Uma trapalhada à inglesa: Brexit.
Os defensores da saída da União Europeia não confiavam na própria campanha e David Cameron, primeiro-ministro na época e que convocou o plebiscito sobre a retirada, não preparou o país para essa possibilidade e o que a realidade mostraria depois. Alguns críticos já chegaram a comparar a atual situação com o roteiro de um sketch…
A falta de comida nos supermercados de prateleiras vazias, restaurantes fechando as portas e as fábricas interrompendo a produção fazem os mais velhos se recordarem dos anos da Segunda Guerra, quando os aviões alemães faziam blitzes aéreas e bombardeavam as cidades inglesas. Só faltam as sirenes de alarme para a montagem de um cenário mais realista a reproduzir os dias de 1940 quando foi travada no céu de Londres a Batalha da Inglaterra.
São os efeitos do Brexit, ou a ressaca do dia seguinte em contraste com as passeatas que comemoraram a saída do Reino Unido da União Europeia, depois de uma avassaladora campanha de opinião pública promovida pela direita política. Os problemas na cadeia de abastecimento depois do fechamento das fronteiras fizeram os empresários pedirem uma ação urgente do governo. A deliciosa “smoothie”, uma bebida feita com morangos e banana, começou a faltar no McDonald’s, bem como todas as bebidas engarrafadas nas 1.250 lojas da cadeia no Reino Unido. A rede Nando’s fechou 50 dos seus restaurantes por falta de frango e os restaurantes de luxo Novikov avisou que estava ficando sem carne.
Segundo a associação empresarial CBI-Confederation of British Industry, os estoques no varejo chegaram ao menor nível dos últimos 40 anos. A falta de suprimentos para o consumo da época de Natal é outra preocupação. Os comerciantes temem que o próximo seja mais um Natal de poucas vendas.
Alguns críticos já chegaram a comparar a atual situação com o roteiro de um sketch de Mr. Bean.
Estas são apenas algumas das atribulações sofridas depois da bem-sucedida campanha da direita e a vitória do Brexit em 2020. Sem contar os conflitos de interesse com a Irlanda e a Escócia que, junto com a Inglaterra, formam o Reino Unido. São problemas que têm afetado negativamente a recuperação da economia. Os trabalhadores estrangeiros, que passaram a ter dificuldades para obterem visto de entrada, são a principal força de trabalho da organização logística do país pois os britânicos recusam os trabalhos de longa jornada e baixos salários. A escassez dessa mão de obra começou a provocar grande desorganização em toda a cadeia de abastecimento.
O Brexit significou o fim da livre circulação de pessoas, a criação de controles aduaneiros e a limitação de serviços que antes fluíam de um lado para o outro sem grandes restrições.
Os ingleses também reclamam que ficaram mais caras as compras feitas pela internet em países da União Europeia.
Os empresários protestam contra o aumento da burocracia e da papelada que agora é exigida para os negócios com a Europa, além da queda de 41 por cento nas vendas de exportação.
Trapalhadas
Na origem de tudo está a descrença dos próprios ingleses na vitória do Brexit. Os defensores da saída da União Europeia não confiavam na própria campanha e David Cameron, primeiro-ministro na época e que convocou o plebiscito sobre a retirada, não preparou o país para esta possibilidade.
Os ingleses sempre se sentiram superiores ao resto da Europa. Não se consideravam parte do que eles chamam até hoje, com uma certa displicência, de “o continente”. Há uma anedota que ilustra esse sentimento. Num dia de pesado nevoeiro que cobria o Canal da Mancha, os jornais ingleses deram manchete em grande tipologia: Nevoeiro no Canal: o continente isolado.
Ancorada numa poderosa Marinha, a Inglaterra construiu um império que já no Século 18 lhe dava grande prestígio e força internacionais, mesmo depois de ter perdido sua rica colônia americana. Era tão vasto o seu império que nele o sol nunca se punha, dizia-se. Sua estratégia geopolítica teve sempre como objetivo evitar que no continente europeu surgisse uma potência rival. A Inglaterra foi palco da revolução industrial que ampliou a sua influência e só com a chegada do século XX a Alemanha e os Estados Unidos vieram a fazer sombra ao seu poder. O esforço que lhe custou sair como uma das nações vencedoras da Segunda Guerra Mundial afetou a sua força e os movimentos de independência na Índia e na África enfraqueceram a espinha dorsal do grande e poderoso império.
Na década dos anos 1950 os países da Europa ganharam a consciência de que a união entre eles poderia gerar uma escala capaz de competir com as duas superpotências que disputavam então a hegemonia mundial, os Estados Unidos e a União Soviética. A ideia não sensibilizou os ingleses e Churchill resumiu sua posição: “nós britânicos temos a nossa própria comunidade de nações”, disse referindo-se à Commonwealth.
*Imagem em destaque: Foto de Samuel Regan-Asante na Unsplash
Poeta, articulista, jornalista e publicitário. Traballhou no Diário de Minas como repórter, na Última Hora como chefe de reportagem e no Correio de Minas como Chefe de Redação antes de se transferir para a publicidade, área em que se dedicou ao planejamento e criação de campanhas publicitárias. Colaborou com artigos em Carta Maior e atualmente em Fórum 21. Mora hoje no Porto, Portugal.
É autor de Poente (Editora Glaciar, Lisboa, 2022), Dezessete Poemas Noturnos (Alhambra, 1992), O Último Número (Alhambra, 1986), O Itinerário dos Emigrantes (Massao Ohno, 1980), A Região dos Mitos (Folhetim, 1975), A Legião dos Suicidas (Artenova, 1972), Processo Penal (Artenova, 1969) e Texto e a Palha (Edições MP, 1965).