Europa sem abrigo

Europa sem abrigo

A pobreza, a guerra e a ocupação dos imóveis pelo turismo em alojamentos locais do tipo Airbnb além, é claro, da especulação imobiliária, criaram uma nova classe de milhares de desabrigados que hoje, no limiar da miséria absoluta, habitam as ruas das capitais europeias.

Os moradores tradicionais estão sendo empurrados para longe dos centros e a falta de moradia é responsável pelas setecentas mil pessoas que hoje dormem nas ruas. Um aumento de setenta por cento só nos últimos dez anos. Elas são muito mais, porque não existem dados seguros quanto a este número, diz a Federação Europeia das Organizações Nacionais que trabalham com os Sem-Abrigo (FEANTSA). São famílias com crianças, jovens, idosos, mulheres, migrantes e famílias monoparentais.

Viver na rua

“Em 220 milhões de famílias, perto de 11 milhões encontram-se em privação severa de habitação, ou seja, não têm residência própria, vivem na rua, num albergue, num hotel social ou estão alojados em casa de alguém”, diz o estudo da Fundação Abbé-Pierre (FAP) e da FEANTSA, publicado no jornal francês Le Monde. “Em toda a Europa os aumentos desta população são enormes”, disse Sarah Coupechoux, da Fundação Abbé-Pierre ao jornal.

A condição de sem abrigo, segundo o próprio Parlamento Europeu, é considerada uma das formas mais graves de pobreza e privação que tem de ser abolida. Os sem-abrigo, reconhece o PE, são frequentemente alvo de crimes de ódio e violência, incluindo a estigmatização social.

Apenas a Finlândia reduziu o número dos sem abrigo. Outros países mostram números dramáticos. Em dois anos, a Alemanha aumentou em 150% a quantidade dos sem teto nas ruas de suas cidades. Outros países ficaram perto disso naquele mesmo período. É o caso da Irlanda, Bélgica, Espanha e França.

Entre 2010 e 2016 houve um enorme aumento de preços de moradia em quase todos os países da União Europeia. Uma média de 20 por cento considerando casa própria ou alugada. Mas na Bulgária o aumento foi de 54 por cento, no Reino Unido 45 por cento, em Portugal 40 por cento e na França 21,5 por cento. Grande parte das famílias e dos jovens chega a gastar quase a metade de seus rendimentos no pagamento do aluguel.

A situação é pior para quem tem baixo rendimento e tem de pagar a locação ao fim de cada mês. Quem tem rendimento médio também se encontra sobrecarregado com os custos de habitação e manutenção. É o caso das famílias numerosas, dos pais solteiros e dos jovens no primeiro emprego.

A crise

OParlamento Europeu reconhece que há uma crise de habitação em todo o continente e faz um apelo aos países para garantirem moradia digna e a preços acessíveis para todos. Trata-se de um problema crescente pois os preços dos imóveis e dos aluguéis aumentam continuamente em detrimento do rendimento das pessoas ao longo dos anos.

Em Lisboa, milhares de pessoas fizeram uma manifestação no sábado passado por melhores condições de vida. Christiana Lameiro, uma oficial de justiça que participava do protesto, disse aos jornais que os concursos públicos para a carreira quase não atraiam candidatos de outras cidades por causa do preço dos aluguéis na capital do país. Os salários oferecidos não dão para pagar. O governo socialista anunciou uma ajuda para o aluguel de 125 euros para as famílias com renda mensal inferior a 2,7 mil euros, pessoas desempregadas e beneficiários de prestações sociais.

O governo português lançou um programa que batizou de “Mais Habitação” criando apoios ao pagamento dos aluguéis e das prestações de compra de imóveis da classe média. Cria também incentivos fiscais ao arrendamento acessível, diminuição no imposto de renda dos senhorios e incentivos fiscais para a construção de imóveis destinados à locação residencial.

Na rica Suíça está a ser realizada uma pesquisa para quantificar a população dos sem teto. A cada inverno, com a queda das temperaturas, os abrigos existentes não dão conta de disponibilizar leitos suficientes para os que vivem nas ruas. O coordenador da pesquisa, Christopher Young, fala das dificuldades: “estamos tentando atingir uma população muito difícil de alcançar: não podemos enviar um questionário às pessoas se elas não têm casa”.

A guerra entre a Rússia e a Ucrânia agravou a já existente crise de moradia na Irlanda. Depois do Brexit, que oficializou a saída do Reino Unido da União Europeia, a Irlanda passou a ser o único país de língua inglesa do bloco. Existem oportunidades de emprego. Esta semana chegaram vinte mil ucranianos que, junto com outros imigrantes, defrontam-se com o problema de não encontrarem onde morar. Relata-se que há pessoas dormindo no aeroporto. Saem para o trabalho e depois voltam para lá.

A Europa ambiciona acabar com a situação de sem-abrigo até 2030 através de investimentos sociais, combate à discriminação de grupos vulneráveis no mercado da habitação e a votação de leis que ajudem a contrariar a especulação.

Em janeiro os eurodeputados aprovaram uma resolução conclamando os países-membros a consagrarem a moradia adequada como um direito humano fundamental a ser previsto pela lei. Isto significa que todos devem ter acesso a uma habitação decente e saudável, que disponha de água potável de qualidade, saneamento adequado, esgotos e energia confiável. É o mínimo necessário para dar dignidade a uma vida humana.

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