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O governo não consegue conter a crise de sequestros por resgate na Nigéria

O governo não consegue conter a crise de sequestros por resgate na Nigéria

Por Promise Eze

ABUJA – Lilian Eze ainda estremece quando se lembra dos frequentes ataques de sequestradores na cidade de Kaduna, no centro-norte da Nigéria, onde vivia. Em fevereiro de 2022, ela fugiu com seus filhos para Abuja, a capital do país, em busca de mais garantias de segurança.

Em entrevista à IPS, ela explicou que à noite os sequestradores invadiam o centro histórico de Kaduna, a pé e com uma horda de motocicletas, com pouca ou nenhuma resistência dos órgãos de segurança.

Eles atiravam indiscriminadamente para o alto, causando medo entre os moradores, antes de levar à força suas vítimas para áreas remotas da floresta, onde as mantinham em cativeiro até que um resgate fosse pago. Mas nem todas as vítimas conseguem sair com vida.

“Quando começou, por volta de 2017, pensávamos que iria diminuir, mas se tornou extremamente frequente. Os tiros eram aterrorizantes; na maioria das noites não conseguíamos dormir. Depois que sequestraram meu vizinho, parei de dormir em minha casa. Meus filhos e eu íamos para uma localidade próxima para passar a noite”, explicou Eze.

A Nigéria, país da África Ocidental e o mais populoso do continente, com cerca de 223 milhões de pessoas, atualmente enfrenta uma crise generalizada de sequestros para obtenção de resgate. Sofre uma das maiores taxas do mundo nesse crime. Homens armados sequestram suas vítimas em estradas, escolas e até em suas casas.

Segundo um relatório da consultora de riscos SBM Intelligence, sediada na cidade de Lagos, entre julho de 2022 e junho de 2023, foram sequestradas 3.495 pessoas em 582 incidentes, e mais de 18 milhões de dólares foram pagos como resgate entre 2011 e 2020.

A Unidade de Inteligência Financeira nigeriana afirma que o sequestro extorsivo é uma das principais fontes de financiamento do terrorismo no país. Apesar de várias promessas do governo para acabar com a crise, ela continua se agravando.

Embora o pagamento de resgate tenha sido criminalizado, os nigerianos não têm outra opção senão recorrer ao microfinanciamento – também conhecido como crowdfunding – para garantir a libertação de seus familiares e conhecidos, já que na maioria dos casos os sequestradores não libertam suas vítimas até que o resgate seja pago.

Presos no covil dos sequestradores

Enquanto Eze e sua família conseguiram escapar para um lugar relativamente mais seguro, outros não tiveram tanta sorte.

Joshua Peter, de 30 anos, junto com seu amigo Salama Ogboshun, foram sequestrados no ano passado quando estavam a caminho de sua fazenda no estado de Kaduna, cuja cidade homônima é sua capital.

Ele contou que homens fortemente armados armaram uma emboscada e os levaram para trás de alguns arbustos, de onde foram levados para uma floresta. Ele acrescentou que dificilmente esquecerá o trauma de sua experiência na floresta.

“Muitas vítimas sequestradas foram assassinadas diante dos meus olhos. Muitas vezes, estupravam mulheres e meninas ao ar livre. Eles me batiam e me ameaçavam de morte todos os dias”, disse.

Peter relatou que foi libertado duas semanas após o pagamento do resgate, mas que durante dias só conseguia comer um pouco e não falava com ninguém devido ao trauma com o qual lutava, e se perguntou por que as forças de segurança nigerianas não foram capazes de resgatá-los e rastrear a localização dos sequestradores, apesar das longas negociações por telefone para sua libertação.

Os nigerianos têm expressado frequentemente preocupação com a eficácia dos serviços de inteligência do país e têm criticado as deficiências percebidas nos diversos órgãos de segurança no uso da tecnologia para lidar com a insegurança.

Os críticos argumentam que, embora os órgãos de segurança vigiem e reprimam efetivamente as atividades da oposição, eles têm sido falhos em localizar os criminosos. A polícia atribui os atrasos na resolução dos casos de sequestro à “escassez de dispositivos rastreadores”.

A infraestrutura tecnológica deficiente da Nigéria

Para Sadiq Abdulahi, especialista em tecnologia da Fozy Global Concept, sediada em Abuja, a falta de colaboração entre os órgãos de segurança dificulta a luta contra a insegurança.

“Deveria haver sinergia entre os diferentes órgãos de segurança no que diz respeito à troca de dados”, acrescentou, enfatizando a falta de conscientização sobre o potencial uso da tecnologia para combater o crime no país.

Em 2022, o governo nigeriano ordenou que os residentes no país sincronizassem seus cartões SIM com seus números de identificação nacional (NIN) para reforçar a segurança.

No entanto, apesar dessa política, os sequestradores continuam fazendo chamadas impossíveis de rastrear para as famílias de suas vítimas.

Isa Pantami, ex-ministro das Comunicações e Economia Digital que liderou a iniciativa, enfrentou críticas por buscar fundos para pagar o resgate de algumas vítimas sequestradas no início deste ano. No entanto, Pantami culpou as agências de segurança, acusando-as de não utilizar efetivamente a política para localizar os criminosos.

Zainab Dabo, analista política nigeriana, afirma que a falta de compromisso e vontade política do governo está contribuindo para a crise. Segundo ela, as forças de segurança nigerianas não estão adequadamente equipadas para lidar com os criminosos.

“Os agentes de segurança têm armas que não são tão sofisticadas quanto as dos sequestradores. Embora nossas forças de segurança sejam bem treinadas, a falta de armamento adequado torna o confronto com os terroristas uma missão perigosa”, disse à IPS.

Dabo também alegou que há pessoas dentro da infraestrutura de segurança nigeriana que estão ajudando os terroristas. “O fato de a insegurança persistir por tanto tempo indica a cumplicidade das elites, não apenas entre os agentes de segurança, mas também entre os políticos e os governantes tradicionais”, acrescentou.

Joshua Madaki, outro morador de Kaduna sequestrado em sua casa por grupos armados na noite de 21 de dezembro de 2021, compartilha da opinião que Dabo.

Ele passou 17 dias em cativeiro, depois de ter sido sequestrado com outras 36 pessoas de sua comunidade, e revelou que, enquanto o resgate estava sendo negociado, os criminosos mataram seis das vítimas como advertência às suas famílias.

“A insegurança na Nigéria é muito complicada, mas parece que o governo não está disposto a tomar medidas para enfrentá-la”, declarou Badasi Bello, cuja irmã mais nova foi sequestrada no estado de Sokoto, no noroeste do país, em 2023.

A Anistia Internacional (AI) aconselhou o governo nigeriano a considerar a crise de sequestros no país como uma emergência e tomar medidas para resolver o problema.

No entanto, os sequestros continuam, incluindo o sequestro em massa de estudantes. Em 7 de março, 287 crianças foram sequestradas em duas escolas no estado de Kaduna.

Cristian Munduate, representante da Unicef na Nigéria, afirmou em comunicado que o ato fazia “parte de uma tendência preocupante de ataques contra instituições educacionais na Nigéria, especialmente no noroeste, onde grupos armados intensificaram sua campanha de violência e sequestros”.

Posteriormente, em 10 de março, 15 alunos foram sequestrados no seminário islâmico de Gidan Bakuso, estado de Sokoto, enquanto dormiam, conforme relatado por meios de comunicação internacionais.

Munduate disse que a Unicef está coordenando com as autoridades locais e ajudando pais e famílias com serviços de apoio psicológico.

“Todas as crianças merecem crescer em um ambiente de paz, longe das sombras ameaçadoras e da insegurança. Infelizmente, estamos enfrentando uma deterioração significativa na segurança da comunidade, e as crianças sofrem desproporcionalmente as consequências desse declínio na segurança”, concluiu Munduate.

*Imagem em destaque: Joshua Peter, na foto e de costas por razões de segurança, foi sequestrado no ano passado junto com seu amigo Salama Ogboshun, quando estavam a caminho de sua fazenda no estado de Kaduna, no centro-norte da Nigéria. Imagem: Promesa Eze / IPS

**Publicado originalmente em IPS – Inter Press Service | Tradução/Revisão: Marcos Diniz

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