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Assédio sexual, mais um escândalo no Brasil por um crime imperdoável

Assédio sexual, mais um escândalo no Brasil por um crime imperdoável

O ex-ministro dos Direitos Humanos e Cidadania, Silvio Almeida, alegou a sua inocência e a decisão de se defender das denúncias de assédio sexual de diversas mulheres, publicadas pelo jornal digital Metrópoles e pela organização Me too Brasil, que apoia as vítimas deste crime. Foto: Antônio Cruz/ Agência Brasil

POR MARIO OSAVA

RIO DE JANEIRO – O presidente brasileiro , Luiz Inácio Lula da Silva, demitiu abruptamente o ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, acusado de assédio sexual, crime considerado imperdoável no atual governo, em contraste com a manutenção de outros ministros com denúncias de corrupção.

No dia 12 de junho, a Polícia Federal acusou o ministro das Comunicações, José Juscelino Rezende Filho, de ter destinado o equivalente a R$ 1,3 milhão em 2021 para obras que beneficiaram sua família, quando era deputado. O ministro nega a acusação e permanece no governo, apesar da ampla repercussão na mídia.

Há outros ministros com suspeitas ou acusações policiais de improbidade e peculato em suas funções anteriores, geralmente como governadores de estado.

Os crimes sexuais são intoleráveis ​​especialmente entre as forças progressistas, devido às suas implicações morais e, atualmente, no Brasil, devido à constante pregação da extrema-direita de que a esquerda promove a pedofilia e a sexualização precoce de crianças nas escolas.

O caso atual é grave, “assustador”, segundo Isabel Freitas, uma das coordenadoras do Centro Feminista de Estudos e Consultorias (Cfemea), porque ocorreu em um governo progressista, envolve um ministro negro, um pensador inovador na luta antirracista, e há reclamações do ano passado sem respostas de “quem ouviu e nada fez”.

“O governo tem que enfrentar o assédio de frente, reconhecer que o assédio moral e sexual existe na vida política, nas empresas e no transporte público, fazer uma autocrítica, definir políticas públicas e agir com mão firme na proteção de todas as mulheres”, Isabel Freitas.

O escândalo eclodiu no dia 5 de setembro quando o jornal digital Metrópoles, de Brasília, noticiou, com base em dados da organização Me Too Brasil, que havia “denúncias”, no plural, mas sem número preciso, contra o então Ministro das Relações Humanas. Direitos e Cidadania.

ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, também negra, estaria entre as mulheres que denunciaram assédio desde o ano passado, segundo o Metrópoles.

Ela confirmou isso em reuniões com Lula, que discutiu o assunto com vários ministros em Brasília na sexta-feira, 6, antes de decidir na noite daquele dia demitir Almeida, após ele ter descartado a renúncia e alegado inocência e disposição de provar isso por direito próprio.

Franco é irmã de Marielle Franco, assassinada em 2018 quando era vereadora no Rio de Janeiro e que se tornou um símbolo nacional e internacional das lutas feministas, antirracistas e pela desigualdade social.

Anielle Franco, ministra da Igualdade Racial, foi uma das supostas vítimas da tentativa de abuso sexual de Silvio Almeida em 2023, fato só revelado publicamente agora, após denúncias contra o ex-ministro dos Direitos Humanos. No caso dele, não se fala legalmente em assédio sexual porque havia igualdade hierárquica entre os dois no governo brasileiro. Imagem: Marcelo Camargo/Agência Brasil.

Queda de um líder intelectual

Almeida, 48 anos, é um intelectual consagrado, autor de diversos livros, entre eles “Racismo Estrutural” em que se aprofunda nesse conceito que expõe o racismo como parte funcional e institucionalizada da economia e da sociedade brasileira. A sua queda representa um duro golpe para o movimento antirracista.

Formado e doutor em Direito e Filosofia, professor em duas universidades privadas de São Paulo com convites para cursos no exterior, sua nomeação como ministro em janeiro de 2023 fortaleceu a dimensão social do governo Lula.

“O governo tem que enfrentar o assédio de frente, reconhecer que o assédio moral e sexual existe na vida política, nas empresas e no transporte público, fazer uma autocrítica, definir políticas públicas e agir com mão firme na proteção de todas as mulheres”, afirmou Freitas em entrevista por telefone à IPS de Brasília.

O fato de os casos de assédio sexual já serem conhecidos no seio do governo, sem que existissem medidas de prevenção e punição, revela que os mecanismos previstos para este tipo de crimes, como a Comissão de Ética da Presidência, a fiscalização e um programa de proteção assinado pelo próprio Almeida como ministro, complementou.

A maioria dos analistas concorda que Almeida merece e deveria ter plena presunção de inocência no campo jurídico, mas no plano político, continuar como ministro era inviável, especialmente tendo em conta as normas contra o assédio por parte do governo e dos setores progressistas que representa.

Marcha de mulheres negras no Rio de Janeiro no dia 28 de julho deste ano, em protesto contra o racismo, o feminicídio e a violência sexual das quais as mulheres negras são as maiores vítimas. Imagem: Tânia Rêgo/Agência Brasil.

Reclamações crescentes

Até agosto, a Controladoria-Geral da União estadual recebeu 557 denúncias de assédio neste ano dentro do governo. É um número crescente, chegou a 920 ao longo do ano passado e 531 em 2022, segundo dados oficiais.

“Devemos repensar a defesa das mulheres, criar organizações independentes, com membros externos, juristas feministas, e promover campanhas educativas dentro do serviço público”, propôs Freitas.

A punição, como demonstra o presente caso, tem de ser aplicada tanto ao infrator como a quem não tomou as medidas adequadas em tempo útil e deveria ter agido para evitar a continuação e repetição dos crimes, sustentou.

Mas ao contrário de uma maior eficiência, o Ministério da Mulher é um dos que mais perdeu recursos no orçamento do Estado, queixou-se.

O assédio é frequente no trabalho doméstico, que não possui sequer legislação própria para proteger os trabalhadores mais vulneráveis ​​à violência, devido à natureza e localização das suas relações laborais.

A grande repercussão do caso Almeida, por revelar o assédio a um ministro e intelectual negro, intensifica o debate sobre a violência sexual e de gênero, em todas as esferas e instâncias.

O mesmo governo vai anunciar nos próximos dias um “Programa de prevenção e enfrentamento ao assédio e à discriminação”, com um comitê gestor encarregado de sua execução, informou o jornal Valor Economia nesta segunda-feira, 9.

São medidas do Ministério de Gestão e Inovação nos Serviços Públicos e da Controladoria-Geral da União, em preparação desde maio de 2023, desbloqueadas pelo escândalo no Ministério dos Direitos Humanos.

Traumas invisíveis

O assédio sexual muitas vezes fica impune porque é difícil para as vítimas denunciá-lo, devido a relações de subalternidade hierárquica, dependência econômica e às consequências incontroláveis.

No caso de Almeida, afeta o coração do atual governo, que tem os direitos humanos, a luta contra o racismo e a pobreza no centro das suas prioridades. Também ameaça destruir a carreira e a reputação de um ícone dessas lutas.

No governo anterior, presidido por Jair Bolsonaro, líder de muitas manifestações misóginas, racistas e de desprezo pelos direitos das minorias, o escândalo de assédio sexual de maior repercussão atingiu Pedro Guimarães, então presidente da Caixa Econômica Federal (CEF), o banco estatal da área social, como habitação e crédito aos setores populares.

A Me Too Brasil, que se apresenta como uma organização que “defende as mulheres vítimas de violência sexual”, mantém o anonimato das denunciantes porque elas enfrentam “dificuldades em obter apoio institucional para validar as suas denúncias” e os agressores são geralmente pessoas poderosas ou influentes.

No presente caso, as vítimas autorizaram que as denúncias fossem divulgadas na mídia.

“Não podemos continuar a depender da comunicação social para denunciar e garantir salvaguardas”, lamentou Freitas.

Em geral, uma primeira reclamação abre caminho para outras, num efeito dominó. No caso de Almeida, já apareceu outra acusação pública.

Isabel Rodrigues, professora universitária e ex-candidata a vereadora em Santo André, cidade industrial da região metropolitana de São Paulo, disse nas redes sociais que sofreu assédio sexual do ex-ministro Almeida em 2019. Ela acrescentou que não denunciou isso por medo de novas violências na delegacia e por ele ser advogado.

Artigo publicado originalmente na Inter Press Service.

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