Desigualdades frustram conquistas trabalhistas das mulheres no Brasil

Desigualdades frustram conquistas trabalhistas das mulheres no Brasil

O salário médio das mulheres brasileiras foi 20,1% menor que o dos homens em 2022 e em um país com 208 milhões de habitantes, e onde as mulheres representam 45,5% da população economicamente ativa. Além disso, um fator normalmente apontado como determinante para a promoção profissional e salarial, o nível de escolaridade, não vale para…


RIO DE JANEIRO – Nova lei para impor igualdade salarial entre homens e mulheres que exerçam a mesma função é promovida pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva para combater as desigualdades de gênero no trabalho, uma velha luta frustrada no Brasil.

A Consolidação das Leis do Trabalho, em vigor desde 1943, já estabelece essa igualdade, reafirmada em outras leis e até na Constituição de 1988, cujo artigo 7º impõe “a proibição de diferença de salários, exercício de funções e critérios de admissão em razão de sexo, idade, cor ou estado civil”.

Desta vez, Lula, cujo governo progressista empodera as mulheres, anunciou uma legislação que vai penalizar as empresas infratoras, conforme anúncio feito em 28 de fevereiro, que detalhará nesta quarta-feira, dia 8, por ocasião do Dia Internacional da Mulher.

O salário médio das mulheres brasileiras foi 20,1% menor que o dos homens em 2022, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, em um país com 208 milhões de habitantes, e onde as mulheres representam 45,5% da população economicamente ativa.

“A lei não resolve, porque não é cumprida. A população reconhece a distância entre a lei escrita e a vida real”, observou Hildete Pereira de Melo, professora da Universidade Federal Fluminense e economista que pesquisa desigualdades de gênero há quatro décadas.

“A desigualdade é um problema de múltiplas dimensões e leva séculos para ser superado”, disse em entrevista à IPS.

A maternidade é o fator primordial, mas a forma como as meninas são socializadas dita o futuro feminino, incluindo trabalho e salários mais baixos. “Quando uma boneca é colocada nas mãos de uma menina, seu destino está selado”, disse a economista.

Quase 80% das mulheres ocupadas trabalham em quatro setores, nessa ordem de concentração: educação básica, saúde, assistência social e serviços domésticos. “Até o censo demográfico de 2010, o trabalho doméstico era a maior ocupação feminina no Brasil, agora é a quarta”, destacou Melo.

A posse da ministra da Mulher, Cida Gonçalves, em janeiro, virou uma festa feminista. presidente luis Inácio Lula da Silva restabeleceu o Ministério da Mulher como pasta própria para promover a igualdade de gênero, combater a violência e a discriminação contra a população feminina. (Foto: PublicPhotos)


Construção histórica

São todas atividades assistenciais e geralmente mal remuneradas, com exceção dos serviços de saúde. Além disso, as mulheres se concentram em áreas com salários mais baixos, como enfermagem, ou ganham menos que os homens em funções idênticas.

Ocorre até mesmo no trabalho doméstico, onde a mão de obra feminina chega a 92% do total, mas os homens obtêm melhor remuneração, atuando como jardineiros ou motoristas de veículos, enquanto as mulheres se dedicam a cozinhar, cuidar dos filhos e da limpeza.

“A reprodução humana ocorre necessariamente no corpo feminino, que cumpre a tarefa de gestação e parto. Mas os cuidados posteriores poderiam ser divididos com os homens”, comentou o professor.

Com as mulheres socializadas para cuidar dos outros, seu trabalho foi desvalorizado. A ideia incutida até nas mulheres é que “cuidar é amar”, não uma atividade remunerada, disse.

Isso vem da sociedade primitiva, com as mulheres sempre dedicadas a gerar e sustentar a vida, enquanto os homens se voltavam para ações relacionadas à morte, como a caça, a pesca e a guerra, lembrou.

Dentre suas derivações, na família o pai está afetivamente ligado à mulher e esta aos filhos. Ao se separar, o homem também deixa os filhos, agravando o ônus para a mãe.

Deriva também de toda aquela construção social de milênios, da menor remuneração mesmo em funções idênticas, da menor presença feminina no topo da hierarquia laboral, do desemprego “historicamente maior” entre as mulheres.

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“Elas sempre são demitidas primeiro”, ganham ainda menos como juízas, com a carreira prejudicada por uma possível maternidade, observou Melo.

Hildete Pereira de Melo

A escola também não resolve

Um fator normalmente apontado como determinante para a promoção profissional e salarial, o nível de escolaridade, não vale para as mulheres. Nessa área, elas superam os homens desde 1991, ainda que optem por carreiras menos remuneradas e sejam minoria nas ciências exatas e econômicas, por exemplo, em função da “socialização para o cuidado”.

Mas mesmo na pesquisa científica de elite, eles ganham bolsas de estudo abaixo da média. No Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, as bolsas de produtividade do mais alto nível, os pesquisadores não chegam a 10% dos contemplados.


“A carreira científica da mulher só deslancha depois da menopausa”, o que também acontece com os jurados, enfatizou Melo.

Para superar efetivamente essa condição feminina menos aceitável não bastam as leis, será necessário um longo processo educativo para mudar a socialização, para que não seja diferente para meninas e meninos, opinou.

Por exemplo, as atividades relacionadas à cozinha, limpeza e lavanderia são compartilhadas nas creches.

As desigualdades não se limitam ao salário e à carreira. A representação das mulheres no poder político no Brasil continua a ser uma das mais baixas da América Latina. Medidas legais para corrigir o desequilíbrio mostraram-se ineficazes.

A cota de 30% de candidaturas femininas para a Câmara dos Deputados, em cada partido, foi adotada em 1997, mas só se tornou obrigatória em 2009. adicionado nos últimos anos.

As cotas alcançaram pequenos avanços, considerados insuficientes. No Brasil não há lista fechada de candidatos por partido, já na Argentina as candidaturas são individuais. Hoje as mulheres representam apenas 17,7% dos 513 deputados. Em 1998 eram apenas 5,5%. No Senado, chegaram a 12,3%.

A Ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara , e a Ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco. Foto: PublicPhotos

Desequilíbrio político

A disparidade de poder político é outro fator que dificulta o combate à desigualdade.

O escasso empoderamento político das mulheres fez com que o Brasil caísse da classificação do Global Gender Gap Report 2022, do Fórum Econômico Mundial, da 62ª colocação em 2013 para a 94ª naquele ano. A lista tem 146 países no total. 

A classificação considera outras três áreas: saúde, educação e participação econômica. Os indicadores brasileiros não pioraram, mas avançaram mais lentamente que os demais. Entre os 22 países latino-americanos avaliados, o Brasil está à frente apenas de Belize e Guatemala.


As mulheres negras são as principais vítimas da persistente desigualdade.

Sua renda era 26,98% menor que a dos homens brancos, enquanto as mulheres brancas tinham desvantagem de 20,42% e os homens negros 7,55%, sempre em relação aos homens brancos, segundo estudo de Janaína Feijó, economista da Fundação Getúlio Vargas no Rio de Janeiro.

O estudo tem por base dados estatísticos oficiais de 2019, ou seja, anteriores à pandemia de covid-19 que alterou abruptamente as condições econômicas de vários grupos. Entre o décimo mais pobre da população brasileira com ocupação profissional, as mulheres negras são a grande maioria de 37%, enquanto as brancas somam 16%. Sua participação no total de trabalhadores ocupados é de 23% e 20,6% respectivamente, o que indica um grande desequilíbrio devido à cor da pele. (ED: GE)

Publicado originalmente em IPS

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