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A Hungria de Orbán, a Europa e o pobre de direita

A Hungria de Orbán, a Europa e o pobre de direita

Hannah Arendt definiu em ‘As Origens do Totalitarismo’ a transformação das sociedades de classes em sociedades de massas. Nas de classes, os eleitores votavam de acordo com os seus interesses. Nas de massas, por confusas ideologias difundidas e exploradas por políticos demagogos.

A União Europeia, fundada sobre valores humanistas, enfatiza nos seus princípios o respeito pela dignidade humana, a liberdade, a democracia e a igualdade.  Dá destaque ao Estado de direito e o respeito pelos direitos do Homem, incluindo os direitos das pessoas pertencentes a minorias. Por isso não causa surpresa que Viktor Orbán e o seu governo de extrema-direita na Hungria sejam vistos como um elefante na sala, um fator de desequilíbrio e mal-estar na afirmação política do continente.

Orbán Viktor, na forma nativa do seu nome, é o líder do partido de extrema-direita Fidesz (em húngaro Fidesz – Magyar Polgári Szövetség – União Cívica Húngara). Foi fundado em 1988 sob a bandeira do anticomunismo e de uma ideologia liberal. Assumiu as cores fascistas com a chegada de Orbán à sua liderança e hoje é o maior partido político da Hungria. Faz campanha contra os imigrantes e as minorias, embora venha admitindo a chegada de trabalhadores estrangeiros em face da crise de mão de obra num país que envelhece e assiste à diminuição da sua população. É um partido eurocético, o que significa ser contra a união da Europa.

O crescimento da extrema-direita na Hungria, cavalgado por Orbán e o seu partido, é comumente explicado pelas feridas não inteiramente cicatrizadas dos quarenta anos vividos pelo país num regime comunista de corte stalinista. O Fidesz tem 119 deputados num parlamento composto de 199 representantes, o que representa 53,59 por cento.

Sucesso eleitoral

Orbán é grande amigo de Jair Bolsonaro e seus filhos e alinha-se com todos os outros líderes de extrema direita na Europa, como os italianos Giorgia Melani e Matteo Salvini, a francêsa Marine Le Pen, o português André Ventura e os alemão Tino Chrupala, presidente do AfD-Alternativa para Alemanha. Juntos, pretendem reunir numa força única toda a extrema direita que hoje existe nos vários países europeus.

A nova lei eleitoral aprovada pelo parlamento com maioria do Fidesz, a falta de tradição democrática e a divisão de uma oposição que recusa a se unir têm sido a explicação para o sucesso eleitoral do extremismo de direita. Até os ciganos, que constituem uma minoria segregada e oprimida pelo regime, votaram em sua maioria em Orbán. Assim como também as classes mais pobres. Como seria possível votar contra os próprios interesses?

Atualmente muito citada, a filósofa Hannah Arendt dá a resposta quando define em As Origens do Totalitarismo a transformação das sociedades de classe em sociedades de massas. Nas sociedades de classes os eleitores votavam de acordo com os seus interesses ao passo que nas atuais sociedades de massas os interesses diretos de classe foram substituídos por confusas ideologias que são difundidas e exploradas por políticos demagogos, gerando o curioso fenômeno do pobre de direita.

Jean Baudrillard, filósofo francês, define a massa. Ela não tem energia própria. Toma a forma que lhe é dada por quem a manipula. Ele vê na massa um corpo de amortização de forças políticas e sociais, um corpo que absorve “toda a eletricidade do social e do político e as neutraliza, sem retorno.” O conformismo é um dos pilares essenciais das sociedades de massa.

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O tipo de político que Orbán e Bolsonaro representam não possui realmente qualquer ideologia, a eles interessa apenas aumentar o seu poder. E suas falas dirigem-se principalmente aos seus seguidores que constituem a massa por eles manipulada.

Provocações e discriminação

Orbán tem um histórico de provocações aos fundamentos da União Europeia. Do afastamento da Hungria dos princípios da democracia e do estado de direito à violação dos direitos das minorias, tem criado constante mal-estar na comunidade dos 27 países, como no caso do fechamento de jornais e universidades críticos ao seu governo. A última da sua série de violações foi a aprovação de uma lei discriminatória dos direitos das comunidades LGBTQ, com a proibição de qualquer referência ao assunto na imprensa e nas escolas até a idade de 18 anos. A motivação seria a de deixar aos pais a liberdade de escolher os valores de como educar os filhos.

A lei é discriminatória ao induzir a ideia de que a homossexualidade se transmite por contágio e pela alusão à pedofilia. Numa reunião do Conselho da Europa, o chefe do governo de Luxemburgo, Xavier Bettel, que se assume publicamente homossexual disse diretamente a Orbán: “Eu não escolhi ser gay. Mas sou gay. É o que eu sou. A minha mãe odeia que eu seja gay, e eu tenho que viver com isso. Mas há muitos jovens gay que não conseguem viver com isso e cometem suicídio. E tu vens agora dar força à estigmatização e à discriminação de jovens LGBTIQ com esta lei. É muito mau. É terrível Trata-se de direitos básicos, do direito de ser diferente”.

Mark Rutte, o primeiro-ministro dos Países Baixos, disse não ter memória de uma sessão semelhante, com os líderes abertamente lançados ao ataque contra um dos membros. E sugeriu que a Hungria abandonasse a União Europeia.

Os direitos e a liberdade individual estão na base das democracias, que não permitem a discriminação étnica, política, religiosa, de gênero ou qualquer outra. Um conjunto de valores democráticos e liberais são o fundamento mais sólido da integração europeia. Orbán diz defender os valores cristãos, que seriam os verdadeiros valores europeus. Prega o que chama “uma democracia iliberal” e acusa de traição a centro-direita originária da democracia-cristã. Sabe que não está sozinho, tem a companhia dos partidos populistas da extrema-direita europeia, o que lhe permite afirmar “Os tempos mudaram e se, há 30 anos, nós acreditamos que a Europa era o nosso futuro, hoje compreendemos que somos nós o futuro da Europa”.

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