Biden enfrenta rebelião em suas fileiras devido à Guerra de Gaza

Biden enfrenta rebelião em suas fileiras devido à Guerra de Gaza

Doze funcionários da administração Biden se demitiram publicamente acusando os EUA de dar cobertura diplomática ao fluxo contínuo de armas para Israel.

POR THALIF DEEN

NAÇÕES UNIDAS – O governo Biden, que tem sido fortemente criticado pela sua posição intransigente pró-Israel na guerra de nove meses em Gaza, está enfrentando uma rebelião nas fileiras de sua própria burocracia: 12 demissões até agora.

Os doze funcionários do governo que se demitiram acusaram publicamente os EUA de dar cobertura diplomática ao fluxo contínuo de armas para Israel, assegurando “a nossa inegável cumplicidade nos assassinatos e na fome forçada da população palestina, sitiada em Gaza”.

“Isto não só é moralmente repreensível e uma clara violação aos direitos humanos internacional e do direito norte-americano, como coloca um alvo nas costas dos Estados Unidos”, continua o grupo demissionário, argumentando que essa política pôs em perigo a vida de militares e diplomatas norte-americanos.

Alon Ben-Meir, professor aposentado de relações internacionais do Centro de Assuntos Globais da Universidade de Nova York, disse à IPS: “Compartilho a visão geral dos 12 funcionários do governo dos EUA que renunciaram em protesto contra a política do governo Biden em conexão com a guerra entre Israel e o Hamas”.

O grupo demissionário escreveu uma declaração conjunta no dia 4 de julho, intitulada Service in Dissent, afirmando que “a cobertura diplomática dos EUA e o fluxo contínuo de armas para Israel garantiram a nossa inegável cumplicidade nos assassinatos e na fome forçada da população palestina sitiada em Gaza”.

“Isto não só é moralmente repreensível e uma clara violação do direito humanitário internacional e do direito norte-americano, como também colocou um alvo nas costas dos Estados Unidos”, acrescentou.

“Apoiei o direito de Israel de se defender, bem como o apoio do governo Biden aos esforços de guerra de Israel, mantendo o firme compromisso dos EUA com a segurança de Israel, fornecendo-lhe toda a ajuda militar e cobertura política necessárias.”, observou Ben-Meir.

“Afirmei repetidamente que o ataque sem precedentes do Hamas de 7 de outubro de 2023 e a retaliação sem paralelo de Israel reforçaram a minha opinião, que partilho com muitos outros, de que não haverá resolução para o conflito Israel-Palestina, de 76 anos sem uma solução de dois Estados”, acrescentou.

O especialista, que lecionou cursos de negociação internacional e de estudos sobre o Oriente Médio, disse que continua mantendo “a posição de que será impossível voltar ao status quo que prevalecia antes de 7 de outubro, uma vez que foi criado um novo paradigma que ofereceu uma oportunidade inédita para serem reiniciadas as negociações de paz, que poderiam conduzir a uma solução de dois Estados”.

Enquanto isso, também houve reações negativas nas capitais europeias. Em fevereiro passado, o New York Times publicou uma história intitulada “Autoridades dos EUA e da Europa divulgam uma carta protestando contra as políticas israelenses”.

Segundo a reportagem do Times, mais de 500 autoridades nos EUA, Grã-Bretanha e União Europeia (UE) divulgaram uma “carta pública de dissidência” contra o apoio de seus (respectivos) governos a Israel em sua guerra em Gaza”.

Em artigo de opinião publicado na IPS em 18 de julho, Mouin Rabbani, co-editor do Jadaliyya e membro não residente do Centro de Estudos Humanitários e de Conflitos (CHS), afirma que a declaração dos 12 dissidentes torna indiscutivelmente claro que a política dos EUA em relação ao conflito que assola Gaza “tem sido um fracasso absoluto a praticamente todos os níveis”.

[Os EUA] não apenas não atingiram nenhum de seus objetivos de consolidar ainda mais a hegemonia ocidental no Oriente Médio, mas também tornou o seu governo, direta e ativamente, cúmplice do genocídio em andamento no Tribunal Internacional de Justiça em Haia, afirmou.

Como salientam os signatários do “Service in Dissent”, os EUA estão violando “deliberadamente” não só as leis internacionais, vinculativas para o país, mas também, de forma semelhante e consciente, a própria lei dos EUA na sua “determinação fanática” de levar até ao fim as atrocidades em massa cometidas por Israel, afirma Rabbani, que também é membro não residente da Democracy for the Arab World Now (DAWN).

“De forma reveladora, e com toda a razão, eles também salientam que a determinação da administração Biden em estar ao lado do primeiro-ministro israelita Netanyahu e do seu governo anexionista de ultra direita levou à supressão de liberdades constitucionais básicas nos Estados Unidos”, afirma.

Entretanto, num discurso perante o Conselho de Segurança das Nações Unidas, em 17 de julho, o Secretário-Geral da ONU, António Guterres, alertou que “os recentes desenvolvimentos estão cravando uma estaca no coração de qualquer perspectiva de uma solução de dois Estados”.

“A geografia da Cisjordânia ocupada está sendo constantemente alterada por meio de medidas administrativas e jurídicas israelenses. Espera-se que o confisco de grandes parcelas de terra em áreas estratégicas e as alterações no planejamento, gestão da terra e governança acelerem significativamente a expansão dos assentamentos”, acrescentou.

Estas alterações, observou, incluem a emissão de duas ordens militares no final de maio. Estas ordens transferiram poderes e nomearam um adjunto civil para a Administração Civil israelense na Cisjordânia, o que é alarmante.

Esta medida, considerou, é mais um passo significativo na transferência de autoridade por parte de Israel sobre muitos aspectos da vida quotidiana na Cisjordânia ocupada, e mais um passo no sentido da extensão da soberania israelense sobre o território ocupado.

Se não forem resolvidas, disse Guterres, estas medidas podem causar danos irreparáveis na Palestina.

“Toda a atividade de colonização deve cessar imediatamente. Os assentamentos israelenses constituem uma violação flagrante do direito internacional e um obstáculo fundamental à paz. A violência tem de acabar e os seus autores têm de ser levados rapidamente ao tribunal”, afirmou o Secretário-Geral da ONU.

Israel deve garantir a segurança da população palestina”, insistiu.

Por seu lado, Ben-Meir disse que “pessoalmente, era a favor de paralisar militarmente o Hamas”, a milícia islâmica armada em Gaza.

“Ainda assim, eu também afirmei repetidamente que, embora Israel possa ser capaz de esmagar o Hamas militarmente, ele será incapaz de destruí-lo como um movimento político que mantém uma ideologia específica que clama pela destruição de Israel”, apontou.

“No entanto, nunca concordei com a noção de que o Hamas estará em posição de extinguir Israel por muitas razões, incluindo o fato de que os líderes do Hamas sabem muito bem que Israel é uma potência militar formidável cuja existência é irrevogável. A guerra deixou claro que desafiar o direito de Israel de existir equivale ao suicídio”, complementou.

Não se deve esquecer que o presidente Biden foi um dos primeiros líderes mundiais a defender que, perante a guerra em Gaza, uma solução de dois Estados seria um pré-requisito para acabar com este conflito endêmico.

Mas, à medida que a guerra continuou, que a destruição e os mortos em Gaza aumentaram, e que o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu se recusou a falar de qualquer solução no sentido de um Estado palestino independente, toda a ideia de uma solução de dois Estados desapareceu do léxico de Biden.

Isso enquanto o fluxo de armas dos EUA para Israel aumentava sem condições prévias para os ataques implacáveis à Faixa de Gaza.

Além disso, os EUA vetaram duas resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas que apelavam a um cessar-fogo, enquanto os alimentos, a água, o combustível e as provisões médicas diminuíam e o deslocamento de palestinos às centenas de milhares continuava sem parar.

Entretanto, os bombardeios incessantes de Israel com bombas fabricadas nos EUA, que mataram e continuam matando milhares de pessoas em zonas densamente povoadas, tornaram os EUA cúmplices da horrível carnificina, lembrou Ben-Meir.

Até agora, disse, mais de 37.000 palestinos foram mortos, a maioria civis, e mais de metade da Faixa de Gaza ficou em ruínas.

Artigo publicado originalmente na Inter Press Service.

Foto de Capa: Ricardo Stuckert/PR.

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