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Ativistas exilados de Myanmar mantêm a fé revolucionária enviando pacotes de alimentos para presos políticos

Ativistas exilados de Myanmar mantêm a fé revolucionária enviando pacotes de alimentos para presos políticos

Por William Webb

CHIANGMAI, Tailândia – A noite de Ragun está vibrante. O bar está lotado e a coqueteleira treme freneticamente enquanto a banda Born In Burma começa a tocar sua batida.

Só que não estamos em Rangun, também conhecida como Yangon, a antiga capital do país, ou em outro lugar na Birmânia (oficialmente chamado de Myanmar), mas sim na cidade de Chiangmai, no norte da Tailândia, que se tornou um centro de ativistas, fugitivos e aqueles que tiram uma folga da guerra que assola seu país.

Dançando entre eles com uma graça fantasmagórica está Sakura – seu nome de guerra –, que, como outros no bar muito popular entre os exilados de Myanmar, está lá tanto para relaxar quanto para arrecadar fundos para o movimento revolucionário que luta contra a junta militar que assumiu o poder há três anos.

A operação pessoal de Sakura, liderada por uma equipe pequena e muito unida, consiste em entregar pacotes de alimentos para algumas dezenas de prisioneiros políticos detidos pelo regime em condições horríveis em todo Myanmar.

Está documentado que mais de 1.500 pessoas morreram enquanto estavam detidas à força ou por negligência desde o golpe. Mais de 20 mil estão atrás das grades.

“Os pacotes são uma mensagem para eles: que ainda os apoiamos e não os esquecemos”, diz Sakura.

Seu projeto surgiu por acidente. Ela estava no início de 2021, juntando-se a grandes multidões de manifestantes contra o golpe militar de 1º de fevereiro daquele ano, quando sua prima foi presa e desapareceu dentro do sistema penitenciário.

Suspeitando que ela estava detida na famosa prisão Insein de Yangon (construída por colonizadores britânicos no século XIX), os advogados disseram a Sakura que se ela entregasse um pacote de comida com o nome de sua prima e fosse aceito na prisão, isso indicaria que ela realmente estava lá dentro.

Funcionou. Sakura compartilhou essa informação útil no Facebook, a mídia social preferida pela resistência, enquanto a junta usa principalmente o Telegram. Logo, ela começou a receber pedidos de ajuda de familiares de outros presos.

Assim nasceu o projeto de pacotes de alimentos de Sakura. Ela mudou-se para a Tailândia em 2022, depois de fugir das batidas policiais em sua casa em Yangon. “Não posso voltar”, diz ela.

Sua pequena, mas eficaz, operação diz muito sobre a guerra em Myanmar, em grande parte esquecida além de suas fronteiras; instituições internacionais e organizações humanitárias ineficazes; pouca ajuda externa.

Mas em contraste com organizações nacionais e vibrantes da sociedade civil como a de Sakura, que se esforçam para fazer a diferença, trabalhar de forma eficiente e oferecer a oportunidade de um futuro melhor.

Os pacotes de Sakura, montados em Myanmar, contêm sopa em pó para dar sabor ao mingau servido na prisão, macarrão instantâneo, biscoitos, ingredientes para a adorada salada de folhas de chá, sabonete antibacteriano para doenças de pele, sabão em pó para roupas, xampu, escova e creme dental. Além da importante mistura de café da marca Premier, que atua como moeda de troca entre os prisioneiros.

Atualmente, a equipe entrega para cerca de 35 prisioneiros por mês, uma pequena fração do número crescente que a junta está encarcerando em meio ao aumento da construção de prisões, um dos poucos setores da economia que se beneficiam da guerra civil.

Rostos dos mortos. A Associação de Assistência para Prisioneiros Políticos, sem fins lucrativos, de Mianmar tem um museu na cidade fronteiriça tailandesa de Mae Sot que documenta as identidades de mais de 3 mil civis mortos pelos militares desde que tomaram o poder em 2021, bem como daqueles mortos desde o primeiro golpe pós-independência, em 1962.

Trabalhando com um orçamento mensal de aproximadamente 3 milhões de kyat (cerca de 850 dólares no mercado paralelo), Sakura também envia dinheiro para sustentar famílias pobres cujos principais provedores estão agora atrás das grades. Uma delas é a mãe de uma recepcionista de hotel em Yangon, na casa dos 20 anos, que foi condenada a 15 anos.

“O crime dela foi ter doado cerca de 10 dólares à resistência. A polícia apreendeu seu celular e encontrou o pagamento no aplicativo. A mãe dela está doente e não pode trabalhar”, explica Sakura, que aprendeu inglês em um mosteiro budista e vem de uma família de agricultores.

A entrega dos pacotes não é uma operação típica de correio. Os fundos são enviados da Tailândia, por vários meios, para a sua pequena equipe em Myanmar que, correndo o risco de ser presa por “apoiar o terrorismo”, compra os itens e os embala em pacotes, que são então discretamente repassados aos advogados que representam os presos, que os repassam aos familiares que os acompanham em suas visitas à prisão.

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Algumas mulheres detidas também recebem produtos de higiene e saúde. “Às vezes também recebemos encomendas especiais de roupas ou roupas íntimas. Meu orçamento nem sempre aumenta”, diz ela.

Do outro lado de Chiangmai, Sonny Swe, um conhecido empresário e editor de Myanmar que anteriormente morava em Yangon, reflete sobre o trauma de mais de oito anos de isolamento na prisão, de 2004 a 2013, e a importância das visitas familiares e dos pacotes de alimentos.

“A meditação, o exercício, a leitura” foram a base de sua sobrevivência, diz ele, enquanto toma um farto café da manhã birmanês com sopa de peixe mohinga em seu café, Gatone’s (Baldy’s). Ele esteve detido em cinco prisões diferentes e as longas distâncias de sua casa impediram visitas familiares regulares.

“Eu dizia a mim mesmo: ‘Sou forte, forte. Eu vou sobreviver. Eles não vão me derrubar. Eu vou derrotá-los’. Mas uma vez que você sai da prisão, você entende o preço, o trauma. Você pensa que está bem e forte, mas não está”.

Bo Kyi, secretário adjunto da Associação de Assistência a Presos Políticos (AAPP), uma organização sem fins lucrativos, foi prisioneiro político por sete anos e conhece bem a ajuda fornecida por familiares e amigos aos detidos.

“O apoio da família é muito importante para um preso político”, diz ele. Agora com 59 anos, ele esteve preso entre 1990 e 1993 por se manifestar e pedir a libertação de todos os prisioneiros políticos, e foi preso novamente em 1994, permanecendo por mais quatro anos.

Ele diz que a inteligência militar tentou recrutá-lo como informante, mas ele se recusou e, por sua vez, exigiu a libertação de todos os prisioneiros políticos e que o regime iniciasse um diálogo com Aung San Suu Kyi, que na época estava em prisão domiciliar. Líder do governo eleito que foi derrubado pelo golpe, ela está novamente na prisão.

Bo Kyi co-fundou a AAPP na cidade tailandesa de Mae Sot em março de 2000. A organização documenta meticulosamente as identidades dos prisioneiros políticos e rastreia seu destino, assim como o dos civis mortos pelo regime.

Considerada uma organização ilegal pelo regime, a AAPP também oferece treinamento para lidar com traumas e serviços de aconselhamento, com a assistência da Universidade Johns Hopkins, em Maryland.

Até o final de fevereiro, a AAPP documentou os nomes e identidades de 20.147 pessoas que define como prisioneiros políticos, incluindo mais de 4 mil mulheres e 300 crianças. Até agora, 15 mulheres e 136 homens foram condenados à morte. Quatro foram executados em 23 de julho de 2022, incluindo o conhecido ativista Ko Jimmy.

Até 31 de janeiro deste ano, 1.588 pessoas foram documentadas como “mortas à força ou por negligência” durante a detenção pelo regime e seus apoiadores desde o golpe. O número real pode ser muito maior. “A tortura é endêmica”, diz a AAPP.

Um grande número dos que morreram enquanto estavam detidos está na região de Sagaing, “onde a resistência da população é mais feroz”, acrescenta a organização.

Não são apenas estatísticas. Falando da bravura daqueles que estão em Myanmar e tentam aliviar a difícil situação dos prisioneiros, Sakura compartilha a notícia mais chocante dos últimos tempos.

Segundo relatos, Noble Aye, proeminente ativista de direitos humanos, foi morto enquanto estava detido junto com um colega, aparentemente após uma audiência judicial em 8 de fevereiro na região de Bago. Eles foram detidos em um posto de controle no município de Waw em 20 de janeiro, supostamente portando armas e munições, acusações que a resistência afirma serem falsas.

Ele já havia sido preso duas vezes como prisioneiro político e dividia cela com Zin Mar Aung, o atual ministro das Relações Exteriores no Governo paralelo de Unidade Nacional criado após o golpe.

Como costuma acontecer, o regime atribuiu sua morte a uma tentativa de fuga. A família diz que recebeu informações de que seu corpo foi secretamente cremado. Noble Aye tinha 49 anos e estava com a saúde debilitada.

William Webb é um escritor de viagens independente.

*Imagem em destaque: Uma simples seleção de alimentos reunidos em pacotes, produzidos em Myanmar, para prisioneiros políticos, com recursos arrecadados por ativistas exilados e pela diáspora birmanesa. Imagem: William Webb/IPS

**Publicado originalmente em IPS – Inter Press Service | Tradução de Marcos Diniz

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