Proposta de Lei de Liberdade de Informação da ONU nunca sai do papel

Proposta de Lei de Liberdade de Informação da ONU nunca sai do papel

Foto: Unesco

Este artigo faz parte da cobertura da IPS do Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, 3 de maio

POR THALIF DEEN

NAÇÕES UNIDAS – A Organização das Nações Unidas (ONU) sempre foi uma ferrenha defensora da liberdade de expressão e de imprensa e, principalmente, do direito dos jornalistas de informar sem medo de represálias. Mas, infelizmente, a ONU também é uma das instituições mais opacas, onde a transparência nunca é a norma.

Os jornalistas raramente, ou nunca, conseguiram obter comentários ou reações de embaixadores, diplomatas e altos funcionários da ONU porque a maioria deles segue o conselho dado aos britânicos durante a censura do período de guerra no Reino Unido: “Seja como o papai, fique com a mamãe”.

Como Winston Churchill disse uma vez, “A diplomacia é a arte de dizer às pessoas ´vá para o inferno’ de modo que elas peçam informações sobre o caminho”.

Regra geral, a maioria dos embaixadores e diplomatas não dizem ou dizem aos jornalistas “vá para o inferno”, nem “vá para o céu”, mas evitavam e evitam evitava qualquer comentário sobre questões politicamente delicadas com a desculpa clássica: “Desculpe, temos que obter autorização de nossa capital.”

Mas essa “autorização” dos respectivos Ministérios das Relações Exteriores nunca chega. Ainda assim, tem sido difícil superar a resposta de um diplomata asiático de boca fechada que disse a este correspondente da IPS: “Sem comentários” e, pensando bem, acrescentou: “E não me cite sobre isso”.

Por outro lado, a maioria dos altos funcionários da ONU nunca teve cortesia ou protocolo básico para responder a telefonemas ou e-mails, nem mesmo com um reconhecimento. As linhas de comunicação estavam quase mortas.

Quando reclamei com Shashi Tharoor, um especialista em mídia, ex-secretário-geral adjunto da ONU, chefe do antigo Departamento de Informação Pública (DPI) e escritor prolífico, ele foi explícito em sua resposta ao dizer que todos os funcionários da ONU – do subsecretário-Geral ao lavador das janelas – tem o direito de opinar na sua área de especialização.

A Lei de Liberdade de Informação dos Estados Unidos (FOIA, em inglês), de 1967, deu ao público, e especialmente à imprensa dos Estados Unidos, o direito de solicitar acesso aos registros de qualquer agência federal, e foi descrita como “a lei que mantém os cidadãos informados sobre seu governo.”

Como resultado, alguns dos furos de notícias e informações privilegiadas nos principais meios de comunicação da América vieram depois de pedidos FOIA de jornalistas locais.

Mas uma proposta de longa data da FOIA nas Nações Unidas não conseguiu emplacar devido, em grande parte, à inação da Assembleia Geral de 193 membros, o mais alto órgão político da ONU, resultando em falta de transparência no funcionamento interno da ONU e seu Secretariado.

O mesmo aconteceu com a proposta de um enviado especial da ONU para lidar com a segurança de jornalistas mortos (DOA).

Andreas Bummel, diretor-executivo do Democracia sem Fronteiras, disse à IPS: “A ONU é uma instituição que exerce o poder público direta e indiretamente com mais de 30.000 pessoas trabalhando na Secretaria (mais o sistema da ONU em todo o mundo)”.

Como tal, deve prestar contas não só aos seus Estados-Membros, mas também aos cidadãos e ao público em geral.

“O estabelecimento de um procedimento adequado de liberdade de informação na ONU será uma ferramenta importante para melhorar esse aspecto”, disse Bummel, co-autor de “A World Parliament: Governance and Democracy in the 21st Century”.

Martin S. Edwards, professor e presidente da Escola de Diplomacia e Relações Internacionais da Universidade Seton Hall dos Estados Unidos, disse à IPS: “Devo admitir que desconheço os aspectos jurídicos deste assunto. Dito isso, está bem claro para mim que o único caminho a seguir para a ONU em uma era de divisão política é uma maior transparência”.

Não basta se esforçar para “contar melhor a sua história”. Você não pode defender instituições “eficazes, responsáveis e inclusivas” em nível nacional sem isso, nem dentro do sistema da ONU. Aspectos como o acesso à informação são um passo essencial nessa direção, acrescentou.

Você pode ler a versão em inglês deste artigo aqui.

Nos Estados Unidos, as agências federais são obrigadas a divulgar qualquer informação solicitada pela FOIA, a menos que se enquadre em uma das nove exceções que protegem interesses como privacidade pessoal, segurança nacional e aplicação da lei.

Na Austrália, a legislação é conhecida como “Direto de Saber”; em Bangladesh, o Direito à Informação (DAI) fornece recursos para aqueles que desejam se inscrever em agências governamentais e, no Japão, o Centro Cidadão para Divulgação de Informações oferece assistência aos interessados em se inscrever.

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No caso da Índia, há o Direito à Informação: Portal do Cidadão. No Canadá, a Lei de Acesso à Informação entrou em vigor em 1983. No Quênia, a Lei de Acesso à Informação foi adotada em 2016. E na Suécia, desde 1776 existe uma Lei de Liberdade de Imprensa, considerada a “mais antiga das o mundo.”

Enquanto a FOIA cobre o acesso aos registros da agência do governo federal, a Lei de Liberdade de Informação (FOIL) garante o acesso aos registros do governo estadual e municipal. Todos os 50 estados dos Estados Unidos também têm leis de liberdade de informação que regulam o acesso a esses documentos, embora as disposições das leis estaduais variem consideravelmente.

A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), com sede em Paris e encarregada de garantir a liberdade de imprensa, define liberdade de informação como o direito de acesso à informação em poder de organizações públicas.

Segundo a UNESCO, a liberdade de informação é parte integrante do direito fundamental à liberdade de expressão, reconhecido pela Resolução 59 da Assembleia Geral das Nações Unidas, adotada em 1946.

Também está garantido no artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), ao estabelecer que o direito fundamental à liberdade de expressão inclui a liberdade de “buscar, receber e difundir informações e ideias por qualquer meio de expressão, independentemente de fronteiras”.

A liberdade de informação também é consagrada como “liberdade de expressão” em outros instrumentos internacionais importantes, como o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (1966) e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (1969).

Em entrevista à IPS em 2017, Samir Sanbar, ex-secretário-geral adjunto da ONU que chefiou o Departamento de Informação Pública (DPI), disse que o direito à informação é parte integrante dos princípios da ONU. No entanto, tanto os Estados-Membros como a burocracia da ONU colocaram obstáculos a este direito, mesmo a informações básicas de domínio público.

Sanbar observou que a necessidade de “informar os povos” está implícita na Carta da ONU, mas colocá-lo em prática foi “um problema básico que experimentei ao longo do meu trabalho com certos funcionários do governo, incluindo aqueles que pedem publicamente canais abertos, e com muitos colegas de alto nível no Secretariado da ONU”.

Aqueles que acreditavam que “informação é poder” eram muito reticentes sobre o que percebiam como compartilhar a sua autoridade com um público mais amplo, diz Sanbar, que serviu sob cinco diferentes secretários-gerais da ONU.

“O mais flagrante é que, quando lancei o inquestionável site da ONU, eu fui advertido por vários poderosos subsecretários-gerais e representantes permanentes para não ‘contar a todos o que está acontecendo’ (no sistema da ONU) e eles se recusaram a autorizar fundos,” exemplificou.

“Tive que formar uma equipe de voluntários do DPI em meu escritório, operando dentro do orçamento existente, para ir adiante e eventualmente oferecer computadores emprestados de uma fonte externa, a certas delegações para perceber que era mais conveniente para eles acessar comunicados de imprensa do que tendo que enviar diariamente um de seus funcionários ao prédio para coletar material do terceiro andar“.

 “Com o tempo, todos aderiram e o site se tornou um dos dez principais sites oficiais do mundo”, disse ele.

Não foi o único caso de relutância inicial dentro da ONU em relação às questões de acesso à informação.

“Tivemos dificuldade semelhante em fazer passar pela Assembleia Geral o Dia Internacional da Liberdade de Imprensa”, instituído para ser comemorado em 3 de maio.

“Parece que mesmo os mais bem-intencionados – já que os delegados representam governos oficiais que veem a liberdade de imprensa com cautela –temem levantar uma questão potencialmente vulnerável”, disse Sanbar, autor do livro “Inside the U.N. in a Leaderless World ‘.

Este artigo contém trechos de um livro de 2021 sobre as Nações Unidas – em grande parte uma coleção de anedotas políticas – intitulado “Sem comentários – e não me cite sobre isso”, disponível na Amazon. O link para a Amazon através do site do autor segue: https://www.rodericgrigson.com/no-comment-by-thalif-deen/

Artigo originalmente publicado na Inter Press Service

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