansaço da corrupção. Mas essa não é a história completa. Na foto (reprodução X), José Raúl Mulino).

POR INÉS M. POUSADELA

Especialistas regionais consideram esta, a eleição mais importante do Panamá desde a invasão americana de 1989, que depôs o presidente de fato, o general Manuel Noriega. Os panamenhos foram às urnas em meio à alta inflação e ao desemprego, com uma economia estagnada. A corrupção endêmica também ocupava um lugar de destaque na longa lista de suas preocupações, juntamente com o acesso à água, à educação e um sistema de segurança social em colapso.

O vencedor, o advogado conservador José Raúl Mulino, foi o substituto do antigo presidente Ricardo Martinelli, impedido de concorrer devido a uma condenação por lavagem de dinheiro. Apesar disso, Martinelli continua sendo popular e conseguiu transferir essa popularidade para seu substituto menos carismático. Para os apoiantes de Mulino, a nostalgia da estabilidade econômica e do crescimento, que caracterizaram a administração pró-empresarial de Martinelli, parecia se sobrepor ao seu comprovado histórico de corrupção.

À primeira vista, os resultados eleitorais demonstraram a primazia das considerações econômicas no espírito dos eleitores, com esperanças de crescimento acima do cansaço da corrupção. Mas essa não é a história completa.

Livre, justo e incerto

Em 5 de maio, os panamenhos foram às urnas para eleger o Presidente e o Vice-Presidente, 71 deputados à Assembleia Nacional, 20 deputados ao Parlamento Centro-Americano e representantes locais.

As eleições foram indubitavelmente limpas e transparentes, com a integridade garantida pela participação da sociedade civil na Junta Nacional de Apuradores. Os resultados foram rapidamente anunciados e aceitos por todos os candidatos derrotados. Mas, o contexto que antecedeu a votação foi muito menos simples. Até ao último minuto, o agora presidente eleito não tinha certeza de que seria autorizado a candidatar-se.

Mulino foi ministro da Segurança do governo de Martinelli entre 2009 e 2014. Dez anos mais tarde, em grande parte desconhecido do eleitorado, entrou na corrida como companheiro de chapa de Martinelli pelo Realizando Metas (RM), um partido que Martinelli fundou em 2021.

Em julho de 2023, Martinelli foi condenado por lavagem de dinheiro e sentenciado a 10 anos de prisão, o que o tornou inelegível para concorrer. Recorreu, mas o Tribunal Eleitoral só tomou uma decisão final sobre a sua desqualificação em março. Para evitar a prisão, ele pediu asilo na embaixada da Nicarágua na Cidade do Panamá. Mulino tomou o seu lugar, mas a sua candidatura presidencial também foi contestada. Durante dois meses, Mulino foi o centro das atenções, enquanto o Tribunal Eleitoral e o Supremo Tribunal de Justiça discutiam se ele poderia candidatar-se. A decisão positiva do tribunal veio em 3 de maio, apenas dois dias antes da votação. Mulino também recebeu uma grande ajuda de Martinelli, que fez campanha por ele na Internet enquanto estava escondido na embaixada da Nicarágua.

Uma votação fragmentada

Oito candidatos disputaram a presidência, um mandato de cinco anos sem possibilidade de um segundo mandato consecutivo. Sem segundo turno, a votação fragmentada teria provavelmente um vencedor com muito menos de metade dos votos. A vitória de Mulino, com 34,2%, não foi incomum: dois presidentes anteriores obtiveram percentagens igualmente baixas, incluindo o presidente cessante de centro-esquerda Laurentino Cortizo, do Partido Revolucionário Democrático (PRD).

O concorrente mais próximo de Mulino, com 24,6%, foi Ricardo Lombana, um outsider de centro-direita anti-corrupção. Em terceiro lugar ficou Martín Torrijos, outro ex-presidente e antecessor imediato de Martinelli, agora afastado do seu partido original, o PRD, e concorrendo como candidato do Partido Popular Democrata Cristão (PP). Em quarto lugar, Rómulo Roux, do partido de centro-direita Mudança Democrática (CD), o partido que Martinelli fundou e utilizou como veículo para a presidência, mas que abandonou em 2020 devido a disputas de liderança.

Veja Também:  Micro-barragens provocam onda de sustentabilidade hídrica no Brasil

Os partidos que outrora dominavam a paisagem política tiveram um desempenho fraco. O Partido Panameñista nem sequer teve um candidato presidencial; em vez disso, seu líder juntou-se a Roux como companheiro de chapa. O PRD, que liderou três dos últimos seis governos, ficou abaixo de seis por cento.

Independentes em ascensão

Em 1998, o CD de Martinelli foi o primeiro a desafiar o domínio dos partidos tradicionais. As alterações subsequentes à lei eleitoral permitiram a apresentação de candidatos independentes. A sua crescente proeminência reflete a insatisfação generalizada com os partidos tradicionais e a classe política.

Nas eleições parlamentares de 5 de maio, os candidatos independentes obtiveram mais lugares do que qualquer partido político: 20, contra apenas cinco. O novo partido RM de Mulino obteve 14 lugares. O PRD perdeu 22 e manteve apenas 13. A nova composição da Assembleia Nacional revela uma sede de renovação que não coincide com a eleição da corrupção e da impunidade que os resultados presidenciais poderiam sugerir.

A economia em foco

Durante as três décadas que antecederam a pandemia, a economia panamenha cresceu cerca de 6% ao ano, ajudada pelas receitas do Canal do Panamá e pelo boom da construção e da exploração mineira. Mas depois os desafios começaram a acumular-se. A economia abrandou. Os postos de trabalho desapareceram. A inflação aumentou.

A atividade no Canal do Panamá foi gravemente afetada pelos impactos das alterações climáticas, com a descida dos níveis de água. A seca também reduziu o acesso à água potável em algumas regiões. Entretanto, um aumento sem precedentes do número de migrantes que atravessam o Tampão de Darién, traiçoeira região de selva na fronteira com a Colômbia, sobrecarregou os recursos do sistema de assistência humanitária.

Mulino fez campanha com a promessa de melhorar a economia, atraindo investimentos, desenvolvendo infraestruturas e criando empregos. Ele prometeu melhorar o acesso à água potável e prometeu “fechar” o Tampão de Darién.

Os eleitores de Mulino podem ter aceitado o acordo que ele parece oferecer (prosperidade em troca de impunidade), mas muito mais pessoas votaram contra ele do que a seu favor. Ele conseguiu vencer porque o voto “não” estava muito fragmentado. O número de independentes que entraram no Congresso é apenas um dos muitos indicadores da insatisfação generalizada com políticos como ele.

Mulino terá de cumprir as suas promessas de atrair investimentos e criar empregos. Terá de reduzir as desigualdades e fazer face à crescente insegurança, à situação em Darien e a um sistema de pensões à beira da insolvência. Por último, mas não menos importante, terá de reforçar as instituições e combater a corrupção, o que levanta a questão de saber o que fará com Martinelli.

Os desafios são muitos e grandes, e Mulino não terá nada que se assemelhe a uma maioria legislativa. A Assembleia Nacional está tão fragmentada que um acordo de alto nível com um ou dois partidos não será suficiente. Mulino pareceu reconhecer este fato na noite das eleições, quando apelou à unidade nacional e afirmou estar aberto ao diálogo e ao consenso. Este foi um primeiro passo na direção que deveria seguir.

Artigo publicado na Inter Press Service.


Inés M. Pousadela é especialista em investigação especializada na CIVICUS, codiretora e escritora da CIVICUS Lens e coautora do Relatório sobre o Estado da Sociedade Civil.