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Altas tecnologias e democracia na batalha entre X e Brasil

Altas tecnologias e democracia na batalha entre X e Brasil

O bilionário e empresário de ultra-direita Elon Musk, dono de empresas de alta tecnologia nos setores do espaço, da mobilidade elétrica e dos satélites de comunicação, bem como da rede social X, sente-se um deus da sua própria igreja. A sua última ofensiva, juntamente com a extrema-direita internacional, é contra o juiz brasileiro Alexandre de Moraes, naquilo que descreveu como defesa da liberdade de expressão. (Imagem: RS Elon Musk via Public Photos).

POR MARIO OSAVA

RIO DE JANEIRO – A liberdade de expressão é o grande argumento de Elon Musk, o bilionário empreendedor de alta tecnologia e de outros setores, para se revoltar contra as regras da justiça brasileira, que acabou suspendendo as operações da sua plataforma digital X no Brasil em 30 de agosto.

O confronto evidencia duas contradições. Trata-se de um dos homens mais ricos do mundo, que se aliou à extrema-direita internacional e ameaça destruir a democracia e, portanto, as liberdades, incluindo a liberdade de expressão.

Além disso, Musk é proprietário de empresas que utilizam as tecnologias mais avançadas, como a Tesla para os veículos elétricos, a Space X para as viagens espaciais e a Starlink para as comunicações por satélite, que ele colocou a serviço de ideias e políticas retrógradas, que negam os avanços civilizatórios nas questões ambientais, de gênero, étnicas e científicas, em geral.

Musk se recusou a retirar da rede X, como rebatizou o Twitter, perfis que disseminam mentiras e discursos de ódio, especialmente contra o Supremo Tribunal Federal (STF), e demitiu toda a equipe da X sem deixar um representante legal no país, violando uma exigência para empresas estrangeiras ou transnacionais.

É grave que essas empresas continuem sem regras, mas também é necessária uma reação política para superar a dependência absurda do país em relação a essas empresas. Os serviços públicos informatizados dependem das nuvens da Microsoft, da Amazon, é perigoso, Flavia Lefevre.

Além de exigir que todas as 20 mil operadoras de internet bloqueiem o acesso ao X, o juiz do STF Alexandre de Moraes proibiu o uso do aplicativo VPN, que permite o acesso omitindo o local de onde ele é feito, impondo uma multa de 50 mil reais a quem descumprir a medida.

Depois, ele voltou atrás na proibição, mas manteve a multa, considerada um exagero por especialistas em comunicação, inclusive jurídicos. A medida mais contestada foi a exigência de que a Starlink, outra empresa de Musk, pague as multas aplicadas à X, num total de R$ 18,3 milhões.

A Starlink fornece conetividade à Internet por satélite em todo o mundo e tem 224 mil utilizadores no Brasil, incluindo o exército e a marinha brasileiros, principalmente em áreas de difícil acesso, como a Amazônia.

A empresa começou por se recusar a cumprir as ordens judiciais, mas depois concordou em suspender o acesso à X, enquanto recorria ao próprio STF sobre o pagamento das multas, uma vez que a X e a Starlink são empresas separadas com objetivos diferentes, embora o proprietário seja o mesmo.

Alexandre de Moraes, um dos 11 juízes do Supremo Tribunal Federal do Brasil, decidiu suspender as operações da plataforma X, o antigo Twitter, no país até que a empresa nomeie um representante legal no país e cumpra as leis brasileiras de comunicação. Imagem: Rosinei Coutinho / SCO / STF.


Batalha política

“A questão é mais política do que jurídica”, afirma Flávia Lefevre, advogada especialista em direito da comunicação e conselheira do Instituto Nupef (Núcleo de Pesquisa, Estudos e Formação), organização não-governamental que promove o uso seguro das tecnologias de informação e comunicação, especialmente entre organizações sociais e comunitárias.

“Juridicamente, pode-se questionar as medidas contra a Starlink, mas não a suspensão da X, que violou a Constituição nacional, o Código de Defesa do Consumidor, a Lei Geral de Proteção de Dados e o Marco Civil da Internet”, disse ela à IPS, por telefone, de São Paulo.

A gota d’água para a suspensão total da plataforma X no Brasil até que ela se adeque às normas legais do país foi a recusa em nomear um representante, como forma de se eximir de qualquer responsabilidade, no que foi descrito como um desafio à soberania nacional.

Musk também faz política, apoiando o republicano Donald Trump nos Estados Unidos nas eleições de novembro, o presidente argentino Javier Milei e o ex-governador brasileiro Jair Bolsonaro, todos de extrema-direita.

É tão rico que não se importa de perder os utilizadores brasileiros do X, estimados em mais de 20 milhões, nem de perder o valor da sua empresa face a conflitos de natureza política.

No Brasil, ataca pessoalmente Moraes, que tem nas suas mãos os processos judiciais que mais ameaçam Bolsonaro e os seus ativistas, como a tentativa de golpe de 8 de janeiro de 2023 e a disseminação de informações falsas e discursos de ódio.

Musk chegou a insultar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva chamando-o de “cachorrinho do Moraes”, lembrou Lefevre.

Elon Musk, dono da plataforma X, divulgou esta imagem satírica feita por inteligência artificial para difamar o juiz Alexandre de Moraes, em retaliação à sua decisão de bloquear aquela rede social no Brasil até que a empresa cumpra a legislação nacional. Imagem: RS via Fotos Públicas.

O alvo é um juiz polêmico

O juiz tornou-se o principal alvo da extrema-direita também por adotar muitas medidas criticadas até por juristas, por serem decisões individuais, quando seria melhor um julgamento coletivo dos 11 membros do STF, e por ignorar a neutralidade judicial ou exagerar nas suas decisões, como penalizar a Starlink por X crimes.

Moraes nunca foi juiz de primeira instância; sua carreira foi passada no Ministério Público, no ensino universitário e na segurança pública, o que provavelmente é seu estilo de atuação.

A extrema-direita brasileira está tentando desqualificar Moraes como juiz do STF, uma ação que depende do Senado e de uma maioria difícil de alcançar de dois terços dos senadores presentes.

Musk também está sendo processado na Europa por violar a Lei de Serviços Digitais da União Europeia e a lei alemã.

“Espero que uma decisão do STF crie um precedente importante para outros países” nas suas batalhas contra os abusos de poder das plataformas digitais, disse Lefevre.

A internet, cujos ativistas conseguiram manter aberta, inclusiva e democrática em suas primeiras três ou quatro décadas, tornou-se um campo de monopólios, das empresas mais poderosas e ricas do mundo, que favoreceram a articulação e ascensão da extrema-direita no mundo, com a disseminação de mentiras e ódio.

O ex-presidente Jair Bolsonaro recebeu o empresário Elon Musk em maio de 2022, em Brasília, quando este negociava a compra do Twitter, que rebatizou como X. Começou então uma aliança que resultou em constantes ataques do bilionário ao atual governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e principalmente ao juiz Alexandre de Moraes, que conduz diversos julgamentos contra crimes de extrema-direita no Supremo Tribunal Federal. Imagem: Clauber Cleber Caetano / PR.

Democracia ou monopólios na rede

“A internet está se democratizando, o problema não é a internet, mas o sistema de algoritmos das plataformas, que são braços do neoliberalismo e respondem aos interesses dos Estados Unidos”, disse Lefevre.

Ele ressaltou que “a internet não deve ser confundida com as empresas que dominam as redes sociais e os serviços de busca, como a Meta (conglomerado de empresas norte-americanas que inclui Facebook, WhatsApp e Telegram), que tem 3 bilhões de usuários, ou o Google, que tem um poder absurdo, inclusive eleitoral, ao identificar nichos de eleitores”, para direcionar mensagens específicas a eles.

Um exemplo desse poder das plataformas ocorreu com a aprovação do Brexit (saída da União Europeia) no Reino Unido, onde dados pessoais foram usados ilegalmente para atrair votos a favor dessa medida, que triunfou no referendo de junho de 2016.

A batalha atual entre Musk e o judiciário brasileiro é sobre a regulamentação dessas empresas e suas plataformas digitais, disse o advogado e ativista da internet democrática. Uma proposta nesse sentido está paralisada no Congresso Nacional legislativo, inclusive sob pressão das redes sociais, assim como de legisladores pró-Bolsonaro.

“É grave que essas empresas continuem sem regras, mas também é necessária uma reação política para superar a dependência absurda do país em relação a essas empresas. Os serviços públicos informatizados dependem das nuvens da Microsoft, da Amazon, é perigoso”, exemplificou Lefevre.

O Starlink é um caso de risco, pois gera dependência de serviços públicos, da agricultura de exportação e até dos militares em relação a satélites em órbitas baixas, que têm uma vida útil de apenas cinco anos.

Musk e sua plataforma X são a negação da liberdade de expressão de uma internet democrática, ao promover a concentração das mídias sociais e sua infraestrutura, além de concentrar o poder da X em suas mãos, segundo Ronaldo Lemos, cientista-chefe do Instituto de Tecnologia e Sociedade, sediado no Rio de Janeiro.

Exemplos opostos e alternativas saudáveis são redes como a Blue Sky e a Mastodon, com infraestrutura distribuída e federação de servidores, de forma a evitar o controle de suas plataformas por particulares ou pelo Estado, escreveu ele em artigo publicado pelo jornal Folha de São Paulo no dia 1º de setembro.

Muitos dos utilizadores do X agora bloqueados no Brasil estão a migrar para o Blue Sky.

Artigo publicado originalmente na Inter Press Service.

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