O desenvolvimento da América Latina no marco da crise da globalização

O desenvolvimento da América Latina no marco da crise da globalização

A bateria de sanções econômicas implementadas nos últimos anos contra a Rússia e a China pela União Europeia (UE) e pelos Estados Unidos não é apenas mais uma arma no quadro de uma nova Guerra Fria. Ao contrário, expressa a crise do modelo neoliberal de globalização, que questiona não apenas suas bases econômicas e institucionais,…

POR JOSÉ SEBASTIÁN MONSALVE EGAÑA

MADRI – A bateria de sanções econômicas implementadas nos últimos anos contra a Rússia e a China pela União Europeia (UE) e pelos Estados Unidos não é apenas mais uma arma no quadro de uma nova Guerra Fria. Ao contrário, expressa a crise do modelo neoliberal de globalização, que questiona não apenas suas bases econômicas e institucionais, mas também os fundamentos que dão legitimidade ao sistema. Em outras palavras, a relação entre as noções de democracia, sociedade e mercado, que tem consequências claras quando se trata de refletir sobre as estratégias de desenvolvimento na América Latina.

Tendências que condicionam o desenvolvimento da região

A guerra na Ucrânia teve vários tipos de consequências para a América Latina. Se o aumento do preço dos hidrocarbonetos beneficiou os países produtores e permitiu que outros países ganhassem uma fatia do mercado global para seus produtos agrícolas, também provocou fortes tensões inflacionárias.

Para alguns analistas, a escassez de matérias-primas que pode atingir o Ocidente é uma oportunidade para esta região, rica em recursos essenciais para a revolução tecnológica (níquel, lítio, cobre, fosfatos, etc.).

No entanto, para além da situação de conflito, as sanções exacerbaram tendências globais que se observavam há alguns anos e têm forte impacto nas estratégias de desenvolvimento da região.

Podemos destacar três:

Imperialismo descarnado. A invasão da Ucrânia acabou destruindo a ficção liberal de que as grandes potências não poderiam exercer seu poder a seu critério sobre outros países mais fracos. Na verdade, nunca foi assim, mas a grande diferença é que nesta crise, as grandes potências não hesitaram em usar seu poder contra qualquer outro país com base em seus próprios interesses.

Economia geopolitizada. A invasão russa significou um fracasso ideológico da teoria liberal, que assume o comércio como agente pacificador das relações internacionais, enquanto se impõem políticas protecionistas, iniciam-se guerras comerciais e condena-se a interdependência econômica como fraqueza. Isso se reflete claramente na estratégia de relocalização industrial promovida pelos EUA para enfrentar a dependência da China.

Revalorização estratégica das matérias-primas. A guerra acentuou a importância econômica e geopolítica das matérias-primas (agricultura, minas e energia), que são cada vez mais revalorizadas, não só em termos comerciais, mas também como parte essencial da “autonomia estratégica” de cada país.

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Essas três tendências são essenciais para desenhar estratégias de desenvolvimento na América Latina.

Por exemplo, a exploração de lítio na Argentina, Bolívia, Chile e Peru enfrenta pressões explícitas das grandes potências como parte de uma disputa global sobre quem ficará com essas matérias-primas.

Por outro lado, a guerra revelou a fragilidade da indústria de fertilizantes agrícolas, obrigando-nos a repensar o modelo agrário de vários países da região para torná-lo mais resistente às incertezas internacionais.

Latinoamerica verde

Nesse contexto, destaca-se que a transformação verde com a qual os países desenvolvidos estão comprometidos pode beneficiar a América Latina como receptora de investimentos. Isso reabre um debate já clássico na região sobre a necessidade de:

  • Modernizar os modelos de produção e energia.
  • Melhorar as infraestruturas físicas e digitais.
  • Formar capital humano especializado.

Discussões sobre distribuição de riqueza e proteção ambiental também estão pendentes. Um caso paradigmático desse desafio está ocorrendo atualmente no Chile com a produção de hidrogênio verde.

Polos de poder

Essas análises continuam funcionando sob uma lógica imperial, assumindo que a região deve manter uma integração subordinada às demandas de um dos grandes blocos que está se formando. É por isso que se considera que estes processos estão fortemente condicionados pela forma como evolui o confronto entre a China e os EUA.

Por exemplo, se uma maior interdependência entre a Rússia e a China finalmente se materializar, a importância do mercado chinês para muitas exportações latino-americanas poderia ser enfraquecida, e os EUA e a UE seriam revalorizados como principais mercados.

Deste ponto de vista, o desenvolvimento econômico latino-americano continua sendo assumido como uma variável dependente das necessidades geopolíticas de uma potência estrangeira.

Este artigo é um resumo da carta do GETEM (Grupo para o Estudo das Transformações da Economia Mundial) número 42, de fevereiro de 2023, “Guerras e sanções econômicas internacionais: notas para o desenvolvimento da América Latina no marco da crise da globalização neoliberal”, que pode ser acessado aqui.

Artigo publicado na Inter Press Service e The Conversation

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