Modelo de aprendizado de máquina busca resiliência na África em relação à crise climática
Cientistas africanos desenvolveram um primeiro modelo de previsão do tempo utilizando inteligência artificial, destinado a criar resiliência no continente diante da crise climática
Por Aimable Twahirwa
KIGALI – Cientistas africanos acabam de apresentar o primeiro modelo de previsão meteorológica que utiliza inteligência artificial (IA) e soluções de aprendizado de máquina para ajudar os países vulneráveis do continente a aumentar sua resiliência frente aos impactos climáticos.
Pesquisadores do Instituto Africano de Ciências Matemáticas (AIMS, em inglês), sediado em Kigali, trabalham em um novo algoritmo de IA que permite a diversos usuários finais das previsões meteorológicas tomarem decisões baseadas em dados.
Segundo os especialistas em clima do Instituto, esses esforços se concentram em construir um sistema inteligente de previsão meteorológica que seja multidimensional e se atualize em tempo real com um alcance de longo prazo, sendo uma tecnologia capaz de simular previsões a longo prazo muito mais rapidamente que os modelos meteorológicos tradicionais.
“A chave dessas intervenções é melhorar a precisão das previsões meteorológicas e ajudar os governos africanos a se prepararem e responderem melhor às emergências meteorológicas”, explicou à IPS o cientista Sylla Mouhamadou Bamba.
Bamba é o autor principal da contribuição do Grupo de Trabalho 1 ao sexto Relatório de Avaliação do Grupo Intergovernamental de Especialistas sobre Mudanças Climáticas (IPCC). Entre suas outras atividades, destaca-se uma cátedra em AIMS sobre mudança climática.
O modelo de IA que os pesquisadores do Centro de Excelência da capital ugandense estão testando foca na análise de enormes conjuntos de dados de padrões meteorológicos passados para prever fenômenos futuros com maior eficácia e precisão do que os métodos tradicionais normalmente utilizados pelas agências meteorológicas nacionais da África.
Ao invés de calcular como será o tempo em geral em uma região ou zona determinada para obter previsões, Bamba destaca que o desenvolvimento de modelos estatísticos modernos – com foco em aprendizado de máquina para prever luz solar, temperatura, velocidade do vento e precipitações – tem o potencial de prever a mudança climática com o uso eficiente de algoritmos de aprendizado e dispositivos de detecção.
Embora a maioria das agências meteorológicas nacionais da África tenha tentado melhorar a precisão de suas previsões meteorológicas, os cientistas afirmam que, embora as tecnologias atuais possam prever o tempo para os próximos dias, elas não podem prever o clima para os próximos anos.
“Muitos países africanos continuam lutando para tomar medidas efetivas de prevenção dos riscos de catástrofes relacionadas ao clima devido à falta de planos de adaptação a longo prazo”, afirmou Bamba.
As últimas conclusões da Comissão Econômica para a África (Cepa) das Nações Unidas mostram que, à medida que o clima mundial se aquece ainda mais, os efeitos adversos de longo prazo e os fenômenos meteorológicos extremos causados pelas mudanças climáticas representarão uma ameaça cada vez mais grave para o desenvolvimento econômico da África.
A capacidade limitada de recuperação dos países africanos frente aos impactos negativos do clima já está resultando em menor crescimento e desenvolvimento, o que evidencia as consequências de um déficit de adaptação.
As conclusões indicativas dos especialistas econômicos mostram um menor crescimento do produto interno bruto (PIB) per capita, que varia em média entre 10% e 13%, sendo os países mais pobres da África os que apresentam maior déficit de adaptação e mitigação.
Embora as projeções mostrem que é provável que as mudanças climáticas agravem a já elevada vulnerabilidade, a capacidade limitada de adaptação da maioria dos países africanos, especialmente os mais pobres, poderia fazer retroceder os esforços de desenvolvimento nas nações mais afetadas, de acordo com Andre Kamga, diretor-geral do Centro Africano de Aplicações Meteorológicas para o Desenvolvimento (Acmad, em inglês). Isso ressalta a necessidade de construir modelos de alta resolução, considerou.
Além de explorar processos para obter alertas precoces para todos na atual cadeia de valor climático, Kamga enfatiza a necessidade urgente de mudar para previsões baseadas em impacto para melhorar a qualidade das informações fornecidas aos usuários e permitir uma preparação e resposta mais eficazes.
A África contribuiu insignificante para as mudanças climáticas, com apenas entre dois e três por cento das emissões globais, mas, apesar disso, o continente continua sendo destacado de forma desproporcional como a região mais vulnerável globalmente.
O último relatório do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) indica que a maioria desses países vulneráveis não possui os recursos necessários para adquirir bens e serviços que lhes permitam amortecer e se recuperar dos piores efeitos das mudanças climáticas.
A IA e o aprendizado de máquina continuam sendo soluções-chave para que os pesquisadores superem esses desafios.
O professor Sam Yala, presidente do Centro de Excelência do AIMS, é um defensor de que esses modernos modelos de previsão meteorológica são importantes para ajudar a gerenciar os difíceis problemas relacionados ao aprimoramento da adaptação e resiliência na maioria dos países africanos.
Frank Rutabingwa, assessor regional sênior da Cepa e coordenador do Programa de Serviços de Informação Meteorológica e Climática para a África (Wiser, em inglês), reconhece que, para que os países africanos possam prevenir e controlar efetivamente os principais riscos de catástrofes relacionadas ao clima, é importante aprimorar suas capacidades de previsão e interpretação da informação.
As últimas estimativas dos pesquisadores mostram que a capacidade de previsão numérica do tempo sobre a África continua baixa, e que ainda há falta generalizada de previsão em todo o continente e uso praticamente nulo de sistemas ou ferramentas automatizadas.
Os cientistas da AIMS estão convencidos de que essa situação tem afetado consideravelmente a capacidade dos serviços meteorológicos nacionais de emitir avisos e, portanto, evitar potencialmente a perda de vidas humanas e perdas econômicas consideráveis em muitos países do continente.
Um estudo de Sylla permitiu prever uma expansão do clima tórrido para toda a África Ocidental até o final do século XXI. No entanto, outras regiões africanas, como África do Norte, África Oriental, África Central e África do Sul, carecem de pesquisas semelhantes.
“A inteligência artificial e o aprendizado de máquina podem desempenhar um papel fundamental preenchendo essas lacunas de dados sobre a confiabilidade das previsões meteorológicas que minam a compreensão do clima no continente”, concluiu o cientista.
*Imagem em destaque: O primeiro modelo de aprendizado de máquina, que os pesquisadores estão testando atualmente na capital de Uganda, concentra-se na análise de grandes conjuntos de dados de padrões climáticos passados para prever eventos futuros de maneira mais eficiente e precisa, a fim de melhorar a resiliência climática na África subsaariana (Aimable Twahirwa/IPS)
**Publicado originalmente em IPS – Inter Press Service | Tradução de Marcos Diniz
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